Amsterdam, Holanda

Amsterdam, Holanda
Rio Amstel, Bakkersstraat

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ÍNDICE DOS FASCÍCULOS

Introdução: Spitalfield, 1612-2012
1)    16 séculos de Igreja Cristã
2)    Anglicanismo: a Igreja do Rei
3)    Puritanos, Separatistas, Batistas
4)    A “Congregação da Padaria”
5)    Membros fundadores pioneiros
6)    O remanescente fiel
7)    A 1ª Igreja Batista Inglesa
8)    Helwys: declarações de fé e de liberdade
9)    Os “Batistas Gerais”
10)  Os “Batistas Particulares”
11)  Imersão e o nome de “Batistas”
12)  A música e o culto batista primitivo
13)  A Associação batista
14)  Os Batistas e o “Mayflower”
15)  Puritanos na Nova Inglaterra
16)  Roger Williams e a 1ª Igreja Batista de Providence
17)  O “buscador” Roger Williams
18)  John Clarke e a 1ª de Newport
19)  A Igreja Batidts de Swansea
20)  Os Batistas nas treze colônias
21)  Os Batistas e a liberdade religiosa
22)  Os Batistas e os despertamentos
23)  Convenções batistas e as diferenças regionais
24)  Luther Rice e as missões mundiais
25)  Batistas: os primórdios no Brasil
26)  A “via da imigração”
27)  A “via da missão”
28)  Missões e Missionários
29)  Albuquerque: Primícia Batista no Brasil
30)  Os Batistas Brasileiros e a Perseguição
31)  O Brasil batista no século XIX
32)  A Convenção Batista Brasileira
33)  O Cantor Cristão
34)  Os batistas letos
35)  Outros batistas estrangeiros no Brasil
36)  Outras convenções batistas no Brasil
37)  Os batistas e as crianças
38)  Os batistas no Estado de São Paulo
39)  Expansão batista nos outros estados
40)  Congressos e Campanhas Batistas
41)  Os Batistas e o Espírito Santo
42)  Os Batistas, 130 anos após
43)  A Aliança Batista Mundial
44)  Batistas no mundo: Europa
45)  Batistas no mundo: Américas
46)  Batistas no mundo: Ásia e Oceania
47)  Batistas no mundo: África
48)  Doutrinas batistas: nossas conquistas históricas
49)  Origens batistas: outras teorias
50)  Os Batistas após 400 anos
Conclusão: O campo é o mundo

 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

ORIGENS BATISTAS EM FASCÍCULOS


INTRODUÇÃO: Spitalfields, 1612 - 2012


Se os batistas, através de suas convenções nacionais, ou mesmo da Aliança Batista Mundial, quiserem descerrar, em 2011, uma placa comemorativa dos quatrocentos anos de organização da primeira igreja batista geral em Spitalfields, em Londres, na Inglaterra, eles certamente terão muitas dificuldades para definir onde colocar tal placa, já que aparentemente todos os esforços já envidados para tentar localizar o endereço batista inglês inicial têm sido frustrados. Foi mais fácil localizar a antiga Rua da Padaria em Amsterdam, na Holanda, para que nas proximidades fosse colocada a placa comemorativa do embrião batista inicial de 1609, pois pelo menos ali se conhecia a localização da antiga padaria que pertencera a Jan Munter, o menonita.
           Spitalfields é o nome de uma primitiva paróquia nas vizinhanças da Torre Hamlets, no chamado East End de Londres, perto da estação da Rua Liverpool e da Brick Lane. A área, hoje comercial, abriga muitos estabelecimentos, incluindo o Velho Mercado de Spitalfield, fundado no século XVII, além de outros endereços. O nome Spitalfields é uma contração de “hospital fields”, em referência ao terreno aberto que ficava atrás do “Novo Hospital de Santa Maria sem Bishopgate”, erigido no lado leste da passagem de Bishopsgate (= portão do bispo), em 1197. O hospital original aparece em antigos mapas da cidade de Londres.
Em comemoração aos 400 anos da primeira igreja batista inglesa, aquela que teve continuidade, dando origem a outras congregações batistas e à denominação em geral, está sendo lançada a coleção “ORIGEM DOS BATISTAS - Uma saga em 50 fascículos”, para contar esta história. Planejada para conter cinquenta textos curtos, a série tentará resgatar a trajetória da Igreja edificada por Jesus Cristo a partir de Jerusalém, no primeiro século, até chegar à denominação batista existente no mundo hoje, uma das mais importantes e numerosas dentro dos grupos originários dos movimentos de Lutero e dos demais reformadores a partir do século XVI. Nossa história como batistas é por demais significativa, em testemunho da fé cristã que defendemos, para passar despercebida como tem acontecido até aqui. É preciso que conheçamos de onde surgimos e o que enfrentamos como denominação, para entendermos como e por que chegamos ao século XXI da forma como aconteceu; assim, talvez possamos vislumbrar o que deveremos ser, como denominação e como igrejas, no futuro, partindo das linhas definidas pelas nossas doutrinas tão penosamente desenvolvidas ao longo dos séculos.
Como igreja cristã, lidamos em dois níveis: o espiritual e o material. É preciso adequar a igreja aos dias contemporâneos no campo material, com métodos, tecnologia e tudo o mais que já está à disposição, ou ainda virá a estar disponível no futuro: estamos lidando neste aspecto no campo dos elementos relativos do homem. Aquilo que é espiritual, porém, a mensagem do evangelho deixada por Cristo aos apóstolos e por eles divulgada, corresponde aos absolutos de Deus, os quais não podemos nem devemos mudar, pois, se o fizermos, estaremos desenvolvendo “um outro evangelho”, como tantos outros grupos já fizeram e ainda fazem, sendo objetos do anátema divino.
A origem dos batistas em 50 fascículos, divulgados um a um, estudados talvez semanalmente: vamos enfrentar o desafio de conhecê-los? Como batista, após pesquisar a história da igreja cristã em geral e particularmente a origem dos batistas ao longo dos séculos, saímos mais convictos das razões bíblicas de nossa fé e cremos que a leitura do material proposto fará o mesmo a qualquer crente realmente convicto da verdade bíblica e da necessidade de a igreja basear sua mensagem no evangelho apostólico neotestamentário. Ao criarmos os fascículos, tivemos em mente o objetivo de elaborar um texto que fosse edificante para a denominação batista em geral, e para os seus integrantes em particular. Que Deus nos ajude a atingir este objetivo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

PRIMÓRDIOS


1.      16 SÉCULOS DE IGREJA CRISTÃ

“Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo. Mas ainda que nós, ou um anjo dos céus, pregue um evangelho diferente daquele que lhes pregamos, que seja amaldiçoado! Como já dissemos, agora repito: Se alguém lhes anuncia um evangelho diferente daquele que já receberam, que seja amaldiçoado” (Gálatas 1.6-9).

Paulo viveu no século I, tendo nascido entre os anos 5 e 10 do primeiro século, segundo se crê. Acompanhou ele o começo da Igreja, principalmente a sua abertura para os gentios. As igrejas de sua época ainda contavam com a presença física dos apóstolos de Cristo, o que legitimava a mensagem do evangelho. No entanto, quando se dirigiu às igrejas da Galácia, advertiu os irmãos daquela localidade para o perigo das idéias estranhas que, lentamente, começavam a minar a pureza apostólica da mensagem da Igreja.
No decorrer dos séculos, porém, a Igreja começou a se distanciar do padrão absoluto do seu edificador, ao permitir a entrada de heresias e procedimentos baseados na tradição e em decisões humanas. Esse afastamento atingiu um clímax após quinze séculos de história, provocando um movimento que, iniciado na Alemanha, espalhou-se pelo mundo cristão, gerando novas formas de organização do trabalho da Igreja: a Reforma Protestante. Inicialmente, o movimento foi geograficamente limitado aos povos de origem germânica do norte e do oeste da Europa.
É difícil entender como e por que A Reforma Protestante se deu naquela época e daquela forma. Em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero, um professor monástico da Universidade de Wittenberg, na Alemanha, quis discutir com seus alunos o abuso da cobrança de indulgências por parte da Igreja Católica. Noventa e cinco teses foram divulgadas na época para iniciar a discussão, mas elas provocaram uma resposta imediata, que iniciou a maior de todas as revoluções da história da igreja. A partir das teses, os acontecimentos se precipitaram a tal ponto que, três anos após sua divulgação, no dia 10 de outubro de 1520, Lutero receberia uma bula papal emitida contra ele, que se referia à sua figura como a de um javali selvagem que havia invadido a vinha do Senhor. A bula papal foi queimada por Lutero, num rompimento com o papa.
Lutero procurou desenvolver sua teologia partindo da Palavra de Deus, onde buscou primeiramente entender o conceito de salvação, chegando à compreensão da justificação pela fé. No final dessa formulação, ficaram famosas as cinco expressões iniciadas por “sola”, expressão latina que resumia as doutrinas da Igreja de Cristo a cinco pontos específicos:
  • Sola Scriptura: somente a Escritura é fonte de revelação divina escrita.
  • Solus Christus: a salvação é realizada somente pela obra mediatória de Cristo.        
  •  Sola Gratia: na salvação, somos resgatados da ira somente pela graça de Deus.
  • Sola Fide: A justificação pela graça é somente por intermédio da em Cristo.
  • Soli Deo Gloria: Pela salvação, somente a Deus devemos dar glória.
O Concílio de Trento, de 1545 a 1563, foi a resposta de Roma ao protestantismo nascente. A Profissão de Fé Tridentina reafirmou os diferenciais teológicos católicos, impossibilitando uma reconciliação com os protestantes. Entre as decisões tomadas, o concílio declarou que apenas a Vulgata, a Bíblia latina, era a versão oficial para uso da igreja, mantendo suas tradições e as intervenções papais como tendo a mesma autoridade das Escrituras como base de seus dogmas.
Shelley afirma: “A Reforma veio com furor; Martinho Lutero tocou a trombeta, mas muitos outros abraçaram a causa”. A partir do século XVI, com a trombeta tocada por Lutero, surgiram Zuínglio, Calvino e outros reformadores da história da Igreja, homens que criam na Palavra de Deus “para produzir a reforma que a igreja necessitava, e da qual eles não seriam mais que preâmbulo”, conforme o dizer de Gonzalez. Surgiram então, na esteira dos reformadores, as primeiras denominações protestantes, representadas nas quatro vertentes da reforma: Luteranismo, as congregações da linha de Zuínglio, Calvinismo e Anglicanismo.
Martinho Lutero (1483-1546) deu origem ao Luteranismo. Segundo informações de um site luterano, as doutrinas que definem atualmente a fé luterana seguem os cinco solas já mencionados. No que toca aos sacramentos, seguindo a Lutero no seu Catecismo Maior, os luteranos mencionam apenas dois, Batismo e Santa Comunhão, embora a Confissão e a Absolvição (ou Arrependimento) sejam chamadas de terceiro sacramento. Praticam o batismo tanto de crianças recém-nascidas como de adultos. Quanto à Santa Comunhão, também chamada de Sacramento do Altar ou Ceia do Senhor, creem os luteranos que os elementos consagrados são o verdadeiro corpo e sangue de Cristo “em, com e sob a forma” de pão e vinho para todos os que dele comem e bebem, doutrina essa chamada de União Sacramental.
            Úlrico Zuinglio (1484-1531) é o segundo nome que surge no movimento da reforma, tendo atuado principalmente nos cantões da Suíça. Ele defendia que o Evangelho tem autoridade sobre a igreja e que a salvação é pela fé somente, negando o caráter sacrificial da missa, as boas obras para a salvação, o valor intercessório dos santos, os votos monásticos e a existência do purgatório. Representando a ala mais radical da Reforma, seguindo sua linha surgiram os anabatistas, sendo atualmente seus principais remanescentes os menonitas, os hutteritas e os grupos amish.
João Calvino (1509-1564), pela importância da sua obra, é apontado como o grande teólogo da Reforma. Com as lnstitutas da Religião Cristã, a partir de Genebra, na Suíça, ele é lembrado por Cairns como tendo sido,“ sem dúvida, um reformador internacional, cujo trabalho influenciou presbiterianos, reformados e puritanos”. Sua importância junto aos batistas será mencionada no devido tempo.
            Quatro são as vertentes apontadas pelos historiadores como resultado da Reforma Protestante. As três mencionadas partem, cada uma delas, de um reformador; a quarta, que nos toca mais de perto como batistas, será abordada no próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

2.      ANGLICANISMO: A IGREJA DO REI

“Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés (de Cristo), e o designou cabeça de todas as coisas para a Igreja, que é o seu corpo...” (Efésios 1. 22-23a)

Um dos desvios da Igreja Romana foi a hierarquização do Papa como cabeça da Igreja. Nas Ilhas Britânicas, esta visão foi mudada com a Reforma.
A Inglaterra tem uma tradição cristã que remonta aos primeiros séculos. Por volta do século VII, a maioria dos ingleses já era católica romana; nos séculos seguintes, começaram a florescer grupos dissidentes à igreja dominante, e remanescentes desses grupos, tais como os lolardos (seguidores de John Wyclif – século XIV), presentes na vida inglesa ao longo do século XV e mesmo no XVI, constituíram-se em oposição ao romanismo. Por volta do século XVI, muitos cristãos ingleses ansiavam por reformas na igreja, estando a classe média emergente também insatisfeita com os excessivos impostos pagos a Roma, bem como com a existência de inúmeras propriedades da Igreja Romana na Inglaterra. Foi esse o ambiente sócio-político-religioso que encontrou o rei Henrique VIII, ao assumir o trono, em 1509.
“... um soberano elegante, generoso, forte, culto, conhecedor de teologia e bom músico; falava latim, francês e espanhol tão bem quanto o inglês; gostava da caça, arco e tênis”; assim apresenta Cairns ao Rei Henrique VIII. Embora alinhasse tantas qualidades formativas, sua vida amorosa, porém, foi uma sucessão de esposas e amantes em nada edificante. Resumindo a história: o rei teve seis esposas, sendo que apenas a última sobreviveu a ele. Como Catarina de Aragão (sua primeira esposa, filha dos reis católicos de Espanha Fernando e Isabel) não pode gerar o herdeiro masculino que o rei desejava para assumir o trono, Henrique VIII procurou a aprovação papal para a dissolução do seu matrimônio, tendo já em vista um segundo casamento com Ana Bolena. Esta é a causa primeira apontada para o rompimento com Roma e com o catolicismo, dando início ao Anglicanismo na Inglaterra. Uma carta foi enviada ao papa, na qual a nobreza inglesa pedia a anulação do casamento, documento marcado por oitenta e cinco sinetes de nobres e clérigos, apoiando o pedido real. Com a recusa de Roma em atender ao pedido de anulação, a Igreja da Inglaterra foi criada através do Decreto de Supremacia de 1534, separando-se do controle de Roma; Henrique rompeu com o papa de Roma ao se autoproclamar o cabeça da Igreja Anglicana, além de confiscar as propriedades da Igreja Católica Romana nos territórios da Inglaterra. O rei, no entanto, que havia sido condecorado pelo papa anteriormente (dado o seu empenho ao tentar barrar as influências protestantes que vinham do continente), continuava católico e apostólico, tendo apenas deixado de lado o adjetivo romano. Por ocasião da sua morte, “a Igreja Inglesa era uma igreja nacional dirigida pelo rei, mas católica romana na doutrina”, conforme afirma Earle Cairns. 
Em 1547, assumiu o trono Eduardo VI, filho de Jane Seymor, terceira esposa real, tendo “reinado” até 1553. Sendo uma criança com saúde débil, a reforma da Igreja Anglicana começou a ter um contorno mais nítido sob a liderança dos seus regentes (duques de Sommerset e Northumberland), mas também surgiu aí uma nítida diferença entre o anglicanismo e o puritanismo nascente, principalmente quando o puritano John Hooper expôs claramente sua rejeição ao uso das vestes litúrgicas pelo clero da Igreja, consideradas por ele como resquício do catolicismo.
No entanto, morto o varão tão desejado por seu pai, em 1553, assumiu o trono Mary Tudor, filha do primeiro casamento com Catarina de Aragão, na linha sucessória deixada por Henrique VIII. Católica de várias gerações, a nova rainha tentou levar a Inglaterra a uma volta à Igreja Romana. Durante seu reinado de cinco anos, ela restaurou o sistema católico e começou a tentar se livrar dos protestantes. Essa atividade rendeu-lhe o cognome de "Maria Sanguinária" (Bloody Mary), em virtude da perseguição aos líderes protestantes, tendo executado cerca de trezentos dissidentes e provocado a fuga de outros oitocentos para o continente. Esse grupo de refugiados, ao voltar, desempenhou papel marcante na continuação dos acontecimentos.
Como a história é cheia de idas e vindas, com a morte de Maria em 1558, assumiu o trono a terceira herdeira de Henrique VIII, Elisabete I, a última da dinastia Tudor. Filha de Ana Bolena, Elizabeth I governou a Inglaterra de 1559 a 1603, tendo restaurado e dado sequência às reformas iniciadas por seu pai e continuadas por seu irmão. Ela optou, no entanto, por um caminho que priorizava a unidade nacional, e não questões teológicas. Não sendo uma pessoa realmente religiosa, Elizabeth mantinha um catolicismo de aparências, tendo sido levada a aceitar o protestantismo por injunções políticas. A rainha, não desejando perder nenhum tipo de vantagem política, organizou um compromisso entre católicos e protestantes através de um decreto chamado de Acordo Elizabetano, crendo, com isso, ter resolvido as guerras religiosas da Inglaterra. Como cabeça da Igreja, tendo diante de si a missão de conduzir as ações que acabariam por definir que tipo de teologia deveria ser praticado na Inglaterra por seus súditos, a rainha, embora convicta da necessidade de mudanças, mas temerosa da reação popular que elas poderiam causar, optou por medidas que fizessem com que o culto da igreja “se parecesse ao antigo culto tanto quanto o sentimento protestante pudesse tolerar”, segundo afirmação do historiador Walker.
Os oitocentos refugiados do reinado de Maria, anterior a Elizabeth, acabaram por originar, na Igreja Anglicana, um grupo que passou a ansiar e a lutar pela reforma mais completa da igreja, desejando purificá-la ao eliminar todos os resquícios que lembrassem o catolicismo; esse grupo passou a ser conhecido na história como os Puritanos.
Partindo do Catolicismo, no qual o cabeça da Igreja é o papa, passamos pelo Anglicanismo, no qual o cabeça passou a ser o rei. Em ambas as igrejas, o cabeça da organização é um ser humano No entanto, Paulo disse aos efésios que Deus colocou a Cristo como cabeça da Igreja, e isto precisava ser reformado. Todos os fatos históricos aqui narrados são importantes para que possamos compreender a origem dos batistas, pois, tendo como ponto de partida os anglicanos, passando pelos puritanos, encontramos os separatistas, aqueles puritanos que se cansaram de esperar pelas mudanças (que aconteciam de modo muito lento, dependendo da política), até chegar à organização da primeira congregação batista, assunto do próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

3.      PURITANOS, SEPARATISTAS, BATISTAS

“Ele (Jesus Cristo) se entregou por nós, a fim de nos remir de toda a maldade e purificar para si mesmo um povo particularmente seu, dedicado à prática das boas obras.” (Tito 2.14)

A Reforma Protestante, após seu impacto inicial, aos poucos se foi definindo em quatro vertentes, seguindo quatro lideranças: Lutero, Zuínglio, Calvino e Henrique VIII. O Rei Henrique VIII deu origem ao Anglicanismo, denominação no seio da qual surgiram os Puritanos.
Como definir e entender o Puritanismo? Shelley, introduzindo o assunto, assim se expressa:

            “Alguns dos exilados forçados a deixar o país durante o reinado de Maria (...), quando voltaram do continente, sob o governo de Elizabeth, começaram a reclamar contra ‘o ócio em Sião’. Eles haviam lido a Bíblia e desenvolvido suas próprias ideias em relação à verdadeira Reforma na Inglaterra. Esses reformadores são conhecidos como ‘puritanos’, pregadores da retidão pessoal e nacional. O futuro estava nascendo.”

Segundo Peter Toon, em sua obra “Puritanos e Calvinismo”, o interesse de Elizabeth I na reforma da Igreja Anglicana “era baseado na premissa de que, enquanto a doutrina cristã é encontrada somente na Bíblia, assuntos secundários como liturgia e organização da igreja podem ser impostos pelo governante cristão terreno”. Opondo-se a essa “meia reforma” surgiu o puritanismo, persuadido de que a igreja precisava ser purificada da influência de qualquer um dos últimos vestígios do catolicismo. O uso de vestimentas, o sinal da cruz, a confirmação, palavras tais como “sacerdote” e “absolvição”, o ato de ajoelhar-se para a comunhão, padrinhos no batismo, etc., eram evidências para eles da permanência da influência de Roma. Eles exigiam a remoção desses “trapos do papismo” e um retorno à simplicidade bíblica. Opunham-se ainda ao Livro de Orações em substituição à pregação da Palavra de Deus, bem como solicitavam uma aplicação de disciplina mais restrita na igreja.
Entre as muitas características dos puritanos, podemos citar: 
  • Compromisso prático e teológico ao Sola Scriptura. 
  • Desejo de uma igreja nacional reformada e purificada na Inglaterra. 
  • Ênfase na conversão e piedade pessoais, sentindo que estavam vivendo os últimos dias antes da volta de Cristo. 
  • Ênfase na validade perpétua da lei moral de Deus, especialmente dos dez mandamentos. 
  • Aceitação geral do Calvinismo Reformado. 
  • Uma visão de vida integrada, num estilo holístico, sem separação entre o sagrado e o secular. 
  • Profundo compromisso com o que criam ser verdadeiro louvor das Escrituras, ou seja, nada deveria ser empregado ou praticado que não tivesse explícita sanção bíblica.
Existindo como um movimento histórico distinto ocorrido na Inglaterra entre 1560 e 1660, o puritanismo ofereceu para cristãos de todas as gerações a visão de um modelo da fé como um compromisso decisivo com Jesus Cristo, inserido em uma nação governada pelas verdades bíblicas. Segundo Donald K. McKim, “o movimento foi calvinista quanto à teologia e presbiteriano ou congregacional quanto ao governo eclesiástico”.
Com a demora da Igreja Anglicana em promover reforma mais profunda, outro grupo, então, surgiu dentro do movimento dos puritanos, chamado de “Separatistas”, pois seus participantes pretendiam deixar o anglicanismo, sendo eles puritanos frustrados que haviam deixado de lado a esperança de uma reforma mais abrangente na igreja. Logo após a Conferência da Corte de Hampton, a chamada Petição Milenar, de 1603, pequenos grupos de crentes começaram a se encontrar para adorar da maneira que entendiam que a Bíblia lhes orientava, e não segundo os bispos ou o Livro de Orações. Estavam determinados a obedecer a Deus, mesmo que os líderes religiosos da Inglaterra não estivessem.
W. Walker, referindo-se ao início do separatismo na igreja da Inglaterra, diz que “um movimento separatista cujas últimas consequências foram de largo alcance teve seu início logo no princípio do reinado de Tiago I, quando John Smyth (1570?-1612), ex-clérigo da igreja estabelecida, adotou princípios separatistas e se tornou pastor de uma congregação em Gainsborough. De imediato conseguiu aderentes nos distritos rurais adjacentes...” Era o início do embrião batista ainda na Inglaterra, o qual seria transplantado para Amsterdam, na Holanda, voltando mais tarde para o solo inglês. Era o início do movimento batista no mundo.
            Puritano – separatista – batista: três estágios pelos quais passou nossa história na sua origem, numa evolução muito interessante de se observar. Do puritanismo extraímos o desejo de purificação da igreja e da sociedade, através da purificação do indivíduo. Do separatismo, trouxemos a ideia da necessidade de separação de tudo aquilo que denotava “outro evangelho”, na busca do evangelho autêntico e puro deixado por Jesus e registrado no Novo Testamento. Da origem da palavra batista, ou seja, do batismo, vem o resgate do seu sentido bíblico de testemunho de fé daqueles que já foram alcançados pela mensagem do evangelho e já a aceitaram como realidade de suas vidas: o batismo dos convertidos, em oposição ao pedobatismo, ou seja, batismo de crianças. Em linhas gerais, aí está a origem da denominação batista.

            Você já ouviu falar da “Congregação da Padaria”? É o assunto do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

NA INGLATERRA

4.  A “CONGREGAÇÃO DA PADARIA”


“... Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado.” (Marcos 16. 15-16)
           
A Companhia das Índias Orientais usava muitos navios em suas viagens pelo mundo, precisando de uma grande padaria para prover suas embarcações com biscoitos e produtos para suas longas viagens. Na parte mais nova da cidade de Amsterdam, na Holanda, a companhia havia erigido sua padaria, no final do século XVI, em um dos lotes ainda vagos às margens do rio Amstel, uma construção bastante ampla. O prédio foi ocupado durante algum tempo pela Companhia e, em 1603, ele foi alugado como Arsenal da Cidade e então, talvez, a padaria tenha sido mudada de lá. Dois anos após, casas foram construídas em volta do local e, a partir de então, a vizinha Bakhuisstraat (Rua da Padaria), foi renomeada como Bakkersstraat (Rua do Padeiro), vindo a propriedade às mãos de Jan Munter, tornando-se, a partir de então, conhecida como “a padaria de Munter”, sendo a propriedade assim designada nos registros do Consistório da Congregação Menonita de Amsterdam. Jan Munter era membro da Igreja Menonita Waterlander.
Ano de 1609: um grupo de pessoas, ingleses dissidentes da Igreja Anglicana, perseguidos em sua terra por causa de suas convicções religiosas e refugiados em Amsterdam, na Holanda, reuniram-se na padaria de Jan Munter, lugar no qual iniciaram uma nova congregação, pois, com base em Marcos 16 e em outros textos bíblicos, acreditavam que uma igreja local deveria ser formada por crentes convertidos e então batizados. Como haviam todos sido batizados como crianças em suas paróquias anglicanas, crendo que aquele batismo não fora biblicamente válido, passaram novamente pelo ato, primeiro o líder espiritual, John Smyth, depois toda a congregação. Organizou-se assim, oficialmente, uma igreja local de adultos que haviam crido no evangelho de Cristo e seguiam sua crença com o batismo, um embrião batista em formação.
            Pouco tempo depois, talvez no mesmo ano, Smyth arrependeu-se de ter iniciado aquele trabalho daquela forma, achando que todos deveriam solicitar admissão junto à Igreja Menonita Waterlander da cidade, considerada então por ele como uma igreja verdadeira. Grande parte da congregação foi convencida de que aquele era mesmo o melhor caminho a ser tomado, mas uma dezena de irmãos, sob a liderança leiga de Thomas Helwys, discordou daquela orientação, crendo que o pensamento inicial estava certo e que a congregação deveria prosseguir. A história batista tem como uma de suas características o divisionismo e isto parece acontecer desde a sua origem. A padaria onde a congregação se reunia, de propriedade de Jan Munter, um menonita, havia sido cedida a pedido de John Smyth, o primeiro pastor batista que acabava de solicitar sua aceitação junto aos irmãos da igreja local. O pequeno grupo de Helwys teve que achar outro local para se reunir, já que os seguidores de Smyth continuaram com suas reuniões na padaria, enquanto aguardavam a aceitação dos menonitas e mesmo depois, mantendo, assim, sua fé com cultos na língua inglesa.
A padaria de Jan Munter foi, portanto, muito importante para aquele grupo de refugiados ingleses, pois foi lá que nasceu a idéia de uma congregação a partir da experiência de conversão a Cristo por parte do pecador, seguida de seu batismo. Ideais como autonomia da comunidade local, liberdade religiosa e separação entre igreja e estado começaram a ser ali vivenciados. Muitas das práticas neotestamentárias, como o restabelecimento da imersão como forma de batismo, por exemplo, ainda seriam introduzidas na denominação batista ao longo da história, que começava com aquele pequeno grupo de pessoas. Este início, porém, mostra os batistas como um grupo que não manteve do catolicismo (ou mesmo do anglicanismo) estruturas, procedimentos e doutrinas não-bíblicas, como muitas denominações protestantes mantiveram. Como cristãos sinceros, desde o início, os batistas buscaram na Palavra de Deus a fonte de inspiração e orientação para a volta à simplicidade do evangelho de Cristo e da Igreja, tão desfigurada como organização após dezesseis séculos de cristianismo.
Foi assim que começou a nossa história batista: com uma congregação ainda anônima organizada em uma padaria, congregação essa cuja linha doutrinária ainda viria a ser definida em muitos detalhes, mas que acreditava firmemente ser aquele o caminho traçado por Deus para a vivência do evangelho de Cristo como Igreja, buscando uma linha neotestamentária. A divergência havida não anula a importância da liderança de John Smyth, desde o início na Inglaterra até o momento da organização, bem como da firmeza da liderança de Helwys na continuação da condução daquele pequeno grupo, o “remanescente fiel” batista.
Quantos eram e quais foram os membros fundadores da primeira congregação batista existente no mundo? Este é o assunto do próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

5.     MEMBROS FUNDADORES PIONEIROS
                                                                                                       
“Naqueles dias, levantou-se Pedro no meio dos irmãos (ora, compunha-se a assembléia de umas cento e vinte pessoas) e disse: Irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura...” (Atos 1.15-16a)

Quando se levantam os dados históricos da organização de uma igreja, normalmente há uma preocupação com os chamados “membros fundadores”, aquelas pessoas que estavam presentes quando tudo começou. O texto bíblico de Atos menciona cerca de cento e vinte membros fundadores da Igreja de Jerusalém, no primeiro século. O livro que marca o cinquentenário da Igreja Batista Central de Campinas, Estado de São Paulo, traz uma relação de oitenta e cinco nomes de membros, os fundadores da IBCC.
Quantos e quais teriam sido os membros fundadores da “congregação da padaria”? Com base em duas listagens históricas de nomes, dos historiadores Lumpkin e Scheffer (o primeiro, batista do século XX; o segundo, menonita do século XIX), comparamos nomes, que diferem às vezes em detalhes de ortografia e abreviações. Verificadas as duas listagens, chegamos a vinte e seis pessoas que são comuns a elas, talvez metade das que estiveram com Smyth no seu auto-batismo, bem como no batismo do restante da congregação, fato que precedeu a organização da primeira igreja batista da história, nosso embrião holandês. Segue a listagem, com as diferenças mencionadas entre parênteses:
1.      Alexander Fleming
2.      Alexander Hodgin (Hodgkins)
3.      Alexander Armfield (Alis Arnfield)
4.      Alexander (Alis) Parsons
5.      Alexander Pigott (Alis Pygott)
6.      Ann Bromhead
7.      Bettriss Dickens (Betteiis Dickinson)
8.      Edward Hankin
9.      Hugh Bromhead
10.  Isabella (Isabell) Thomson
11.  Jane Argan
12.  Joane Brigge (Briggs)
13.  John Grindall
14.  John Hardie (Hardy)
15.  John Murton
16.  Margaret Pigott (Pygott)
17.  Margarett (Margaret) Staveley (Stanly)
18.  Mary Dickens (Dickinson)
19.  Mary Smyth
20.  Robert Staveley (Stanley)
21.  Samuel Halton
22.  Solomon Thomson
23.  Thomas Helwys
24.  Thomas Pigott (Pygott)
25.  William Pygott
26.  Thomas Seamer
Como curiosidade histórica, a família Pigott (Pygott) é a que figura nas listagens com o maior número de pessoas; o menonita Scheffer cita em sua lista o nome de Mother Pygott (Mãe Pygott), parecendo ser ela a matriarca da família.
Como já se viu, durou pouco a “congregação da padaria” como um grupo batista, pois a maioria, seguindo Smyth, buscou aceitação junto à Igreja Menonita Waterlander de Amsterdam. Os nomes destacados em negrito são de quatro dentre as dez pessoas que se mantiveram fiéis aos ideais batistas nascentes, o nosso “remanescente fiel”. Os nomes dos outros seis não foram encontrados nos registros históricos.
Quando se sabe que, mesmo para fatos mais recentes, os registros por vezes são imprecisos, ou estão danificados (pelo tempo ou pela traça), ou ainda se perderam, é interessante de se ressaltar que, embora já existam quatrocentos anos de história, os nomes citados nos parecem confiáveis, pois figuram em duas listagens históricas preservadas. Não há dúvida de que o trabalho pioneiro é sempre muito importante, pois sem ele a organização não existiria. No entanto, é importante ressaltarmos também que a continuidade da obra é que vai garantir a sequência do trabalho inicial, para que a chama continue acesa; e não apenas isso, mas cresça e atraia outros, para que as fileiras sejam reforçadas e a obra do evangelho possa alcançar ainda aqueles grupos e aquelas pessoas que, desesperançadas, não conhecem a mensagem do evangelho de um Deus que tanto amou o mundo que enviou se Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Devemos muito a meia centena de pessoas que fundaram a “congregação da padaria”, também à dezena que transplantou a igreja nascente em solo britânico, mas somos os continuadores desta obra, tanto na igreja local, quanto na denominação batista; por isso, não podemos omitir a nossa colaboração.
Deus sempre se valeu, desde o Velho Testamento, de um “remanescente fiel”, um grupo de pessoas que, mesmo com a mudança de convicção da maioria, continuou mantendo fidelidade à proposta inicial de volta às Suas leis. Há também um remanescente fiel batista, que vamos conhecer melhor no próximo segmento.


xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

6.       O REMANESCENTE FIEL

            “Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça.” Romanos 11.5
           
O trecho a seguir foi extraído do texto “Lições da Padaria”, de David Coffey, presidente da Aliança Batista Mundial em 2009, um dos primeiros líderes batistas atuais a usar a expressão “congregação da padaria” com referência ao embrião inicial batista:

“Em Amsterdam, a recém-formada congregação da padaria criou uma comunidade cujo louvor e vida em conjunto refletiam mais verdadeiramente o modelo da igreja de crentes do Novo Testamento. Os estudos e conversas da comunidade eventualmente levavam à rejeição da prática do batismo infantil e a uma recuperação da ênfase no batismo do Novo Testamento, que é o batismo dos crentes na base do arrependimento e fé no Senhor Jesus Cristo.”

Assim, John Smyth, que era formado em teologia e havia sido ministro anglicano, batizou-se a si mesmo e aos demais ingleses, num grupo de cerca de cinquenta pessoas. Infelizmente, a “congregação da padaria” permaneceu batista durante muito pouco tempo, talvez menos de um ano após a organização. O que motivou a separação entre os seguidores de Smyth e os de Helwys?
A partir de uma carta preservada como fonte histórica, datada de 12 de março de 1609, podemos deduzir que John Smyth e seus seguidores se arrependeram de seu batismo e que Smyth “confessou seu erro” diante da congregação em janeiro ou fevereiro de 1609, segundo o historiador Scheffer; por essa razão, o grupo foi afastado da recém-criada igreja. Os anos citados por Scheffer podem levar à suposição de que a congregação na padaria tenha sido organizada em 1608, no segundo semestre, e não 1609, conforme é aceito pela maioria dos historiadores.
Dez pessoas permaneceram firmes na fé de que o que havia sido ali realizado até então era de acordo com a vontade de Deus. Thomas Helwys, John Murton, William Pygott e Thomas Seamer, além de mais seis irmãos ou irmãs (cuja identidade não é conhecida), mantiveram-se firmes no propósito que havia levado à organização inicial. Helwys opôs-se fortemente à visão de Smyth, segundo a qual não havia sido válida a organização em igreja da congregação na padaria de Jan Munter, insistindo o líder leigo, em vez disso, em que a formação de uma igreja neotestamentária dependia somente da fidelidade às instruções bíblicas. Os irmãos remanescentes decidiram não somente continuar a viver aquele projeto em Amsterdam, mas também, reunidas as condições necessárias, retornar à Inglaterra para testemunharem do evangelho segundo suas novas crenças, que não eram tão novas assim, mas tinham dezesseis séculos de história, já que eram baseadas no Novo Testamento e inspiradas na Igreja Primitiva e no evangelho apostólico.
Enquanto ainda na Holanda, Helwys resolveu dar suporte teológico à continuação do trabalho de sua congregação. “Uma Declaração de Fé do Povo Inglês que permaneceu em Amsterdam”, publicado na Holanda em 1611, tem muito conteúdo tirado dos escritos de Smyth antes da adesão aos menonitas, mas opõe-se a posturas defendidas por ele após sua decisão. Em vinte e sete artigos, o texto procura cobrir os itens essenciais da fé daquele remanescente que permaneceu fiel aos ideais batistas de congregação formada por crentes batizados após a conversão. Nele, Helwys e o grupo que o acompanhou afirmam vários princípios que, durante quatro séculos, têm continuado a caracterizar a identidade batista:
  • Membresia da igreja baseada em conversão pessoal e no batismo do crente;
  • independência de cada igreja local;
  • governo congregacional da igreja;
  • apoio a completa liberdade religiosa;
  • oficiais (pastores e diáconos) selecionados pela congregação local.
A nova igreja não tinha grandes objeções aos menonitas e os considerava como irmãos na fé. Seus membros mantiveram ainda relações próximas com eles, mesmo depois da volta à Inglaterra, mas não reconheceram que tinham errado no modo do batismo que havia sido praticado; fazer isso seria desonrar a legalidade da existência de sua igreja. Levando em conta a disciplina eclesiástica, Helwys e seus seguidores excluíram Smyth e todos os demais do rol de membros, decisão bastante difícil de ser tomada. Dois anos após o fato, Helwys lamentou o ocorrido, enaltecendo as qualidades de Smyth, mas declarando ter chegado à conclusão de que não podiam mais compactuar com suas opiniões, tendo sido levados àquela decisão extrema.
É interessante observar-se que a minoria (dez membros) excluiu do rol da igreja a maioria (cerca de quarenta pessoas), indo, porém, se reunir em outro lugar a partir daquele momento, pois a padaria havia sido cedida em um acordo entre Smyth e Munter. Como Smyth havia aderido aos menonitas, sendo Munter – seu proprietário – membro da Igreja Menonita Waterlander, o grupo que deu sequência à chamada “congregação da padaria” nos moldes batistas deixou de lá se reunir.
O que aconteceu com Thomas Helwys e seus nove acompanhantes? Após a separação de John Smyth e seu grupo, a igreja, de março de 1609 até 8 de julho de 1611 (cerca de dois anos e meio), passou a se reunir provavelmente na casa de um de seus membros. Os historiadores afirmam que o período de permanência do pequeno grupo na Holanda após a separação havida não foi muito tranquilo, com conflitos surgidos entre as convicções batistas nascentes e as proposições da Igreja Menonita.
Assim, o “remanescente fiel”, embrião batista inglês em solo holandês, foi deslocado da padaria, onde começara, para uma casa que acolheu o grupo, para manter a fé e o culto dos irmãos. Da padaria de Jan Munter para uma casa acolhedora: foi assim que começou a nossa história batista, com uma congregação ainda anônima, cuja linha doutrinária ainda viria a ser definida em muitos detalhes, mas que acreditava firmemente ser aquele o caminho traçado por Deus para a vivência do evangelho de Cristo como Igreja, buscando a volta a uma linha neotestamentária. 
A expressão “remanescente fiel” aparece na Bíblia diversas vezes (uma delas em Romanos, conforme citado no início), refletindo um pequeno grupo de pessoas que, separando-se de um todo que se corrompeu, decidiu-se a continuar firme na sua fé. Embora tendo o grupo maior excluído do meio batista continuado como cristãos, ligando-se a uma igreja menonita, o grupo inicial merece a denominação “remanescente fiel batista”, pois foi graças a esse pequeno grupo que a igreja batista passou a existir, sendo plantada e crescendo em solo inglês.  Como surgiu, afinal, a 1ª Igreja Batista Inglesa, aquela que deu origem a uma expansão que continua até hoje? Este é o assunto do próximo fascículo.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

7.      A 1ª IGREJA BATISTA INGLESA

“Assim, durante um ano inteiro Barnabé e Saulo se reuniram com a igreja e ensinaram a muitos. Em Antioquia, os discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos.” (Atos 11.26)

A perseguição religiosa desarraigou o evangelho de Jersalém, levando-o para a Judeia, Samaria e começando a chegar aos gentios, atingiu em Antioquia pessoas que o aceitaram e assimilaram tão bem, que fizeram surgir no mundo a denominação “cristãos”. Assim também, plantado inicialmente em Amsterdam, o “embrião batista” foi integralmente transplantado para as terras inglesas, surgindo em Spitalfields a primeira igreja que seria mais tarde chamada de batista.
Thomas Helwys, John Murton, William Pygott, e Thomas Seamer, além de outros seis irmãos ou irmãs, o grupo menor que se separou do grupo maior em Amsterdam, foram os iniciadores da primeira igreja batista histórica inglesa. Thomas Helwys (1550-1616), o líder, de família abastada, talvez tivesse sido aquele que havia financiado a viagem dos dissidentes para Amsterdam, tendo deixado esposa e filhos na Inglaterra. Consta que a esposa de Thomas Helwys tenha enfrentado prisão nas Ilhas Britânicas, como resultado da perseguição religiosa. Ainda na Holanda, Helwys acreditava que eles tinham o dever de retornar à Inglaterra e testemunhar da fé batista, apesar do sofrimento que isso traria. Os remanescentes do grupo inicial que procurou refúgio em Amsterdam retornaram à Inglaterra em 1611.
Thomas Helwys e os demais membros da sua congregação, na sua volta para Londres, foram residir em Spitalfields, o local de um antigo hospital nas cercanias da cidade de Londres. A área aproximada fica a leste da moderna Estação da Rua Liverpool, perto do mercado da região. Há quem aponte Pinner's Hall como local das reuniões iniciais, mas não se tem certeza a respeito do fato. Ali foi organizada a primeira igreja batista inglesa, em 1612.
O nome Spitalfields foi dado em função do hospital e de um convento, conhecidos como St. Mary's Hospital, fundados em 1197. A maior parte das construções na área ocorreram no meio do século XVII, depois do Grande Incêndio de Londres de 1666. O mercado de Spitalfields foi estabelecido nos anos de 1680. Spitalfields está hoje no coração do East End, uma área conhecida por constantes mudanças ao longo do tempo.
Tendo chegado a Spitalfields em 1611, os remanescentes batistas fundaram a primeira igreja batista inglesa histórica numa área que, cerca de cinquenta anos após, seria em parte destruída pelo grande incêndio. Quando isso ocorreu, a história mostra que a congregação batista havia mudado para outra região da cidade, tendo já frutificado, com a organização de outras congregações em Londres e arredores. Não há, portanto, no local registro da passagem batista, diferentemente do início em Amsterdam na padaria de Jan Munter. Se na Holanda foi possível a colocação de uma placa comemorativa dos 400 anos nas proximidades de onde tudo aconteceu, em Spitalfields isto seria muito mais difícil de acontecer.
Na época, Helwys escreveu “Uma Declaração de Fé do Povo Inglês”, a primeira confissão de fé batista em inglês, como resposta à “Curta Confissão” (Short Confession), escrita por John Smyth em 1610. A declaração batista continha o batismo do crente e a comunhão restrita apenas aos membros, além do sacrifício geral de Cristo e da queda da graça. Diz a Declaração que a igreja é estabelecida por confissão de fé e batismo, sendo autônoma, mas conectada com o todo; seus membros poderiam seguir as ordenanças sem pastor e não deveria a congregação ser muito grande. A autoridade e domínio da congregação se estenderiam apenas àquela congregação e seus oficiais seriam anciãos (ou pastores) e diáconos. A participação no governo do país, bem como seus juramentos, não eram proibidos aos membros da igreja.
Pouco tempo depois de escrito o livro “Uma curta declaração do Mistério da Iniquidade” (assunto do próximo fascículo), Thomas Helwys enviou cópia ao rei James I, com uma carta escrita a mão, ambas as fontes (livro e carta) preservadas pelo Museu Britânico. O período que vai de 1613 até 1616 na vida de Helwys é incerto, mas, a partir de 1614, não há mais menção do seu nome, sendo ele substituído na liderança da igreja por John Murton. O historiador B. Evans, em seu trabalho sobre os primeiros batistas ingleses, afirma a respeito de Helwys: “... sobre sua morte, não sabemos nada.”
John Murton tornou-se pastor da congregação depois da prisão de Helwys, tendo escrito o documento conhecido como “Humilde Súplica” ao rei, em 1620. Também ele enfrentou a prisão, pois declarava submeter-se ao rei em assuntos civis, mas não nos espirituais, pois o sacerdócio dos crentes lhes dá competência para resolvê-los diante de Deus. Morreu na prisão de Newgate.
Outros líderes batistas também se pronunciaram a respeito do assunto. Leonard Busher, membro leigo da congregação de Spitalsfield, escreveu em 1614 “Paz da Religião”, uma petição por liberdade de consciência, texto no qual compara a religião imposta pela força a uma violência espiritual. John Spilsbury, o primeiro pastor entre os Batistas Particulares, que ainda apareceriam, mais tarde, escreveria: “Nenhuma consciência deveria ser forçada em assuntos de religião, porque nenhum homem pode apoiar outro em suas contas com Deus”.
Os registros dão nota de que, por volta de 1624, havia em Londres cinco congregações batistas; já em 1647, o número havia crescido para 47. 
Foi a igreja liderada por Thomas Helwys, seguido de John Murton, a iniciadora da tradição batista no mundo: um embrião inglês que se formou na Holanda e, transplantado para o solo nativo de seus membros, cresceu, floresceu e deu frutos, resultando na significativa presença batista no mundo atual. Conforme se viu, os pioneiros batistas voltaram à Inglaterra ainda em um clima de opressão religiosa, de imposição do anglicanismo como religião oficial do estado. Muitos líderes batistas começaram a defender um tema que ainda era utópico, ou seja, a liberdade religiosa que devia haver no país, bem como a liberdade de consciência individual. “Uma Curta Declaração do Mistério da Iniquidade”, de 1612, escrito por Helwys, é um dos primeiros documentos batistas de fé, publicado em uma Inglaterra onde não se cogitava ainda a liberdade religiosa. O texto de Helwys será o nosso próximo assunto.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

8.      HELWYS: DECLARAÇÕES DE FÉ E DE LIBERDADE

“Com efeito, o mistério da iniquidade já opera e aguarda somente que seja afastado aquele que agora o detém.” 2 Tessalonicenses 2.7

Thomas Helwys (1550-1616) foi, sem dúvida, um dos líderes batistas mais importantes entre os pioneiros do trabalho. Fiel companheiro de John Smyth até que a “congregação da padaria” se constituísse como nosso embrião batista na Holanda, com a “crise de consciência religiosa” de Smyth e sua adesão ao menonitas juntamente com a maioria da congregação, dependeu de Helwys e de sua firme liderança diante dos demais a manutenção da fé batista incipiente, não somente na permanência por mais algum tempo em Amsterdam, mas também na volta para a Inglaterra.
Ao voltar para a Inglaterra e continuar a enfrentar as restrições e a perseguição religiosa que ainda existiam, estando o rei James I ainda no poder, Helwys sentiu que deveria publicar sua visão com relação à liberdade religiosa entre o homem e Deus. Surgiu então, em 1612, “Uma Curta Declaração do Mistério da Iniquidade” (A Short Declaration of the Mystery of Iniquity). O rei inglês tinha tido seu nome ligado à publicação da Bíblia que se tornaria a mais popular da língua inglesa por muito tempo, Bíblia essa cuja primeira edição foi lançada na mesma época do livro de Helwys – 1611/1612. James I viu sua autoridade desafiada pelas idéias do líder batista e lançou-o na prisão de Newgate.
O título de “Uma Curta declaração do Mistério da Iniquidade” foi baseado no texto de Tessalonicenses já mencionado e nele Helwys interpreta “o mistério da iniquidade” como “um poder operante de Sanatás” e, dado seu contexto histórico, ele via esse mal especialmente na pompa, no poder e na política das Igrejas Católica e Anglicana, que conspiravam com os governos para negar a liberdade de consciência. De modo geral, no entanto, o “mistério da iniquidade” é identificado como o espírito de dominação e opressão em assuntos de consciência que existia em sua terra natal.
No livro, Helwys discute o estado deplorável da vida religiosa inglesa, identifica as Igrejas Católica e da Inglaterra com a profecia da segunda besta do Apocalipse, descreve os deveres e direitos do rei com relação à religião e aponta erros, tanto nos anglicanos, quanto nos puritanos e mesmo nos separatistas. Foi o primeiro tratado escrito na Inglaterra, e um dos primeiros no mundo, a apelar por completa liberdade religiosa para todos os povos. Helwys radicalmente desafiou o papel do estado nos assuntos eclesiásticos, declarando: “Porque a religião dos homens com Deus é entre Deus e eles mesmos. O rei não deve responder por isso. Nem deve o rei ser juiz entre Deus e o homem. Sejam eles heréticos, judeus, turcos, ou o que for, não pertence ao poder terreno puni-los de forma nenhuma”.
Opondo-se frontalmente à idéia de um ser humano (no caso, o rei da Inglaterra) como cabeça da Igreja, diz Helwys:

"Pois nós livremente professamos que nosso senhor o rei não tem mais poder sobre a consciência deles do que sobre as nossas, e isto é realmente nenhum poder. Pois nosso senhor, o rei, é apenas um rei terreno e não tem autoridade como um rei, a não ser em causas terrenas. E se o povo do rei for de súditos obedientes e verdadeiros, obedecendo a todas as leis humanas feitas pelo rei, nosso senhor, o rei, não pode requerer nada mais: pois a religião com Deus é entre Deus e eles mesmos; o Rei não responderá por isso, nem pode o Rei ser juiz entre Deus e o homem. Isto se torna evidente para nosso senhor, o rei, pelas Escrituras.”
           
Posicionando-se contra a religião oficial que se mantinha na Inglaterra, disse Helwys:

“... se houver coisa tão injusta e de tão grande e cruel tirania sob o sol quanto forçar a consciência dos homens em sua religião com Deus, vendo que, se eles errarem, ele precisarão pagar o preço e suas transgressões com a perda de suas almas. Oh, que o Rei julgue, não é mais adequado que os homens mesmos escolham sua religião, vendo que somente eles precisarão estar diante do trono de julgamento de Deus para responderem por si mesmos, quando não haverá desculpas para que eles digam que foram comandados ou obrigados a serem dessa religião pelo rei ou por aqueles que tinham autoridade dada por ele?”

É bom entendermos a importância da obra de Helwys para a sua época e mesmo para hoje. Foi o primeiro documento em inglês conclamando por completa liberdade de consciência em matéria religiosa; enquanto Smyth desejava liberdade de consciência para todos os cristãos, Helwys queria isso para todo mundo, cristão, judeu, muçulmano (turco), ou herético. O texto revela as condições políticas e religiosas que existiam durante o surgimento dos batistas, nos primeiros anos do século XVII, na Inglaterra, permitindo o entendimento das diferenças entre os incipientes batistas e outros grupos separatistas diferentes ali existentes. Nele encontramos as primeiras exposições de doutrinas que os batistas abraçariam e desenvolveriam ao longo do tempo, com temas como o batismo do crente, uma forma congregacional de política eclesiástica, o direito do indivíduo de ler e interpretar as Escrituras por si mesmo, além da separação entre igreja e estado. O livro destaca a importância da figura de Helwys nos primórdios batistas, revelando seus pensamentos de forma clara. Sua linguagem pode ser por vezes aguda e ácida, mas reflete bem o temperamento combativo de seu autor.
Uma religião estatal, também chamada religião oficial, igreja estabelecida ou igreja estatal, é um corpo ou credo religioso oficialmente adotado pelo estado. A primeira igreja nacional histórica dentro do cristianismo foi a Igreja Ortodoxa Armênia, estabelecida em 301 A.D. A oficialização do cristianismo em todo o Império Romano ocorreu no final do século IV, quando o imperador Teodósio fez da crença no cristianismo uma questão de autoridade imperial”, segundo as palavras do historiador Bruce Shelley. Mesmo com o advento da Reforma, algumas denominações protestantes continuaram como religião oficial, dando sequência à tradição do catolicismo romano, como aconteceu com o Luteranismo na Alemanha e com o Anglicanismo na Inglaterra.
William R. Estep, autor do livro contemporâneo “Revolução dentro da Revolução: A Primeira Emenda em Contexto Histórico 1612-1789”, retoma o tema de Helwys sobre o voluntarismo, comentando: “Seu autor não pede ao rei, como uma criança chorosa, que conceda tolerância religiosa a uma seita desprezada e suspeita. Em vez disso, o autor adverte o rei a não pecar contra Deus ao negar aquilo que Deus havia ordenado para toda a humanidade: um relacionamento com Deus que fosse tão pessoal quanto voluntário”. A leitura do livro certamente levará o leitor mais atento a se admirar com relação ao grau de conhecimento bíblico que Thomas Helwys, um leigo batista, pôde desenvolver em sua experiência pessoal com Deus.
No próximo fascículo, conheceremos os “Batistas Gerais”, o primeiro grupo de igrejas da história, exatamente aquelas que provieram de Smyth, Helwys e tiveram continuidade com Murton.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

9.      OS “BATISTAS GERAIS”

“Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens...” Tito 2.11

A congregação de Thomas Helwys e John Murton iniciou uma linha de igrejas em solo inglês que seria mais tarde conhecida como os “Batistas Gerais”. John Murton tinha sido um comerciante de peles em Gainsborough-on-Trent, tornando-se um seguidor de John Smyth enquanto na Holanda, e retornando à Inglaterra como um componente do grupo de Helwys. No período em que o líder esteve na prisão, a congregação deve ter sofrido perseguição, tendo que passar algum tempo, talvez, na clandestinidade. Murton tornou-se o líder da igreja após a morte de Helwys (cerca do ano 1616), tendo dado continuidade às linhas básicas estabelecidas.
Por volta de 1624, parece que a congregação estava vivendo momentos difíceis. Nessa época, foi levantada por Elias Tookey e alguns membros a questão da magistratura. Pessoas que trabalhavam para o governo e eventualmente portavam armas por causa de sua função eram consideradas corruptas pelo grupo de Tookey. Havia forte influência anabatista no grupo e o assunto já havia aparecido anteriormente, sob a liderança de Helwys, que defendeu a continuidade daquele grupo de pessoas como membros na igreja. Após deliberação da assembléia, a questão da magistratura foi resolvida com a manutenção dos seus integrantes na igreja e exclusão de Elias Tookey e outras dezesseis pessoas que o seguiam.
John Murton, além das qualidades de liderança, mostrou também talento de escritor, conforme comprovam suas obras. Ele publicou em 1615 um texto chamado “Perseguição por religião julgada e condenada, em um discurso entre um anticristão e um cristão”; em 1620, outro texto sobre predestinação intitulado “Uma descrição do que Deus tem predestinado concernente ao homem”; e, em seguida, um elaborado pedido ao Rei por liberdade de religião, com o subtítulo “Uma súplica muito humilde de muitos dos leais súditos dos reis, que são perseguidos somente por diferirem em religião”. Apesar da feroz perseguição pela igreja estatal, a congregação contava com cerca de cento e cinquenta membros por volta da metade da década de 1620, ocasião na qual os dezesseis membros seguidores de Tookey foram excluídos. A igreja mantinha correspondência com os menonitas de Amsterdam, conforme atestam cartas de 1624 e 1625 preservadas nos registros. Pode ter acontecido que alguns membros da igreja de Smyth da antiga “congregação da padaria” em Amsterdam, de volta à Inglaterra, tenham se juntado às congregações batistas já existentes, mas as informações são imprecisas.
             Houve, na mesma década de 1620, uma tentativa de volta ao batismo infantil entre os batistas gerais, tentando agradar a uma parte da congregação. A maioria, no entanto, continuou firme na defesa do batismo adulto do convertido, o qual foi mantido.
As Igrejas Batistas decorrentes do trabalho inicial de Helwys e Murton passaram a ser chamadas de “Batistas Gerais”, por sua tônica fortemente anticalvinista. Pregavam uma mensagem de salvação universal arminiana ou “de livre arbítrio”, teologia desenvolvida por Jacobus Arminius (1560-1609). O arminianismo entende que o homem tem livre-arbítrio, pelo qual pode crer e aceitar a Cristo livremente, para depois ser regenerado; crê ainda que Deus escolheu aqueles que ele, pela sua presciência, viu que iriam responder com fé à dádiva do evangelho; seu ensino diz que Jesus morreu para tornar possível a salvação a todos os homens; a graça, segundo o arminianismo, pode ser resistida por aqueles que não creem; crentes nascidos de novo podem vir a cair da fé e a perder a salvação. A salvação estendida a todos os homens em geral é o item que define o nome de batistas gerais. Essas igrejas encontraram muita aceitação entre as classes mais pobres de Londres e nas áreas rurais da Inglaterra. Os Batistas Gerais aceitavam a salvação por boas obras e a separação entre igreja e estado. Incorporaram a estrutura administrativa da igreja formada de Anciãos (ou pastores) e Diáconos, como defendia inicialmente John Smyth, bem como praticavam o batismo adulto, com forte ênfase na salvação pessoal individual.
Até a década de 1640, as congregações batistas gerais se espalharam através da Inglaterra e, em 1641, uma reunião geral foi realizada em Whitechapel, Londres, na busca de uma organização geral, semelhante à atual ideia de convenção. São estimadas pelos historiadores cerca de cinquenta congregações ativas por volta de 1650; eram congregações mais abertas e menos estruturadas do que outros grupos independentes. Os batistas gerais sofreram por causa de suas características, já que seus pregadores itinerantes eram considerados criadores de confusão por muitas autoridades civis e eclesiásticas através da Inglaterra, sendo, porém, muito populares entre o povo comum.
Os batistas atuais tiveram seu início nos batistas gerais, cuja origem se liga ao embrião batista de Amsterdam, trazido de volta à Inglaterra e plantado em solo inglês, com começo em Spitalfield. A influência anabatista e de Jacob Arminius era bastante forte, tendo a congregação surgido à sombra da forte igreja menonita holandesa. Opondo-se à visão geral arminiana dos primeiros batistas, surgiram, pouco menos de 30 anos depois, os batistas particulares, assunto do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

10.      OS “BATISTAS PARTICULARES”

"Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.” Romanos 8.33

De acordo com alguns historiadores, a primeira “Igreja Batista Particular” foi fundada no final da década de 1630. Assim diz o historiador Cairns:

“O grupo mais forte de batistas calvinistas ou particulares originou-se de um cisma da congregação de Henry Jacob em Londres, entre 1633 e 1638. Eles defendiam o batismo dos crentes por imersão e uma teologia calvinista que enfatizava a expiação limitada (só para os eleitos). Foi essa congregação, primeiro dirigida por John Spilsbury, que, a partir de 1638, se tornou a mais influente do movimento batista inglês. Os antecedentes do movimento batista norte-americano podem ser encontrados nesse grupo.”

Henry Jacob (1563-1624), citado por Cairns, é um dos nomes mais importantes na história das origens do congregacionalismo inglês. Foi um dos participantes da Petição Milenar a James I, em 1603, solicitando mudanças na igreja anglicana. Clérigo ordenado e ativo no movimento de reforma puritana dentro da Igreja da Inglaterra, foi preso, exilou-se na Holanda (onde participou com John Robinson da congregação de Leyden, assunto ainda a ser abordado) e, voltando à Inglaterra, começou a pôr em prática seus conceitos de um tipo novo de política congregacional, mostrando tradições mais avançadas de separatismo ao defender que a autoridade na escolha de seu pastor era da congregação e de seus membros, não da Igreja Nacional, bem como na determinação de programas e na administração dos negócios da igreja. Em 1615, em Southwark, Jacob formou uma congregação nos moldes do Novo Testamento, apontada como a primeira Igreja Congregacional estabelecida e permanente na Inglaterra.
Desde a formação da congregação de Henry Jacob, o assunto pedobatismo era discutido nas congregações separatistas, coisa que ocasionou cisma na igreja.  Por volta de 1633, criam eles que o batismo não era administrado de forma correta quando aplicado às crianças, julgando alguns que aquele batismo deveria ser considerado inválido. Assim sendo, muitos receberam como adultos outro batismo no pastorado de John Spilsbury. Em 1639, outra congregação foi formada, a qual se reunia em Crutched Fryars. Segundo os historiadores, foi essa a primeira igreja batista particular na Inglaterra.
O calvinismo, movimento que influenciou os batistas particulares, havia dado origem à igreja presbiteriana a partir de 1572. Calvino entendia que o homem é absolutamente incapaz de ir a Cristo por si só, pois está morto espiritualmente e precisa (antes de qualquer ação de sua parte) ser vivificado em seu espírito e renovado em sua vontade; cria ainda que Deus escolheu, de forma soberana e graciosa, aqueles a quem iria salvar, sem que nada neles os habilitasse a isso; afirmava ele que Jesus Cristo morreu para tornar certa a salvação daqueles que Deus havia escolhido na eternidade, os eleitos, chamados de forma eficaz, de modo que todos sejam salvos. Finalmente, creem os calvinistas que todos os que foram verdadeiramente regenerados irão perseverar em sua vida de fé, sem perda da salvação.
Numa tentativa de melhor definir as idéias de Calvino, comparadas com as de Armínio vistas no fascículo anterior, veja-se o esquema a seguir: 

Arminianismo - BATISTAS GERAIS
 Livre arbítrio
Eleição condicional  
Expiação Ilimitada
Graça resistível 
 Perda da salvação

Calvinismo - BATISTAS PARTICULARES
Total depravação                 
Eleição incondicional         
Limitada expiação                 
Irresistível graça                 
Perseverança dos santos  
 
Devido à influência calvinista, os batistas particulares rejeitavam de início qualquer relacionamento com John Smyth ou os primitivos batistas gerais. Por volta de 1643, aconteceu a assinatura da Confissão de Fé Comum, com sete congregações batistas particulares participantes. A Primeira Confissão de Fé de Londres (1644) tornou-se posteriormente a declaração religiosa para os Batistas Particulares londrinos, documento esse que se antecipou à Confissão de Fé de Westminster de 1646. Apesar de não esgotar o assunto, a confissão foi um forte argumento que ajudou a unir os primitivos batistas particulares. Uma segunda confissão foi desenvolvida em 1677, refletindo a Confissão de Westminster (1647) e a Declaração de Savoy (1658), confissões de fé essas que lidavam com assuntos como que tipo de poder as associações representativas nas igrejas tinham sobre as igrejas locais, bem como estabeleciam uma posição sobre o batismo de crentes, ao invés de manter o batismo infantil.
Apesar de a história batista ter seu início com o movimento dos batistas gerais, é, na verdade, aos batistas particulares que a maioria dos batistas modernos deve a maior parte de suas doutrinas e práticas. Como a história afirma, os batistas gerais sempre representaram uma pequena parte da vida batista na Inglaterra, e uma parte menor ainda na América. Por volta de 1644, os batistas particulares contavam, como já se viu, pelo menos com sete igrejas. O movimento batista continuou a crescer e, em 1660, havia 300 igrejas na Inglaterra, considerando-se os gerais e os particulares.
Não há, portanto, uma ligação direta inicial entre os batistas gerais e os particulares, tendo cada grupo tido sua origem a partir do separatismo puritano da igreja anglicana. Embora com origens separadas, cada grupo contribuiu para uma continuação da história batista na Inglaterra, bem como na vinda dos batistas para o Novo Mundo.
Apesar de existirem ainda hoje alguns grupos que neguem sua ligação ao grupo inicial de Smyth, o fato é que a história acabou por juntar, de certa forma, as igrejas oriundas do início geral de Smyth com aquelas congregações particulares que se iniciaram com Spilsbury. Nenhuma dos grupos, porém, levava naquele início o nome de “batista”, que acabou por dar nome às igrejas mais tarde. Aliás, o nome “batista” está relacionado com a introdução da imersão como forma de batismo na história dos batistas, como veremos no próximo capítulo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

11.      IMERSÃO E O NOME DE “BATISTAS”

“... fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova.” (Romanos 6:3-4)
           
O batismo, ao longo da história do cristianismo, tem passado por muitas visões e práticas diferentes, seja com relação à sua forma, seja com referência ao seu significado.
A forma de batismo por imersão foi usada no começo pela igreja primitiva, já que o sentido da palavra no grego leva a essa compreensão, e foi mantida pela igreja católica romana, em algumas regiões, pelo menos até o século XIII, apesar de tantas heresias introduzidas. A igreja católica ortodoxa ainda o utiliza até os dias de hoje. As formas de batismo por aspersão ou por ablução foram aos poucos sendo introduzidas em algumas regiões, principalmente por causa da temperatura da água nas regiões de clima mais frio, além do atendimento a pessoas que, por deficiência ou debilidade física, não podiam ser batizadas por imersão. De formas de exceção, elas passaram a regra geral com o correr do tempo. Quanto ao significado do batismo, a heresia começou mais cedo, com a mudança de ato simbólico para sacramento e, consequentemente, com a introdução do batismo infantil, lentamente, já a partir dos primeiros séculos do cristianismo. Tal situação continuou até a Reforma Protestante e mesmo depois, tendo sido o batismo infantil e a aspersão mantidos por muitos grupos protestantes.
Partindo-se do separatismo da igreja anglicana, sabe-se que, em 1610, Henry Jacob mencionou a imersão, considerando-a o modo bíblico adequado do batismo, mas não restaurou sua prática. Em 1614, Leonard Busher defendeu-a em Religion’s Peace, dizendo que Cristo “havia mandado ser batizado na água, ou seja, mergulhando para a morte na água”. Nos anos de 1630, Mark Luker, da igreja de Eaton, também defendeu a imersão.
O batismo é realmente a marca inicial batista, mas, como já se viu, a preocupação inicial de Smyth e seus seguidores não foi quanto à forma da ordenança, mas quanto ao seu significado. Em uma época na qual o pedobatismo era a prática cristã comum, a “congregação da padaria” na Holanda passou a entender que, na igreja primitiva, a igreja local era formada por pessoas convertidas e batizadas. A forma de batismo na época foi, segundo se crê, a aspersão, mantida por Helwys inicialmente na Inglaterra entre os batistas gerais.
A forma do batismo por imersão surgiu com os batistas particulares. O Manuscrito de Kiffin (William Kiffin, 1616-1701), documento escrito por um dos primitivos batistas particulares, afirma que, durante os anos de 1640, Robert Blount, um membro de fala holandesa da congregação de Jessey, de Londres, foi enviado à Holanda para se informar sobre a maneira apropriada de batismo, tendo entrado em contato com os Rhynsburgers, ou Collegiants, uma seita liberal de origem menonita baseada nos arredores de Rinjsberg; eles praticavam o “batismo do crente por imersão”. Segundo o documento, em janeiro de 1642, Blount foi devidamente batizado e, retornando à Inglaterra, batizou outro, chamado Samuel Blacklock. Esses dois batistas, então, batizaram os outros 53 membros da congregação. Nem todos os integrantes da igreja de Jessey concordaram com a necessidade do rebatismo por imersão. Alguns questionaram a consulta aos anabatistas e outros expressaram dúvidas sobre sucessionismo, teoria que defende a origem dos batistas nos dias que antecedem o período apostólico, conhecida também como JJJ (Jerusalém, Jordão João), assunto que ainda será estudado. Embora a autenticidade do Manuscrito de Kiffin seja contestada por alguns historiadores, ele se constitui num dos únicos documentos existentes sobre aquele evento da história batista.
No início, muitas pessoas costumavam assistir aos cultos batistas movidas pela curiosidade, para testemunharem a um batismo por imersão, alguns até ridicularizando o ato. O apelido “batista” foi então dado para descrever as pessoas que praticavam essa “estranha” forma de batismo, nome que acabou prevalecendo. A Primeira Confissão Londrina dos Batistas Particulares, de 1644, diz a respeito do batismo o seguinte: “O modo e maneira de dispensação desta ordenança é, segundo as Escrituras, mergulhando ou imergindo todo o corpo na água”.
A primeira referência conhecida quanto ao nome das igrejas como “Batistas” na Inglaterra data de 1644, denominação inicialmente rejeitada por eles, que usavam outros nomes, como “Irmãos”, ou “Irmãos do Caminho Batizado”, sendo as congregações chamadas de “Igrejas Batizadas”. Oponentes iniciais dos batistas frequentemente os chamavam de anabatistas ou outros nomes menos apropriados, o que era também por eles rejeitado. Na confissão de fé de Londres de 1644, por exemplo, o grupo de igrejas que a assinam se identifica como “os cristãos comumente (embora falsamente) chamados Anabatistas”. O nome “batistas”, assim como acontecera anteriormente com o nome “puritanos”, dado por pessoas exteriores ao movimento com propósitos pejorativos, acabou prevalecendo.
Historicamente falando, o modo batista de ser igreja não nasceu pronto, acabado, mas suas doutrinas e práticas foram sendo incorporadas como conquistas ao longo do tempo, muitas vezes de forma difícil, no enfrentamento de oposições e perseguições. É preciso conhecer nossa história, para valorizarmos nossas conquistas e lutarmos pela preservação da fé cristã como vivida pelos batistas.
A música era outra prática que não fazia parte do culto batista no início, mas houve um pioneiro e um momento em que o louvor musical foi introduzido no culto; é o assunto do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

12.      A MÚSICA E O CULTO BATISTA PRIMITIVO

E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras.” Mateus 26.30.

O texto que inicia este estudo se refere a Jesus e seus apóstolos. O livro de Atos não entra em detalhes sobre a ordem de cultos da igreja primitiva ou se a música era utilizada.  E quanto aos batistas, como era o seu culto a Deus, quando a igreja iniciou suas atividades neste mundo, 400 anos atrás?
No princípio, os cultos batistas eram bastante longos, às vezes com vários sermões, e nos dias iniciais não havia música ou canto. O registro mais antigo de um culto batista que se conhece é de 1609, do grupo ainda em Amsterdam, em uma carta de Hughe e Anne Bromhead, que, relatando uma “ordem de culto” inicial, assim dizia:

“A ordem do culto e direção de nossa igreja é: Primeiro, nós começamos com uma oração, depois a leitura de um ou dois capítulos da Bíblia que deem sentido à reunião e a direcionem; isso feito, nós deixamos nossos livros de lado e, após uma oração solene feita pelo 1º orador, ele propõe algum texto próprio da Escritura e profetiza sobre o mesmo, pelo espaço de uma hora, ou três quartos de uma hora.” (tradução livre do autor dos fascículos, partindo do original inglês do século XVII).

A carta de Bromhead conclui dizendo que “este exercício da manhã começa às oito horas e continua até doze horas; o mesmo curso de exercício é observado à tarde, das 2 até 5 ou 6 horas”. O casal mencionado, Hughe e Anne Bromhead, fez parte dos membros fundadores da “congregação da padaria” no fascículo 5 e, na separação havida, ficaram ambos com Smyth e os menonitas. Segue, como curiosidade histórica, o texto em inglês antigo, linguagem característica da época, contemporânea ao inglês da versão “King James” da Bíblia:

“The order of the worshippe and government of oure church is . 1. we begynne wth a prayer, after reade some one or tow chapters of the Bible gyve the sence thereof, and conferr vpon the same, that done we lay aside oure bookes, and after a solemne prayer made by the 1. speaker, he propoundeth some text owt of the Scripture, and prophecieth owt of the same, by the space of one hower, or thre Quarters of an hower. This Morning exercise begynes at eight of the clocke and continueth vnto twelve of the clocke the like course of exercise is observed in the afternowne from .2. of the clock vnto 5. or 6. of the Clocke."

Sobre a música no culto, o reformador Lutero disse: “Próximo à Palavra de Deus, a música merece o mais alto louvor. O dom da língua combinado com o dom do canto foi dado ao homem para que ele pudesse proclamar a Palavra de Deus através da música”. Não foi essa, porém, a compreensão dos batistas no início de suas atividades como igreja. A música não estava presente nos primeiros e longos cultos batistas, que tinham sua ênfase na leitura e exposição bíblica e na oração, conforme já focalizado. Parece que havia nos pioneiros da obra um desejo de cultuar a Deus de forma a afastar-se das práticas heréticas, numa busca do cristianismo neotestamentário. Como a música já estava incorporada às igrejas cristãs em geral, tanto católica quanto anglicana, os primeiros batistas não a utilizaram de início.
Diz Bill Prater, em seu texto “História da Música na Igreja Batista”: “ ... há uma história chamada ‘Cantar ou não cantar’. É sobre um homem com o nome de Benjamin Keach que, com a idade de 28 anos, tornou-se pastor da Igreja Batista em Horsleydown, Londres”. Keach também viera da Igreja Anglicana, tendo sido batizado quando criança, mas, com a idade de 15 anos, ele se juntou aos Batistas Gerais e, com 18 começou a pregar. Mais tarde, uniu-se aos Batistas Particulares. Diz a história ter sido ele preso várias vezes, por pregar o batismo do crente.
Salientando em Benjamin Keach seu relacionamento difícil como ser humano, diz o autor citado que, entre as polêmicas nas quais o pastor esteve envolvido, uma delas foi a questão de haver ou não haver cântico congregacional em cultos públicos, a chamada “Controvérsia do Cântico”. Acredita-se que a igreja de Keach foi provavelmente a primeira entre os batistas a introduzir o cântico congregacional, usado inicialmente apenas após a Ceia do Senhor. Cerca de vinte anos depois, após muito conflito, a congregação já cantava todos os domingos, mas somente após o sermão e as orações. O autor ressalta que os dissidentes saíam do prédio da igreja, permanecendo no pátio de entrada porque “eles não podiam conscientemente permanecer e ouvir o cântico”. Esses dissidentes eventualmente se desligaram da igreja e formaram outras unidades, situação que se repetiu no ambiente das igrejas batistas inglesas durante algum tempo.
Em 1691, Benjamin Keach publicou um hinário intitulado “Melodia Espiritual” (Spiritual Melody), contendo cerca de trezentos hinos sacros. O problema nos dias de Keach parecia ser a dúvida se era carnal ou espiritual a introdução da música no culto, além do uso de um hinário, um livro que não era a Bíblia. Durante a “Controvérsia do Cântico”, vários argumentos foram levantados contra a novidade; entre eles podemos destacar:
  • Não ser ordenado pela Bíblia que devesse acontecer.
  • Nada indicar que a igreja primitiva cantasse.
  • O cântico levar a um formalismo, já que era encarado como uma oração escrita.
  • O cântico congregacional comprometer a pureza da igreja, já que dele participavam salvos e não-salvos.
Hoje, entre os batistas do século XXI, a controvérsia do cântico permanece, não mais se questionando ser ou não bíblico o uso da música no culto, mas que tipo de melodia, de ritmo e que instrumentos podem ser usados no acompanhamento do cântico, tanto congregacional, quanto coral, ou de outros grupos.
Sendo a sua forma de governo congregacional, os batistas não possuem um governo central ou um líder maior, sendo cada congregação autônoma nas suas decisões. Não houve, por exemplo, interferência de um organismo central para definir a “controvérsia do cântico”. No entanto, existem convenções, associações e outros tipos de agrupamentos que procuram organizar a cooperação entres as igrejas. Quando foi que isto começou? Este é o assunto do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

13.  A ASSOCIAÇÃO BATISTA

“... pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além dessas coisas essenciais: que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Saúde.” (Atos 15.28-29)

Tal como no passado, quando a Igreja Primitiva se reuniu em Jerusalém para debater problemas surgidos com o crescimento do evangelho entre os gentios, conforme se lê em Atos 15, quando orientações gerais foram divulgadas entre as igrejas para uniformidade de atitudes sem interferência nas congregações locais, também os batistas têm mantido trabalhos associacionais ao longo dos quatro séculos de existência, começando na Inglaterra. Colaboração e espaço para discussão de ideias visando a uma maior uniformidade sempre foram ações aceitas no meio batista, respeitando-se sempre a autonomia da igreja local. “Unidade na diversidade” parece ser um rumo sempre buscado ao longo da história batista, embora de difícil manutenção.
Historicamente, a organização da denominação batista partiu da noção do que seria uma igreja local, dando-lhe uma autonomia e liberdade de gestão que geralmente não se encontram na maioria das denominações e grupos cristãos. Não aceitam os batistas um governo central, que interfira nas decisões locais das igrejas, que são autônomas. No entanto, a estrutura batista de associações para organização e cooperação das igrejas existe desde as origens batistas do século XVII, tendo sido desenvolvida gradualmente com a passagem do tempo, com o nome de convenção, associação, união ou qualquer outro, permanecendo este fato como uma parte vital da estrutura denominacional até hoje.
Entre 1624 e 1630, várias igrejas batistas gerais em Londres atuaram juntas na discussão de doutrinas e na correspondência com outros crentes. Cada ramo dos batistas ingleses chamava sua organização nacional de Assembléia Geral. Composta de representantes das várias igrejas e associações, essas Assembléias Gerais geralmente se reuniam em Londres. Os batistas gerais foram os primeiros no desenvolvimento dessa organização nacional, em meados do século XVII, fato que corresponderia hoje a uma convenção nacional. Os batistas gerais, de início, consideravam uma reunião da Assembléia Geral como se fosse uma reunião da “Igreja Batista Geral”, com plena autoridade para agir com ações eclesiásticas, mas os particulares nunca permitiram a uma associação ou a sua Assembléia Geral se tornar “a Igreja” ou a promover ações eclesiásticas, procurando proteger a liberdade da igreja local e impedir a denominação de interferir em seus negócios.
Os registros históricos da Inglaterra mostram que a União Batista (Baptist Union), nome dado hoje à convenção que reúne as igrejas batistas na Grã Bretanha, foi formada em 1832, mas somente em 1891 a organização conseguiu agregar Batistas Gerais e Batistas Particulares. A União tem treze associações regionais distribuídas no país, cada qual com administração local e suporte ministerial para as igrejas, procurando atender as suas necessidades. As lideranças regionais se reúnem durante o ano, buscando ajudar transições pastorais nas igrejas e acompanhamento dos formandos nos seminários teológicos.
Dentro do assunto “História Batista”, o site oficial da União informa que “o moderno movimento batista nasceu no século XVI e é hoje uma denominação ao redor do mundo, com milhões de crentes adorando em congregações batistas”. Destaca ainda o endereço virtual várias datas históricas em ordem cronológica, entre as quais temos: 
  • 1612 – A primeira igreja batista em Spitalfields, Londres
  • 1689 – Ato de Tolerância do governo inglês, permitindo liberdade de culto
  • 1792 – Fundação da Sociedade Missionária Batista por William Carey, hoje conhecida como BMS World Mission (assunto a ser ainda abordado)
  • 1812 – Encontro de um grupo batista na residência do Dr. Rippon, em Londres, para discutir a formação de uma União Batista
  • 1813 – Realização da 1ª Assembléia Batista em Londres
  • 1832 – União Batista definitivamente estabelecida
  • 1837 – Reverendo George Cousens, o primeiro ministro batista indiano registrado, assumindo um pastorado na Bretanha, tornando-se pastor da Igreja Batista Quatro Caminhos (Four Ways Baptist Church), em Cradley Heath, Staffordshire
  • 1854 – Começo do ministério de Spurgeon, um dos mais famosos pregadores batistas
  • 1855 – Aparecimento, pela primeira vez, da publicação “O Homem Livre” (The Freeman), hoje chamado de “Os Tempos Batistas”
  • 1891 – União de Batistas Gerais e Particulares, formando a atual União Batista da Grã Bretanha
  • 1905 – Formação da Aliança Batista Mundial e realização de seu primeiro congresso em Londres (assunto que será tema de fascículo no final da série).
Até aqui, partindo da igreja de Atos dos Apóstolos, acompanhamos a origem histórica dos batistas na Inglaterra. A partir da abertura de oportunidade para a colonização do Novo Mundo, surgiu entre os dissidentes da Igreja Anglicana, inclusive os batistas, um anseio de liberdade e de conquista de novos espaços e opções para a vida, tanto material como eclesiástica. Começando com o Mayflower, milhares de colonos vieram para a América, na implantação dos atuais Estados Unidos. A partir do próximo fascículo, começaremos a acompanhar as origens batistas nos Estados Unidos da América, pois foi através deles que a igreja chegou até nós, no Brasil.Será que havia algum relacionamento entre os peregrinos do Mayflower e os batistas? É o assunto do próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

 BATISTAS  NOS ESTADOS UNIDOS


  14.      OS BATISTAS  E O “MAYFLOWER”


Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo.” (João 18.36b)

Os puritanos alimentaram, durante algum tempo, a esperança de verem concretizadas na Igreja da Inglaterra as reformas que o grupo de exilados viu acontecendo no continente europeu, como reflexo da obra de Lutero e Calvino. Ansiavam pelo dia em que todos os “trapos do papismo” teriam sido extirpados da igreja oficial de seu país. Por isso, permaneceram aguardando e trabalhando pelas reformas. No entanto, tanto Elizabeth I quanto James I estavam mais preocupados em governar e administrar tudo politicamente, contrariando o ideal puritano de reformas mais profundas.
Em abril de 1603, o rei James I recebeu a "Petição Milenária", na qual os puritanos faziam pedidos de mudança, o que provocou a convocação de uma conferência em Hampton Court entre bispos e puritanos, acontecida em janeiro de 1604, com a presença do rei. No encontro, nenhuma das mudanças foi atendida, exceto a permissão para elaboração e impressão de uma nova tradução da Bíblia para a língua inglesa, a versão King James. A partir daí, o Separatismo aumentou e John Smyth, ex-clérigo da igreja estabelecida, tornou-se pastor de uma congregação em Gainsborough. Outras congregações foram formadas, uma delas na casa de William Brewster, em Scrooby, dirigida por John Robinson.
Sentindo o peso da perseguição, os membros das duas congregações, a de Gainsborough, e a de Scrooby, seguiram o mesmo caminho para a Holanda, a partir de 1607. William Bradford, então com 12 anos de idade, tornou-se um ativo membro da congregação de Scrooby, ele que, mais tarde, seria o primeiro governador da colônia de Plymouth, na Nova Inglaterra. Na Holanda, embora os grupos ainda mantivessem correspondência, a congregação de Smyth e Helwys fixou-se em Amsterdam, enquanto o de Brewster e Robinson passou a residir em Leyden.
Dois grupos de puritanos separatistas diferentes, comungando inicialmente dos mesmos ideais de reforma da igreja, buscando uma aproximação do modelo do Novo Testamento, refugiados no mesmo país, mas sediados em cidades diferentes, viveram histórias com finais diferentes. O grupo de Smyth em Amsterdam partiu para a criação da Congregação da Padaria, que deu origem aos batistas, como já se viu.
O grupo de Robinson em Leyden parecia estar mais preocupado com o destino da nova geração, para quem seus integrantes viam dificuldades, tanto na vida em um país estrangeiro, com costumes diferentes, quanto na volta eventual à Inglaterra, onde não havia perspectiva de mudança no panorama político-religioso. Na Holanda, cultura e língua eram estranhas e difíceis para a congregação inglesa, além de costumes morais considerados muito libertinos, influenciando seus filhos que, pouco a pouco, se tornavam mais holandeses, levando a congregação a temer que ela viesse a ser extinta como cultura inglesa se ali permanecesse. Por volta de 1617, Bradford relatou em texto o desencorajamento que a dura vida holandesa estava provocando em parte da congregação, além da esperança de se encontrar lugar melhor e mais fácil para viver, bem como o nascente desejo de propagar o evangelho do Reino de Deus nas distantes terras da América. Com parte do grupo em dificuldades financeiras e sem grandes oportunidades de ganharem seu sustento, tendo mesmo alguns retornado para a Inglaterra, a época de decisão parecia ter chegado. Havia, com certeza, medo do desconhecido, alimentado por notícias de investidas coloniais que não deram certo, de nativos violentos, de inúmeras dificuldades com relação à travessia por mar, doenças não conhecidas, mas o ideal de uma Nova Inglaterra já povoava suas mentes. Virginia era um destino possível, embora representasse uma colônia que reproduzia as condições religiosas da Inglaterra, com a igreja anglicana estabelecida. Negociações para um estabelecimento próximo à área, mas com independência nas decisões, foram concluídas em 1619, no nome de John Wincob, com a condição imposta pelo rei de que não se reconhecesse oficialmente o grupo religioso de Leyden, por serem dissidentes. Em 1620, o Conselho de Plymouth recebeu o documento de concessão real de um território ao norte da colônia de Virginia, já existente na época, mas independente dela em seu governo.   
Como nem todos os membros do grupo pudessem viajar no mesmo ano com o primeiro grupo, foi decidido que apenas os mais jovens e fortes partiriam na primeira expedição, ficando os remanescentes para uma segunda viagem quando fosse possível. Robinson deveria permanecer em Leyden com o grupo maior da congregação e Brewster lideraria a congregação americana, havendo o entendimento de que ambas as congregações mantivessem inicialmente um rol de membros único e uniforme.
Finalmente, em agosto de 1620, o Mayflower partiu com pouco mais de cem passageiros, boa parte dos quais vieram de Leyden, sendo 28 adultos membros da congregação. Após alguns meses, em dezembro do mesmo ano, com muitos incidentes de viagem, morte de um dos tripulantes e nascimento de uma criança, cuja mãe estava grávida ao embarcar, a viagem chegou ao fim e a colonização da Nova Inglaterra começou. O nome dado à criança nascida durante a travessia foi "Oceanus".
Por isso, enquanto os ingleses reunidos na padaria de Amsterdam deram origem a uma nova concepção de igreja que se tornaria em uma denominação das mais importantes no Novo Mundo, os compatriotas de Leyden começaram aos poucos a colaborar com o início da colonização norte-americana, na perspectiva de tentarem vida nova num mundo novo.
1612 é o ano aceito pela história como o da fundação da primeira igreja batista histórica inglesa, aquela que teria continuidade, se firmaria e daria frutos. Smyth havia iniciado sua concepção, Helwys dera continuidade e Murton o substituiria após sua prisão e afastamento da liderança do trabalho, conforme já se viu.
1620 foi o ano no qual o navio Mayflower trouxe da Inglaterra para a Nova Inglaterra os “Pais Peregrinos”, com passagem pela Holanda, onde a idéia inicial havia recebido adesão: um grupo de puritanos separatistas ingleses, que buscava novos ares e liberdade para viver e cultuar a Deus da forma como imaginavam ser ideal. Não deviam ser batistas os Pais Peregrinos ao chegarem a Plymouth, mas, tendo conhecido os pioneiros batistas na Holanda, certamente conviveriam com inúmeros outros batistas em anos posteriores, após o estabelecimento inicial da colônia, já que muitos dentre os batistas também acabariam por optar mais tarde pelos novos ares e pela liberdade no Novo Mundo. Afinal, entendiam todos que a Igreja deixada por Cristo estava retratada no Novo Testamento e de lá buscavam a inspiração para sua religião com Deus.
Seria muito difícil entender-se a colonização norte-americana, bem como a expansão da história batista pelo continente, sem o conhecimento dos “puritanos da Nova Inglaterra”. Isto será o assunto do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

15.      PURITANOS NA NOVA INGLATERRA 

“Farei uma aliança entre mim e ti e te multiplicarei extraordinariamente.” Gênesis 17.2

As condições político-religiosas na Inglaterra, cuja reforma da igreja se iniciou a partir de Henrique VIII, passando pelos Tudors, precisava ser redirecionada pelos Stuarts. Quando James I assumiu em 1603, iniciando a nova dinastia, sentiram as lideranças religiosas dos puritanos separatistas que a igreja estatal permaneceria e a intolerância e perseguição religiosas continuariam com a nova dinastia no poder. Fuga para o continente europeu, volta para as Ilhas Britânicas e enfrentamento dos problemas foram soluções adotadas por muitos grupos, como os batistas. No entanto, houve aqueles que vislumbraram uma outra saída: a do Novo Mundo, atravessando o Atlântico e iniciando nova vida, com novos propósitos, numa “Nova Inglaterra”. Aventureiros, religiosos de várias origens, mas principalmente os puritanos viram aí uma grande oportunidade.
Os puritanos começaram a se estabelecer na América a partir da colônia de Plymouth, Massachusetts, tendo os pioneiros vindo no navio Mayflower; uma parte era formada de puritanos-separatistas remanescentes dos refugiados de Leyden, conforme se viu. A visão do puritanismo inicial pode ser resumida nos seguintes itens: a. a salvação pessoal vem diretamente de Deus; b. a Bíblia contém o guia indispensável para a vida; c. a igreja deve refletir o ensino expresso na Escritura; d.  a sociedade é um todo unificado; e.  o processo da conversão deve ser enfatizado;  f. a “aliança” com Deus precisa ser concretizada.
Por “aliança”, entendiam eles que Deus havia transferido as bênçãos, que tinham sido atribuídas ao povo de Israel no Velho Testamento, ao “novo Israel”, ou seja, ao povo inglês e, com a abertura de oportunidade no Novo Mundo, mais especificamente aos puritanos da América. Os puritanos que vieram para o Novo Mundo expandiram a idéia da aliança, que, aliada ao ideal da sociedade como um todo unificado, levou-os à organização das igrejas e das “comunidades santas”, das quais as de Massachusetts e Connecticut foram grandes exemplos.
Nessas comunidades, o ministro religioso e o magistrado civil eram os homens mais importantes da colônia e ninguém tinha o direito ao voto nas decisões se não fosse membro da igreja local. A reprovação da igreja era considerada a penalidade mais séria que poderia recair sobre alguém que errasse. Os sermões eram de duas, três e às vezes quatro horas de duração, e a função dos oficiais da igreja era, entre outras, observar a ocorrência de sonolência, acordando os que dormiam, às vezes de modo rude.
Sobre a vida da família puritana, escreveu William Gouge:

“… uma família é uma pequena igreja e uma pequena comunidade, no mínimo uma representação viva delas, vivenciando o ambiente como lugar de autoridade ou de sujeição, tal como na igreja ou na comunidade. Ou melhor, é uma escola onde os primeiros princípios e bases de governo e sujeição são aprendidos: onde as pessoas são treinadas para assuntos maiores na Igreja ou na comunidade”.

Portanto, a ordem na família estruturava fundamentalmente a crença puritana. A essência da ordem social se baseava na autoridade do marido sobre a esposa, dos pais sobe os filhos e dos mestres sobre os servos. Disse o puritano Richard Greenham: “Pais e mães têm ‘filhos desordeiros e desobedientes’ porque eles têm sido filhos desobedientes ao Senhor e foram desordeiros aos seus pais quando eram jovens”. Como o dever de cuidados iniciais com a criança recaía exclusivamente sobre as mulheres, para a comunidade, a salvação eterna da alma de uma mulher dependia necessariamente do observável bom comportamento de seus filhos.
Diferentemente de outras colônias, os puritanos normalmente migraram para a Nova Inglaterra como uma unidade familiar. Homens puritanos da geração da Grande Migração (1630-1640) criam que uma boa esposa puritana não permanecia na Bretanha, mas acompanhava e encorajava seu marido em seu grande serviço a Deus. John Winthrop em 1630 disse que a sociedade que eles formariam na Nova Inglaterra seria “como uma cidade sobre uma colina” e que eles precisavam se tornar uma comunidade pura de cristãos que estabeleceria um exemplo para o resto do mundo. Para atingir esse objetivo, os líderes da colônia educariam todos os puritanos.
Pela primeira vez, talvez, na história da humanidade, foi oferecida escola livre a todas as crianças. Os puritanos criaram a primeira unidade escolar formal em 1635, chamada Escola de Latim Roxbury. Em 1636, o primeiro College Americano foi estabelecido: Harvard em Cambridge, hoje Universidade. Crianças de 6 a 8 anos frequentavam a “escola maternal”, onde a professora, geralmente uma viúva, ensinava leitura. Diferentes formas de escolarização eram oferecidas para meninos já letrados em inglês e preparados para dominar gramática preparatória de latim, hebraico e grego. Para as meninas, escolas de leitura seriam as únicas fontes de conhecimento. Na verdade, o sexo determinava as práticas educacionais: as mulheres iniciavam todas as crianças na leitura, posteriormente os homens ensinavam os meninos em conhecimentos mais elevados. Já que as meninas não poderiam desempenhar nenhum papel futuro no ministério, e desde que as escolas de gramática eram destinadas a “instruir a juventude até que pudessem estar prontos para a universidade”, as escolas de gramática latina não aceitavam garotas, incluindo Harvard. A motivação para educar era a necessidade de leitura das Escrituras. Um bom dever puritano era o de pesquisar pessoalmente a verdade bíblica.
Por volta dos anos 1670, quase todas as colônias da Nova Inglaterra haviam criado legislação que tornava obrigatória a educação infantil. Em 1647, Massachusetts criou uma lei que exigia das cidades a contratação de um professor para ensinar a escrever. Motivos sociais para a instrução obrigatória de leitura partiram da concepção de que crianças que não fossem ensinadas a ler seriam “bárbaras”, sendo o analfabetismo considerado um “barbarismo”.
Qualquer desvio do modo de vida normal dos puritanos provocava estrita desaprovação e disciplina, bem como qualquer infração religiosa era considerada uma infração social. Palavras como enxofre e fogo do inferno fluíam da boca de ministros eloquentes quando eles alertavam sobre o poder de persuasão do diabo. A leitura da Bíblia era necessária para se viver uma vida piedosa e a educação da próxima geração visava a melhor “purificar” a igreja e aperfeiçoar a vivência social.
 Os chamados “Pais Peregrinos” fundaram uma colônia inicial em 1620. Em 1630, chegou uma nova leva de colonos, que fundou as cidades de Boston, Cambridge, Lynn e outras. Até 1640, 20.000 pessoas haviam se estabelecido em Massachusetts, vindas da Inglaterra. Esse foi o ambiente encontrado por Roger Williams, John Clarke e os pioneiros do trabalho batista no Novo Mundo. O início da saga de Roger Williams será o assunto do próximo fascículo. 

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

16.      ROGER WILLIAMS E A 1ª IGREJA  BATISTA DE PROVIDENCE

“… sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.” Atos 1.8b

            Onde ficavam os “confins da terra” mencionados por Jesus antes de voltar aos céus? Com certeza, a América estava incluída neste conceito, pois não era nem conhecida nos tempos do Império Romano. No início do século XVII, a profecia de Cristo, de certa forma, se concretizou, surgindo assim a primeira igreja batista norte-americana.

“A Primeira Igreja Batista na América tem estado presente em College Hill, centro de Providence, desde 1638, compartilhando as boas novas com entusiasmo, centralizada em Cristo, na pregação bíblica, e ministérios de cuidado dinâmico, defendendo o relacionamento separado e complementar entre igreja e estado e a vitalidade do louvor tradicional. O que Roger Williams estabeleceu ainda vale a pena ser mantido.” 75 North Main Street – Providence, Rhode Island – USA

Este texto foi extraído do site da 1ª Igreja Batista de Providence, no Estado de Rhode Island, nos Estados Unidos, considerada por muitos historiadores como a primeira igreja batista na América. “O que Roger Williams estabeleceu ainda vale a pena ser mantido”, afirma o texto, ligando sua origem diretamente ao pioneiro batista.
Quem foi Roger Williams? Nascido em lar anglicano em Londres, por volta de 1603, Williams teve, aos 12 anos, uma experiência de conversão. Estudou em Charterhouse e no Pembroke College, Cambridge. Parecia ter o dom para aprendizagem de línguas, tendo estudado latim, hebraico, grego, holandês e francês. Chegou inclusive a dar aulas particulares de holandês ao grande poeta inglês John Milton, seu contemporâneo, recebendo em troca aulas de hebraico. Embora ordenado no ministério da Igreja da Inglaterra, Williams havia se tornado puritano em Cambridge, não buscando seguir sua carreira como ministro anglicano. No dia 15 de dezembro de 1629, casou-se com Mary Barnard (1609-1676), ainda na Inglaterra, tendo tido o casal seis filhos, com os nomes de Mary, Freeborn, Providence, Mercy, Daniel e Joseph, todos nascidos na América.
Fugindo da perseguição religiosa promovida pelo bispo anglicano William Laud, o casal chegou a Boston em 1631, onde Williams contrariou a igreja anglicana local, ao declinar o convite para assumir cargo como ministro da igreja e professor assistente, com base em seus princípios de restrição às ideias de igreja oficial, além da defesa da liberdade religiosa e da separação entre igreja e estado. Williams argumentava que Deus não havia dado uma aprovação divina à colônia puritana. Na sua visão, as autoridades civis de Massachusetts não tinham poder para se envolverem em assuntos de fé. A verdadeira igreja, de acordo com Williams, era uma associação voluntária dos eleitos de Deus. No final do verão de 1631, Williams mudou-se para a colônia de Plymouth, mas logo suas idéias acabaram por trazer-lhe problemas de relacionamento, fato que acabou por conduzi-lo a Salém. A defesa do direito de posse das terras por parte dos índios, além de suas idéias com relação à coroa e à igreja inglesa levaram-no a deixar Salém em janeiro de 1636, após muitos conflitos com as autoridades da capital da colônia. Ele fugiu no inverno rigoroso da região para a baía de Narragansett, onde foi recebido por índios da tribo Wampanoags e levado ao acampamento de inverno do chefe Massasoit.
A partir daí, Williams estabeleceu uma povoação com doze amigos próximos, à qual chamou de "Providence", porque sentiu que a Providência Divina o tinha conduzido até ali. Providence foi também o nome de sua terceira filha, a primeira a nascer no povoado. Williams havia fundado o primeiro lugar na história moderna onde cidadania e religião seriam coisas diferentes, um lugar com liberdade religiosa e separação entre igreja e estado. Williams, juntamente com John Clarke, conseguiu junto à corte inglesa a carta de autorização real para a legalidade da colônia de Rhode Island, bem como teve atuação política no lugar, chegando à presidência da colônia.
Anos após o estabelecimento de Providence, um grupo de cidadãos decidiu que deveriam iniciar uma igreja. Segundo alguns historiadores, um integrante do grupo, Ezekiel Hollyman, batizou Roger Williams e foi batizado por ele, além de dez outras pessoas. Os doze homens então batizados foram os membros fundadores da Primeira Igreja Batista de Providence, Rhode Island, a primeira na América. Roger Williams foi seu primeiro pastor. O site oficial da igreja informa sobre o episódio histórico o seguinte:

“Williams logo reuniu os fieis em cultos regulares em sua casa, mantendo as reuniões varias vezes por semana. Depois de cerca de dois anos, essa pequena congregação se tornou a primeira igreja batista no Novo Mundo. Williams concluiu que o batismo do crente era o único conceito válido de batismo. Desde que ele e toda a sua congregação tinham sido batizados quando crianças, no final de 1638, ele se batizou a si mesmo e então batizou seu rebanho.”

Roger Williams, no entanto, deixou a congregação antes da conclusão do primeiro ano de sua organização, permanecendo os seus restantes quarenta e cinco anos de vida na busca da igreja ideal. Após mencionar seu afastamento da liderança da igreja, comenta ainda o site oficial:“… mas ele nutria a crença até o fim de sua longa vida (1683) de que a igreja que ele havia plantado era baseada na Escritura. Ele permaneceu firme em sua defesa da liberdade religiosa, e sua influência fez com que Rhode Island se tornasse em um refúgio inigualável de liberdade religiosa no século XVII.”  
Informa-nos ainda a fonte consultada que a igreja continuou sob a liderança de anciãos de 1639 até 1771, permanecendo sem templo até 1700. Naquele ano, o pastor Pardon Tillinghast erigiu uma pequena construção num terreno de sua propriedade a Rua North Main Street. Logo as instalações se tornaram inadequadas e uma segunda casa de reuniões foi construída, no terreno ao lado, tendo o dobro da capacidade da anterior. Providence continuou a crescer durante o século XVIII e o Grande Avivamento aumentou o número de batistas por toda a Nova Inglaterra. Finalmente, foi construído o atual templo, sob a liderança de James Manning, terminado em 1774. A galeria, projetada para uso dos escravos, tem hoje outra finalidade, os velhos bancos foram substituídos por assentos modernos e o púlpito elevado desapareceu. Mas a igreja ainda preserva muitos aspectos daquela primeira congregação que a ocupou em 1775.
Embora alguns relutem em aceitar, as evidências históricas parecem indicar ter sido esta a origem dos batistas nos Estados Unidos da América. Dada a sua importância, Roger Williams ainda será abordado no próximo fascículo, para que se entenda melhor o que aconteceu naqueles primórdios da história batista norte-americana, com as ideias e as atitudes do pioneiro.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

17.      O “BUSCADOR” ROGER WILLIAMS

“... estes eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim.” Atos 17.11

O afastamento da igreja cristã do seu padrão apostólico neotestamentário, padrão que se buscou restaurar a partir da Reforma Protestante iniciada por Lutero em 1517, foi para muitos um fato bastante traumático na história da igreja, o qual gerou dúvidas e ocasionou a formação de grupos chamados de utópicos, como os quakers, os shakers e os seekers.
Por que tomou Roger Williams a decisão de deixar a comunidade da igreja, pouco tempo após seu início? Como seeker (ou buscador), Roger Williams se convenceu de que as ordenanças, tendo sido perdidas na apostasia (quando a cristandade se tornou uma religião oficial do Império Romano), não poderiam ser restauradas de um modo válido sem uma atuação divina especial. Ele mesmo declarou: “Não há igreja de Cristo regularmente constituída na terra, nem qualquer pessoa qualificada para administrar qualquer ordenança da igreja; nem pode haver, até que novos apóstolos sejam enviados pelo Grande Cabeça da Igreja, por cuja vinda eu estou buscando.” A partir de então, Williams tornou-se uma pessoa que, embora não mais estivesse ligado à igreja batista por ele fundada, continuava dando testemunho de sua fé no evangelho de Cristo, esperando por uma restauração. Aliás, numa época em que o colono inglês da raça branca se julgava superior aos habitantes originais da América, suas posturas com relação aos índios também provocou conflitos e gerou dificuldades no seu relacionamento. Sua vivência e experiência com os chamados selvagens haviam provocado nele idéias próprias sobre o índio americano, divergentes daquilo que pensavam os ingleses no Novo Mundo, levando-o a escrever: "Não se gabe, inglês orgulhoso, de seu nascimento e sangue; seu irmão índio é de berço igualmente bom. De um mesmo sangue Deus fez a ele, e a você e a todos: igualmente sábio, belo, forte e pessoal”. Cria ele, portanto, que o índio também era um ser humano por quem Cristo havia morrido, em oposição à crença de seus contemporâneos.
Era Roger Williams realmente batista? Vindo de um cenário do puritanismo inglês, se considerarmos que ser batista, no mínimo, equivale a ser membro de uma igreja batista, é forçoso reconhecer que Williams não o era em sua chegada à Nova Inglaterra. Embora tivesse convicções que caracterizam hoje a fé batista, como a crença na liberdade religiosa, na liberdade de pensamento e expressão, na compreensão da igreja local como congregação voluntária de crentes batizados, no contínuo trabalho do Espírito Santo na vida do crente e da igreja, Williams não cria na necessidade de comunhão ativa em uma igreja batista local.
Williams passou a aguardar uma restauração da função apostólica por nunca se ter convencido de que algum ministro de uma igreja neotestamentária verdadeira estivesse qualificado a exercer as funções apostólicas, sucedendo aqueles que haviam sido comissionados pelo próprio Cristo para pregar, batizar e organizar igrejas, além de ordenar ministros, ministrar a Ceia do Senhor, bem como outras funções pertinentes ao ministério. Para ele, tudo havia sido perdido pela longa apostasia até a Reforma Protestante, e somente o próprio Cristo poderia recuperar tal perda. Por isso, passou ele e a ser um buscador da verdadeira igreja.
Os seekers eram mais uma sociedade do que uma seita religiosa organizada, que se desenvolveram no início do século XVII. Eles rejeitavam todas as formas de religião e de rituais. Vendo a Igreja Católica como corrupta em si mesmo e todas as igrejas protestantes seguindo o mesmo curso, entendiam que somente uma nova igreja verdadeira estabelecida por Cristo e seus novos apóstolos poderiam possuir sua graça e realizar milagres. Na esperança desse novo evento, os seekers procuravam manter reuniões em lugar de cultos, nas quais os membros esperavam em silêncio para a vinda e revelação do próprio Senhor Jesus Cristo a eles. Assim, muitas vezes o grupo recebeu o nome de "waiters" (= os que esperam).
Historicamente falando, Lumpkin aponta os três irmãos Legatt (Walter, Thomas e Bartholomew), inicialmente puritanos separatistas, como iniciadores do movimento. Pregavam eles a corrupção de todas as igrejas estabilizadas, considerando-se os irmãos Legatt a si mesmos como novos apóstolos de Deus para uma nova igreja incorrupta. O final de vida dos irmãos foi trágico.
Sobre o assunto em discussão, informa o site oficial da 1ª Igreja Batista de Providence, criada por Roger Williams em Rhode Island, que, a partir da fundação da igreja, … a jornada espiritual de Williams não terminou aqui. Dentro de meses ele veio a duvidar que qualquer instituição existente pudesse validamente ser chamada de igreja. Ele concluiu que a igreja tinha morrido quando o Imperador Romano Teodósio havia tornado o Cristianismo como religião estatal do Império por volta de 385 A.D. Ele cria que todos os ritos e práticas da igreja tinham-se tornado inválidos e corrompidos.”
 O gradual afastamento da Igreja dos parâmetros apostólicos e neotestamentários, ocorrido a partir da data mencionada até a época dos reformadores, foi realmente muito profundo, criando “outro evangelho”, conforme previsto por Paulo. Mesmo com as mudanças implementadas, ainda houve líderes e grupos cristãos que alimentaram, durante muito tempo, dúvidas sobre a possibilidade humana de promover a volta ao cristianismo como vivido nos tempos primitivos de Atos dos Apóstolos. Roger Williams, seguindo a linha dos seekers, buscava uma nova mensagem apostólica através de novos apóstolos enviados pelo próprio Cristo, o Senhor da Igreja. John Smyth, na Holanda, encontrou maior segurança para a sua fé no seio da Igreja Menonita Waterlander, reconhecida por ele como uma igreja verdadeira devidamente inserida em uma denominação. No entanto, Helwys na Inglaterra, bem como John Clarke, John Myles e outros nos Estados Unidos, creram na reforma iniciada pelos batistas a partir de 1609, a partir do momento em que toda a organização e o ritualismo católicos corrompidos foram deixados de lado e partiu-se para a noção inicial de organização da igreja local como conjunto de crentes convertidos e batizados, de acordo com o ensino do Novo Testamento.
E após primeira igreja de Providence, como evoluíram os acontecimentsos? Essa continuação da história batista na América a partir da 1ª congregação será estudada no próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

18.      JOHN CLARKE E A 1ª DE NEWPORT

“Amarás, pois, o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. (...) Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Marcos 12.30-31
           
Amor na vertical, para com Deus, e na horizontal, para com o próximo, foi o maior mandamento realçado por Cristo aos seus seguidores. Referências a esse amor encontramos no site da Igreja Batista Unida de Newport, Rhode Island, que apresentamos em seguida:

“Bem vindo à Igreja Batista Unida! Nossa congregação tem uma rica herança que data de 1638. Na primavera daquele ano, o Dr. John Clarke, um dos que estabeleceram originalmente a Ilha Aquidneck, começou a manter cultos de louvor na cidade de Pocasset recentemente formada, hoje chamada de Portsmouth. Um ano mais tarde, ele se juntou a oito outras pessoas, ajudando a estabelecer Newport na parte sul da ilha, onde o Dr. Clarke continuou a manter serviços eclesiásticos. Cinco anos mais tarde, em 1644, ele levou sua congregação a se tornar uma igreja batista seguindo o ensino do Novo Testamento do batismo de crentes que professavam uma fé pessoal em Jesus Cristo.”

Esta é a mensagem encontrada no endereço eletrônico da Igreja Batista Unida de Newport, Rhode Island, nome atual da segunda igreja batista organizada no solo dos Estados Unidos da América. Assim como a 1ª de Providence, o texto faz alusão ao seu organizador e pastor inicial, John Clarke. Quem foi esse homem? A própria fonte consultada informa que Dr. Clarke foi um expressivo advogado da liberdade religiosa, assegurando essa liberdade a todo o povo de Rhode Island. Em 1663, ele trabalhou junto com Roger Williams pela concessão de uma nova Carta Real para a colônia junto ao Rei Charles II, da Inglaterra. Aquela carta garantia plena liberdade de consciência a todas as pessoas de Rhode Island, assegurando que ninguém seria perseguido pelo governo civil da colônia por causa de assuntos ligados à crença religiosa.
                Nascido na Inglaterra em 1609, com aprimorada educação em artes e medicina, sendo um convicto puritano separatista ao deixar a Inglaterra, Clarke chegou a Boston em novembro de 1637, na esperança de encontrar entre aqueles que haviam buscado refúgio no Novo Mundo um espírito de tolerância. Segundo suas próprias impressões que deixou por escrito, ele encontrou na nova terra controvérsias sobre o entendimento das coisas celestes (as quais esperava), mas também incompreensão e tolerância para com as pessoas que tinham essas diferenças, coisas que não esperava encontrar. Em virtude do clima e das altas temperaturas encontradas na região, mudou-se para o norte, indo para o atual estado de New Hampshire e finalmente se estabelecendo em Providence, cidade iniciada por Roger Williams, onde encontrou melhores condições para viver.
Em março de 1838, dezenove pessoas organizaram a colônia que viria a se chamar Newport; entre os nomes estava o de John Clarke. Ele começou seu ministério na ilha de Aquidneck logo depois de sua chegada à região, sendo apresentado por Winthrop, em 1638, como “um médico e pregador aos moradores da ilha”. Thomas e Joseph Clarke, irmãos de John, aparecem entre os primeiros membros da igreja de Newport. Não se tem notícia sobre quando e sob que circunstâncias John Clarke adotou visões batistas. Há alguma probabilidade de que ele já tivesse vindo para a América como batista, corroborando para isso o fato de que não existem notícias de nenhuma mudança de suas posturas nem de seu batismo na Nova Inglaterra. Outra corrente afirma que ele pode ter sido batizado por Mark Lukar, um dos primeiros dos batistas particulares ingleses, do qual se afirma ter sido um dos fundadores da igreja de Newport e quem, por muitos anos, serviu à igreja na sua liderança.
A Primeira Igreja Batista de Newport era reconhecida no início como estritamente calvinista na doutrina, tendo mantido uma correspondência com os batistas particulares da Inglaterra, bem como relações com as igrejas de Boston e outras localidades. Há uma disputa natural entre Providence e Newport quanto à questão de qual igreja se organizou primeiro, pesando sobre a de Providence o fato de que Roger Williams não se manteve no meio batista por muito tempo, conforme já abordado.
Concluindo o texto sobre a igreja em Newport, assim diz o site:

“Mantendo nossa herança batista vital, nós nos dedicamos a ministrar ao povo de Newport e da Ilha Aquidneck. Nosso propósito é guiar as pessoas partindo de onde elas estão ao lugar, sob Deus, em que deveriam estar em Jesus Cristo. Através do louvor, estudo e culto, nós buscamos cumprir os dois grandes mandamentos, amar a Deus a amar ao nosso próximo. Com corações abertos, convidamos você para se juntar a nós nesta jornada de fé e experimentar a presença da graça, da paz e da alegria de Deus.”
           
As igrejas batistas em todo o mundo poderiam usar este texto para mostrar qual é sua função diante da sociedade do século XXI: manter a herança batista, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, bem como guiar pessoas a Deus através de Cristo, para que, numa jornada de fé, possam experimentar a presença da graça, da paz e da alegria que somente Deus pode proporcionar.
            Iniciado o trabalho batista nos Estados Unidos da América por volta de 1639, as igrejas começaram a se espalhar pelas demais colônias, partindo de Rhode Island. Como se deu a fundação da 3ª Igreja Batista será o próximo assunto a ser abordado. 

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

19.      A IGREJA BATISTA EM SWANSEA

“Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento.” 1 Coríntios 3.6

A 1ª Igreja Batista da Colônia de Massachusetts e 3ª da história americana foi organizada em 1663, em Swansea, por pessoas que buscavam liberdade religiosa. Sua história começa com a vinda de John Myles do País de Gales para o Novo Mundo. Vamos conhecer um pouco de sua saga.
Nascido em 1621, John Myles foi criado segundo os princípios puritanos das ilhas britânicas, tendo absorvido ideais de liberdade religiosa e orientação espiritual de sua nação segundo os princípios bíblicos. Como dados de sua vida são incertos, talvez tenha sido direcionado pelos pais a estudos visando ao ministério anglicano, o qual assumiu em 1645. Viveu em época de conflitos e perseguições religiosas, mostrando-se inconformado com a tirania exercida pela igreja oficial no País de Gales. Desde os tempos de Henrique VIII, a única coisa que os Puritanos haviam conseguido nas ilhas britânicas era uma reforma pouco profunda na igreja estatal, e isso permaneceu até os dias de Charles II. Outras legislações não mudaram muito a situação no que toca à liberdade de culto, mesmo quando o governo se tornou mais democrático. Embora obscuro nos documentos históricos, o fato é que, no início de abril de 1649, John Myles tornou-se batista. Num velho livro da igreja de uma localidade chamada Ilston (que Myles levou consigo para a América no princípio de 1660) está a história da formação daquela igreja, podendo ser lido na primeira página os “nomes dos irmãos e irmãs que foram adicionados a esta igreja do primeiro dia do segundo mês de 1649 ao 16º do mesmo mês de 1650”, sendo o primeiro nome o de John Myles. Ilston fica próximo a Swansea.
A igreja batista naquela localidade foi estabelecida mediante orientações recebidas da Igreja Glass House de Londres, a qual tinha na liderança John Spilsbury, além de William Kiffin (filho de Benjamin Kiffin, o introdutor da música no meio batista), sendo aquela uma congregação da primeira igreja batista particular da Inglaterra. Houve muitas conversões como fruto do trabalho, sendo que, até outubro de 1650, a igreja possuía 48 membros. As pessoas não residiam somente em Ilston, mas estavam espalhadas pela região em muitas pequenas cidades e vilas. Sob o pastorado de Myles, a igreja cresceu em onze anos para cerca de 250 membros, reunindo-se em diferentes lugares, tendo Ilston como sede. De 1651 até a partida para a América em 1660, John Myles foi o pastor da igreja.
Em 1662, com a mudança da política com relação aos ministros religiosos, Myles foi sentindo que a melhor saída seria o Novo Mundo, tendo viajado para a América na companhia de outros membros de sua congregação em 1666, indo para a colônia de Massachusetts, em Plymouth, na região de Rehoboth. Ali não encontrou a liberdade de culto ansiada e, enfrentando julgamento, multas e perseguição das igrejas pedobatistas da colônia, em 1667, mudou-se para terras afastadas que lhe foram doadas, num lugar chamado New Meadow Creek, na fronteira da colônia de Rhode Island. Com Myles mudou-se para lá a congregação e, em lembrança à terra natal galesa, deu ao lugar o nome de Swansea, o qual logo se tornou uma importante cidade de batistas, que ficou famosa pela sua hospitalidade. Myles dirigiu a congregação por cerca de 40 anos, tendo vivido durante um período de Guerra contra os índios, no qual a sala de reuniões da igreja e sua própria residência foram queimadas. Sua congregação, principalmente sob sua liderança, trabalhou em conjunto com os congregacionais, praticando tanto o batismo adulto como o infantil e oferecendo uma “comunhão aberta”. A congregação atuou naquele período como igreja oficial, recebendo taxas do governo da cidade.
John Myles dirigiu a congregação até sua morte em 1683, tendo morreu com 62 de idade, tendo sido ministro tanto no País de Gales quanto na América, sendo sucedido na liderança da igreja por Samuel Luther.
Samuel Luther (1683-1716), o segundo pastor, levou a igreja a rever suas convicções batistas e retornou à prática do batismo dos crentes apenas. O terceiro pastor foi Ephraim Wheaton (1717-1734). Dentro dos primeiros cem anos, a congregação continuou a orientação inicial de Myles, ao enviar pessoas para fundarem outras congregações batistas em Bellingham (Massachusetts), Oswego (New York) e Warren (Rhode Island), local onde foi organizada a Universidade Brown. Outras organizações e congregações também receberam influência dos batistas de Swansea em seu estabelecimento.
Recentemente, em 2004, a congregação começou a contribuir para a implantação de novas igrejas em Honduras. Durante seu tempo de existência, desde o início em meados do século XVII até o século XXI, a 3ª Igreja Batista em solo Americano já foi liderada por cerca de 46 pastores.  A igreja continua sua atividade, “lutando para tornar nossa venerável fé batista relevante e apropriada para as famílias hoje”, conforme diz o endereço virtual.  Os irmãos procuram manter seu ideal inicial, enunciando-o da seguinte forma: “Peregrinos em sua jornada de busca são encorajados a experimentar tanto a intimidade quanto a abertura de nossa congregação”.
E após as três primeiras igrejas implantadas, como foi a expansão e ampliação do trabalho batista pelas colônias iniciais norte-americanas? Este será o assunto do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

20.      OS BATISTAS NAS TREZE COLÔNIAS

“No entanto, os que foram dispersos iam por toda parte, anunciando a palavra.” (Atos 8: 4)

Com o surgimento do trabalho batista em solo americano na colônia de Rhode Island, tendo as igrejas e cidades de Providence e Newport sido fundadas a partir do final da década de 1630, aos poucos foram surgindo igrejas batistas em todas as treze colônias iniciais da colonização dos Estados Unidos. De forma sucinta, este fascículo procurará abordar este início nas demais colônias.
Massachusetts foi uma colônia iniciada em 1620, com a chegada dos puritanos do Mayflower, e talvez tenha havido batistas integrando as primeiras levas de colonos, como menciona Cotton Mather, ao afirmar: “Alguns poucos dentre essas pessoas têm estado entre os plantadores da Nova Inglaterra desde o começo e têm sido bem-vindos à comunhão de nossas igrejas, que eles apreciam, reservando suas opiniões particulares para si mesmos.” Na mentalidade dos puritanos não-separatistas que iniciaram a colonização na Nova Inglaterra, os grupos dissidentes somente poderiam reservar suas opiniões particulares para si mesmos, pois aqueles que ousaram expô-las sofreram as consequências das leis em vigor. Assim sendo, na década de 1660, surgiu a 3ª Igreja em Swansea, conforme já visto, uma congregação estrangeira no seu início na colônia. A primeira congregação batista norte-americana naquela colônia foi fundada em 1665, tendo sido Thomas Gould seu primeiro pastor. Leis que proibiam o batismo infantil foram grande oposição ao trabalho batista na história da região.
A colônia de New Hampshire foi iniciada em 1623, sob a liderança de John Wheelwright. A fundação da primeira congregação batista é atribuída a Hanserd Knollys, na cidade de Dover, em 1638, embora envolta em muitas dúvidas. As doutrinas batistas foram introduzidas aos poucos, sendo ele considerado como um líder importante dos nossos princípios. Após o retorno de Knollys para a Inglaterra, afirma-se que os batistas fugiram para Long Island para evitarem perseguição. A primeira igreja de fé batista em New Hampshire devidamente reconhecida pela história foi fundada em Newton, in 1755.
A Pensilvânia foi iniciada a partir de 1682, tendo seu nome e concessão ligados a  William Penn. Sobre o primeiro grupo de batistas a se estabelecer na região, afirma Morgan Edwards, em sua história dos batistas da Pensilvânia: “Em 1684, Thomas Dungan mudou-se de Rhode Island e estabeleceu-se em um lugar chamado Cold Springs, no condado de Bucks, entre Bristol e Trenton”. O fato aconteceu dois anos após a concessão dada a Penn e um ano após a morte de Roger Williams. Talvez outros batistas tenham ido com ele. Da igreja nada restou como evidência, a não ser um cemitério com túmulos com nomes da família de Dungan.
New Jersey, em 1664, foi a colônia atribuída pela coroa inglesa a Lord Berkeley e Sir George Carteret, que garantiram, numa declaração de direitos, “liberdade de consciência a todas as seitas religiosas para quem procedesse bem”. Grande imigração se seguiu. No meio batista, as igrejas de Middletown, Piscataqua, Cohansick e Cape May são consideradas mães das outras organizações posteriores. Em ordem cronológica, Middletown foi a primeira, sendo assinalado seu início em 1688, quando eles “se estabeleceram como uma igreja estatal”. Os nomes de John Brown, James Ashton e George Eaglesfield figuram como participantes.
A colônia de Connecticut começou por volta do ano 1635, com Thomas Hooker. O Reverendo Henry Jones informou que, em 1705, uma igreja batishados pelo território, mas a congregação batista parece ter sido a primeira a ser organizada.ta foi organizada por Valentine Wightman, vindo de North Kingston, Rhode Island. Havia na região poucos quacres e episcopais espal
Maryland foi uma colônia organizada a partir de 1634, com concessão dada a Lord Baltimore. Na mais católica das colônias iniciais americanas, o primeiro culto batista em Maryland registrado pela história ocorreu no lar de Henry Sater, um inglês que, em 1709, navegou da Inglaterra até a Virgínia, tendo-se dirigido à parte norte da colônia. Sater trouxe de sua terra natal a fé batista que sedimentou as igrejas do atual estado.
Virgínia foi realmente a primeira das colônias norte-americanas, estabelecida em 1607 em concessão real dada à Companhia de Londres. Segundo o historiador David Benedict , houve três correntes que deram origem aos batistas da Virgínia. A primeira delas foi de imigrantes da Inglaterra, vindos em 1714 e estabelecidos no sudeste do estado. A segunda leva veio de Maryland e formou uma povoação a noroeste do estado, aproximadamente em 1743. A terceira corrente veio da Nova Inglaterra em 1754, constituindo-se no empreendimento mais extenso e bem-sucedido da denominação em seus primórdios. 
Delaware foi estabelecida a partir de 1638. O início da história batista está ligado a Thomas Ainger, um presbiteriano da Filadélfia, em 1783, cuja esposa era batista, fato que o levou a ter grande interesse pela denominação, da qual mais tarde se tornou membro. Edwards, um historiador, referindo-se a ele, disse: “O que os batistas não puderam fazer, um presbiteriano fez por eles.” A Primeira Igreja Batista de Wilmington foi fundada em 8 de outubro de 1785, sendo seu primeiro pastor regular Thomas Fleeson, que lançou a pedra fundamental do templo.
Carolina do Norte foi estabelecida como colônia em 1653 por virginianos, sendo que a terceira leva de batistas a se estabelecer na colônia de Virgínia, já mencionada, estendeu seu trabalho para a Carolina do Norte e para a Georgia. O movimento batista ali se originou liderado por Shubeal Stearns e Daniel Marshall. Partindo da Nova Inglaterra, Stearns chegou a Opeckon Creek, onde já havia uma igreja. Com a influência de Stearns, a igreja desenvolveu forte ideal missionário e logo ele se estabeleceu no condado de Guilford. Seu trabalho começou com o erguimento de uma casa de adoração e a organização de uma congregação com dezesseis membros.
Na Carolina do Sul, a colônia começou em 1663, sendo sua concessão dada através de uma carta real concedida a oito nobres ingleses. Segundo algumas fontes, em 1696, William Screven, de Kittery, Maine, mudou uma pequena congregação para a Carolina do Sul, tendo como resultado a 1ª Igreja Batista de Charleston, a mãe das igrejas batistas do Sul.
Nova York estabeleceu-se como colônia a partir de 1664, com o Duque de York. Segundo o historiador Cone, o primeiro batista a pregar na colônia foi um ministro de Rhode Island chamado Wickenden, em 1709. Em 1712, Whitman, de Connecticut, pregou em Nova York por dois ou três anos, tendo batizado algumas pessoas. A 1ª Igreja Batista da cidade de Nova York originou-se em 1745, quando Jeremiah Dodge estabeleceu-se no lugar e abriu sua casa para os cultos. Em 1753, com treze membros na cidade, a congregação se uniu à igreja de Scotch Plains, de New Jersey, pastoreada por Benjamin Miller, que passou a pregar ocasionalmente em Nova York e a administrar a Ceia do Senhor.
Georgia, cronologicamente a última das treze colônias a ser estabelecida, teve seu início no ano de 1732, em concessão dada a James Edward Oglethorpe. O movimento de reavivamento de Whitefield marcou o início do trabalho batista, no ano de 1757.
A luta pela liberdade religiosa será o assunto a ser visto no próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

21.      OS BATISTAS E A LIBERDADE RELIGIOSA

“Portanto, se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres.” João 8:36

É necessário termos em mente a grande importância para a Igreja Cristã do ambiente oferecido pelo Novo Mundo no que se refere à liberdade religiosa. Olhando-se principalmente para a América do Norte e em especial para a formação dos Estados Unidos, vamos notar que, com o advento do início da colonização americana nas diferentes colônias inglesas, os colonizadores foram encontrando no novo continente ambiente e condições para o desenvolvimento de suas vidas no aspecto humano, bem como no relacionamento espiritual das comunidades eclesiásticas, e de uma forma totalmente diferente e muito mais livre do que tinham na Europa, principalmente na Inglaterra.
No início, no entanto, não houve grande consciência disso nem grandes mudanças na mentalidade reinante, mas, à medida que a colonização progredia, a idéia da liberdade religiosa foi-se impondo aos poucos, até tomar forma legal na constituição americana. Conforme afirma o historiador Walker, a con­quista da liberdade religiosa “foi um passo revolucionário, pois representou um distanciamento radical dos princípios de uniformidade e oficialização que haviam marcado a civilização ocidental por mais de mil anos”.
Na Europa, convivia-se com a idéia da tolerância religiosa, principalmente na Holanda e na Inglaterra, sendo a aceitação da liberdade religiosa como princípio nacional uma visão totalmente inovadora e historicamente inviável, diferentemente da situação vivida no Novo Mundo. Vários foram os fatores que contribuíram para o desenvolvimento da liberdade religiosa na América do Norte, como:
·         a multiplicidade de organizações religiosas, fato que impediu que qualquer delas tives­se o apoio da maioria da população;
·         a extensão do oceano, fator que dificultava a influência direta das igrejas estatais européias;
·         a imensidão do continente americano, um obstáculo para a manutenção de igrejas oficiais;
·          a pouca ênfase dada às diferenças religiosas, motivada pelo desejo de prosperidade econômica nas colônias, onde os trabalhadores eram escassos.
Além desses fatores, a presença de grupos religiosos que tinham a liberdade religiosa como princípio de fé e conduta foi muito importante.
Sobre este assunto, afirmou Walker:

A oficialização da religião que por catorze séculos marcara a cristandade foi abandonada a nível nacional, com profundas consequências para a vida religiosa não apenas na nação recém-independente, mas para bem além dela, uma vez que esse ‘experimento vivo’ era atentamente observado”.

Já que os puritanos peregrinos tinham fugido para a América para escaparem de perseguição religiosa, poderia parecer que eles seriam mais tolerantes entre si e com os demais, mas não aconteceu assim, pois no início não havia tolerância religiosa para com os dissidentes, muito menos liberdade. Massachusetts teve como religião oficial a Igreja Congregacional, no período que durou de 1629 até 1833.
Rhode Island foi a primeira das treze colônias a ter leis democráticas e liberdade religiosa, datando os primeiros documentos legais de março de 1641. Virginia talvez tenha sido o mais difícil campo de batalha para o assunto, pois a colônia, fundada por membros da Igreja da Inglaterra, não tolerava outras formas de cristianismo em sua jurisdição, tal como acontecia nas Ilhas Britânicas. Desde 1606, suas leis previam que as autoridades deveriam providenciar para que os cultos religiosos fossem feitos de acordo com os costumes anglicanos. Pesadas punições eram previstas para os infratores e mesmo para aqueles que não comparecessem aos cultos da igreja oficial. Difícil foi o caminho dos batistas naquela colônia.
Já na época da independência, declarações encontradas em obras de Thomas Jefferson e de George Washington atestavam a importância da luta batista pela liberdade religiosa. Consultado pelos batistas sobre a liberdade de religião e de consciência, assim se manifestou Thomas Jefferson:

“Revendo a história dos tempos pelos quais passamos, nenhum momento proporciona maior satisfação do que aquele que mostra os esforços dos amigos da liberdade religiosa, com a qual foram coroados. Temos visto, por julgamento justo, a grande e interessante experiência que mostra que a liberdade de religião é compatível com ordem no governo e obediência às leis. E temos experimentado a quietude e o conforto que resultam quando se permite a alguém professar livre e abertamente aqueles princípios de religião que são ditados pela sua própria razão”

George Washington, o primeiro presidente norte-americano, assim respondeu a uma consulta da liderança batista:

Tenho frequentemente expressado meus sentimentos de que cada homem, conduzindo-se como um bom cidadão e reportando-se somente a Deus pelas suas convicções religiosas, deveria ser protegido na adoração da Divindade de acordo com o que dita a sua consciência. Enquanto isso, reconheço com satisfação que a sociedade religiosa da qual sois membros tem-se constituído, através da América, uniforme e quase unanimemente, em amigos seguros da liberdade civil e persistentes promotores  de nossa gloriosa revolução, além de fiel apoio de um governo  geral livre e eficiente.”

John Clarke, John Crandall, Obadiah Holmes, Isaac Backus e outros foram líderes batistas nesta batalha pela liberdade religiosa e pela não-existência de igreja oficial nos Estados Unidos. A última batalha sobre o assunto somente foi vencida em 1789, quando a Primeira Emenda à Constituição foi ratificada. Patrick Henry favorecia o estabelecimento de quatro igrejas ou denominações como oficiais no novo governo: os episcopais, os presbiterianos, os metodistas e os batistas. Somente os batistas se opuseram à proposta, oposição essa que acabou sendo vitoriosa.
É importante que tenhamos hoje conhecimento dessas verdades e que continuemos a defendê-las, bem como todas as demais conquistas doutrinárias que a história tem-nos mostrado como resultado de muita luta e sofrimento.
A perda do primeiro amor no evangelho tem sido constante na história da igreja, com alternâncias entre gerações profundamente voltadas para uma comunhão com Deus com outras gerações de pessoas de religiosidade acomodada, apenas preocupada com a manutenção dos resultados. Assim sendo, despertamentos, reavivamentos e outros movimentos semelhantes têm ocorrido, buscando levar o povo de Deus a uma volta ao fervor perdido. A ocorrência do Grande Avivamento nos Estados Unidos e na Europa é o assunto do próximo fascículo. 

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

22.      OS BATISTAS E OS DESPERTAMENTOS

“Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, donde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras...” (Apocalipse 2: 4-5a)

Despertamento costuma ocorrer sempre que há sono em demasia. A Igreja tem dormido muitas vezes ao longo dos séculos, esquecendo-se de sua missão evangelizadora no mundo e necessitando ser acordada ao longo de sua história. O movimento que interessa no momento é chamado Grande Despertamento, ocorrido nos Estados Unidos a partir das décadas de 1730. Na verdade, há quem mencione vários despertamentos; o despertamento em questão fez parte de um movimento mais amplo, que aconteceu simultaneamente nos dois lados do Atlântico, principalmente na Inglaterra, Escócia e Alemanha no lado europeu. Surgiu ele para fazer frente a correntes que caracterizavam a chamada Era do Iluminismo, quando a razão e a ciência humana começaram a ser colocadas acima de qualquer outra manifestação do homem, principalmente a religião e a emoção. O Despertamento buscava reafirmar a fé na revelação bíblica em lugar da razão humana, contrapondo a crença no sobrenatural ao cientificismo que começava a se impor.
Jonathan Edwards e John Whitfield são os nomes citados como iniciadores do movimento na sua fase americana, que apareceu primeiramente entre presbiterianos da Pensilvânia e Nova Jersey. Dos presbiterianos, o movimento atingiu os puritanos congregacionalistas e os batistas da Nova Inglaterra. O despertamento levou as igrejas a pregarem o evangelho às regiões do sul, tendo um grupo de batistas ido para a região central de Carolina do Norte, estendendo seu trabalho às colônias vizinhas.
Caracterizado em outros grupos religiosos como a oposição de “novas luzes” em relação às “antigas”, entre os batistas o movimento não teve tal conformação, pois a igreja estava em fase de estabelecimento de sua fé nas colônias, com forte influência teológica calvinista. Não possuindo ainda a denominação muitos ministros evangelistas próprios, os batistas dependeram de convertidos a partir dos trabalhos de Whitfield e Edwards para expandirem sua pregação. O movimento centralizou-se principalmente nas Carolinas e nas colônias da região central. Questões que traziam tensão entre os batistas, como a imposição das mãos, a guarda do sábado, a lavagem dos pés e o cântico dos salmos foram bastante aliviadas pelo Grande Avivamento, que renovou a membresia da igreja. Divergências internas surgiram, definindo divisões, como por exemplo, os Batistas Regulares (representando o que poderia ser considerado como Velhas Luzes), em oposição aos Batistas Separatistas, as Novas Luzes, mantendo todos, no entanto, visão calvinista razoavelmente uniforme.
Um fato marcante surgido com o movimento entre os batistas ocorreu no sul dos Estados Unidos, em Sandy Creek, na Carolina do Norte. Shubal Stearns, influenciado pela pregação de George Whitefield, foi o líder do despertamento na região. Nascido em Boston em 1706, após sua conversão a Cristo ocorrida por volta de 1740, Stearns tornou-se um ministro batista. Chamado por Deus para os campos do sul, em 1754 foi primeiramente para a Virginia e depois para Sandy Creek. Região que fazia parte da fronteira selvagem americana, seus habitantes tinham um estilo de vida bem diferente daquilo que Stearns conhecera na Nova Inglaterra.
A pequena igreja de Sandy Creek começou com dezesseis membros, metade dos quais eram da própria família do líder. Com a pregação do evangelho e as bênçãos de Deus, o trabalho na Carolina do Norte prosperou. Em pouco tempo, a igreja em Sandy Creek cresceu de dezesseis para mais de seiscentos membros. Outras igrejas foram formadas, as quais se organizaram em 1758 como Associação Batista Sandy Creek, grupo que, sob a liderança de Stearns, expandiu a pregação do evangelho pelas colônias do Sul. Por volta de 1770, com o crescimento havido, o grupo criou as associações separadas de Carolina do Norte, Carolina do Sul e Virgínia. Movimento de pequenas proporções inicialmente na Carolina, o resultado foi um dos mais expressivos do Grande Despertamento.
Um Segundo Avivamento ocorreu por volta do início do século XIX, dado o resfriamento de muitos cristãos americanos que, em virtude de mais elevada educação, deixaram de professar crenças tradicionais do cristianismo. Menos voltado em algumas regiões para envolvimentos emocionais, consistiu o movimento em expressões de compromisso religioso, ativismo social e, em algumas regiões, desenvolveu uma nova forma de expressão religiosa, a reunião de acampamento, principalmente entre os metodistas e os batistas. Provavelmente a maior reunião do tipo foi a de Cane Ridge, no Kentucky, em agosto de 1801, tendo mobilizado entre 10.000 e 25.000 pessoas.
Segundo o historiador Newlin, antes do Grande Despertamento, a igreja estava decadente, a religião era maçante e a organização eclesiástica representava somente uma configuração política e uma série de costumes ritualistas. Havia então pouco interesse na igreja entre as pessoas das colônias. Graças a líderes como Edwards e Whitefield, um novo interesse foi criado através de evangelismo, que apelava para a emoção humana. Apesar da forte influência calvinista já mencionada, a visão arminiana deu ao movimento uma melhor dimensão evangelística, já que permitiu aos pregadores apresentar a graça de Deus de uma forma livre a todos os que a quisessem receber.
Apesar da autonomia da congregação local, tal como havia ocorrido nas Ilhas Britânicas, também nos Estados Unidos o trabalho batista evoluiu para a organização de associações e convenções, assunto do próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

23.  CONVENÇÕES BATISTAS E AS DIFERENÇAS REGIONAIS

“... reconhecendo a graça que me fora concedida, Tiago, Pedro e João, tidos como colunas, estenderam a mão direita a mim e a Barnabé em sinal de comunhão. Eles concordaram em que devíamos nos dirigir aos gentios, e eles, aos circuncisos.” Gálatas 2:9

Como havia ocorrido na Inglaterra, apesar da independência democrática de cada congregação local, os batistas optaram por organizações gerais para melhor ordenação dos trabalhos e somatória de cooperação. Assim sendo, associações e convenções começaram a surgir nos Estados Unidos. Em 1707, os batistas organizaram sua primeira associação na América, nas redondezas da Filadélfia, na Pensilvânia; uma segunda associação surgiu em Charleston, na Carolina do Sul, em 1751. A partir daí, o número de organizações aumentou rapidamente.
O interesse por missões e a organização de associações que dessem suporte ao trabalho no exterior começou entre os batistas na Inglaterra, em 1792, quando William Carey, na Inglaterra, liderou a formação da Sociedade Missionária Batista. Essa estratégia de trabalho unia os esforços batistas entre diferentes igrejas, não onerando a congregação local e descentralizando o trabalho da associação batista da região. O próprio Carey foi o primeiro missionário batista enviado à Índia. Nos Estados Unidos, batistas de Massachusetts adotaram o plano em 1802. Com o tempo, muitas das associações locais haviam transformado seus programas missionários, criando sociedades missionárias independentes.  
Em 1812, quando Adoniram e Ann Judson, além de Luther Rice, viajaram para a Índia como missionários, não havia nenhuma organização batista que desse suporte ao trabalho de missões estrangeiras no país. Formaram-se então sociedades locais, tanto no norte quanto no sul, para começar a solucionar o problema. Com a volta de Luther Rice e o seu empenho pela organização missionária, o trabalho foi então estruturado.
Focalizando a história batista e caminhando-se para as origens do trabalho no Brasil, interessa-nos a formação da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, pois foi ela a organização responsável pelo início do trabalho denominacional em nosso país. Em termos históricos, quando os batistas formaram a primeira sociedade nacional em 1814, já havia a consciência entre a liderança quanto às inúmeras diferenças sociais, culturais, econômicas e políticas entre os negociantes do norte, os fazendeiros do oeste e os agricultores do sul. Talvez a mais crítica das diferenças fosse a visão a respeito do problema da escravidão.
Iniciado o tráfico de escravos pelos ingleses no período colonial, a independência aumentou as características separatistas das diferentes regiões do novo país, fazendo com que o sul dependesse cada vez mais da mão-de-obra gratuita do escravo para a lavoura, enquanto o norte ansiasse pela libertação dos negros, os quais, livres, aumentariam a massa consumidora de seus produtos. Quando o conflito abolicionista virou guerra em 1861, ele envolveu igualmente o negociante da Nova Inglaterra e o agricultor do sul.   
As tensões anteriores à Guerra afetaram a vida das igrejas evangélicas, incluindo os batistas, que recentemente haviam-se organizado em sociedades nacionais para desenvolvimento do trabalho. As reuniões das sociedades realizadas entre 1814 e 1845 já revelavam algumas diferenças básicas entre o modo de pensar das lideranças batistas do norte e do sul. Os líderes do sul desejavam uma unidade denominacional mais forte do que a então existente, mas não tinham condições de atingirem seus objetivos, dadas as diferenças separatistas das regiões. Sentindo que as necessidades do sul não estavam, muitas vezes, sendo atendidas pela visão que vinha do norte, ações foram empreendidas, as quais acabaram por definir a criação de uma nova convenção. Os anos da década de 1840 foram decisivos, época de sérios debates entre nortistas e sulistas, os quais prepararam o ambiente para a divisão. A indicação de batistas donos de escravos como missionários por parte das igrejas da Geórgia e do Alabama teve resultado negativo entre os batistas do norte em 1844, fato que acabou por provocar a reunião de cerca de 293 líderes batistas do sul, representando mais de 365.000  batistas, na cidade de Augusta, na Georgia. Ali, em 10 de maio de 1845, foi organizada a Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, tendo sido sua constituição ratificada em Richmond, Virginia, no ano seguinte. 
A escravidão, que já havia separado os metodistas e que também atingiria os presbiterianos, também havia marcado a vida batista norte-americana com divisão entre os irmãos. A partir da organização, a Convenção tem reunido o trabalho de muitas igrejas no Sul dos Estados Unidos (CBS), constituindo-se na maior convenção batista do país e uma das maiores em todo o mundo, levando-se em conta as denominações evangélicas em geral. Nos vinte anos seguintes, de 1845 (ano da organização da CBS) a 1865 (ano do final da Guerra da Secessão), a Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos passaria por um período de organização interna e de preparação, antes de investir no campo missionário do Brasil.
Coube a Luther Rice, companheiro de viagem do casal Judson, um papel muito importante na organização do trabalho missionário que se localizaria em Richmond, na Virgínia, local que acabou por sediar a junta para missões mundiais da CBS. Judson, Rice e os primórdios do trabalho no Brasil começarão a ser discutidos no próximo segmento. 

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

24.  LUTHER RICE E AS MISSÕES

“E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as nações, e então virá o fim.” Mateus 24.14

O ano de 1783 marca a data de dois importantes batismos: William Carey e Luther Rice. Carey, na Inglaterra, aos vinte e dois anos de idade, foi batizado numa igreja batista. Do outro lado do Atlântico, em Northborough, Massachusetts, na Nova Inglaterra, Rice, recém-nascido, foi batizado numa paróquia da igreja congregacional. Carey tornou-se o primeiro missionário batista a pregar o evangelho na Índia. Rice foi o companheiro do casal Judson, enviados como missionários ao Oriente. Carey e Luther estavam destinados a se encontrarem, mais tarde, em sua militância missionária.
Vivendo os primeiros vinte anos de suas vidas e tendo vindo da Nova Inglaterra, Judson e Rice encorajaram as igrejas congregacionais, das quais eram membros, a que os enviassem como missionários, sendo os primeiros a irem para a Índia, tendo partido dos Estados Unidos em 1812.  É conhecida a história do convencimento de ambos por outros missionários batistas ingleses que estavam a bordo do navio, com relação ao modo correto de batismo por imersão praticado pelos batistas. Tendo chegado à Índia e com a negação de permissão das autoridades para ingresso de mais missionários naquele país e naquele momento, o casal Judson foi para a Birmânia, enquanto Rice retornou para a América, a fim de acertar sua situação junto aos congregacionais, mas principalmente para convencer os batistas sobre a necessidade da criação de um organismo missionário no meio batista.
Apesar de difícil no campo familiar (enterrou naquele distante país duas esposas – Anna e Sarah – além de seis filhos), e no pessoal (onde enfrentou profunda depressão, mas nunca desistiu), a missão de Adoniran Judson na Birmânia foi bem sucedida, tendo plantado naquele país budista a semente do evangelho conforme a vivem os batistas, e hoje em Miamar (nome atual do país) existem muitas 4.000 congregações com milhares de membros no total.
Luther Rice voltou aos Estados Unidos com trinta anos de idade, numa época em que os batistas ainda não tinham uma estrutura geral, contando apenas com congregações locais espalhadas e algumas associações regionais. Não havia unidade nacional batista e nenhuma preocupação organizada com relação a missões, tendo sido Rice o grande incentivador das primeiras ações de organização com relação ao assunto. Era necessário inicialmente garantir o sustento de Adoniram e Anna Judson, por isso foi formada a primeira organização batista.
Luther Rice foi um dos maiores responsáveis pela propaganda de missões estrangeiras em escala nacional entre os batistas. Através de suas viagens por todas as partes da nação, bem como pelo seu trabalho e influência pessoal, os batistas foram desafiados a olhar para fora de suas fronteiras na expansão do evangelho.
A falta de uma organização geral dos batistas na época de Rice pode ser a distâncias muito grandes, a estados ainda não devidamente estabelecidos, a estradas de difícil acesso, a viagens demoradas e perigosas e à falta de um real motivo que demandasse tal organização. A decisão de Adoniran Judson tornando-se batista, bem como sua obra na Birmânia, forneceram a inspiração inicial para que a denominação iniciasse a organização do trabalho missionário em terras estrangeiras. Luther Rice, com o seu empenho, liderou o movimento para promoção de missões estrangeiras. Atlanta, Boston, Nova York, Filadélfia, Baltimore, Washington, Richmond, Charleston, Savannah, além de outras cidades foram por ele alcançadas, resultando na reunião de onze estados e do Distrito Federal na Filadélfia, em 18 de maio de 1814, ocasião na qual, depois de madura discussão, a Convenção Geral Missionária da Denominação Batista dos Estados Unidos foi organizada, com o compromisso de se reunir uma vez a cada três anos, por isso chamada de Convenção Trienal. O historiador Taylor, em suas “Memórias de Luther Rice, um dos Primeiros Missionários Americanos da Leste”, disse sobre ele: “... qualquer que fosse o tipo de congregação, grande ou pequena, inteligente ou ignorante, na cidade ou no campo, ele sempre se distinguia pela mesma dignidade e prontidão de apresentação.”
Em sua viagem de volta da Índia para os Estados Unidos, 25 de março de 1813, Rice registrou a seguinte nota em seu diário: “Neste dia eu completo trinta anos de idade. Renovadamente eu me ofereço ao Senhor, renovadamente me devoto à causa das missões e suplico a Deus que ele me aceite como seu e particularmente como alguém devotado ao serviço missionário”.
Luther Rice chegou a Nova York em setembro de 1813 de volta da Índia, conforme já mencionado anteriormente; antes disso, porém,  Rice desembarcou em Salvador, na Bahia, onde permaneceu durante algum tempo. Como era o Brasil no princípio do século XIX e quais foram os acontecimentos iniciais da nossa história missionária denominacional? Este tema começará a ser abordado a partir do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

 BATISTAS NO BRASIL

25.      BATISTAS: OS PRIMÓRDIOS NO BRASIL

“Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de ídolos.” Atos 17:16

No dia 4 de maio de 1813, Luther Rice, voltando de sua viagem para a Índia, desembarcou em Salvador, na Bahia, onde ficou, a fim de “colher subsídios para estudos e possível abertura do trabalho missionário batista no Brasil”, conforme afirma Betty Antunes de Oliveira em seu livro “Centelha em Restolho Seco”.
Assim como Paulo em Ateas, depois de ter passado dois meses na capital baiana, Rice observou que “a superstição católica era inteiramente predominante, criando uma situação de paganismo tão ruim quanto qualquer outra”. Portanto, Luther Rice, congregacional que se tornou batista, deve ter sido o pioneiro em nossa terra com uma visão de avaliação missionária.
            Como era o Brasil no século XIX e quais foram os acontecimentos iniciais da nossa história missionária denominacional? Luther Rice aqui esteve numa época em que a corte portuguesa de D. João VI havia-se deslocado para cá, fugindo de Napoleão Bonaparte e elevando o Brasil à condição de Reino Unido, conforme registra nossa história. Pensando nos primórdios do trabalho batista no Brasil, é preciso lembrar que o nosso país foi um país fechado para o evangelho conforme pregado e vivido por evangélicos até o século XIX. Duas tentativas aconteceram nos séculos anteriores, quando o nosso país ainda era Colônia de Portugal, quais sejam a dos franceses no Rio de Janeiro, com a expedição de Villegaignon, e a dos holandeses, com Maurício de Nassau no Nordeste, ambas fracassadas e rechaçadas pelas forças portuguesas, conforme relata a nossa história. A Igreja Católica imperava no campo religioso e impedia qualquer aproximação de outros grupos.
Com a abertura dos portos brasileiros por D. João VI, a partir de 1808, e com a independência de 1822, tudo começou a mudar, inclusive por causa de pressões externas, principalmente da Inglaterra. Assim sendo, ainda na primeira metade do século XIX, houve autorização para a abertura de casas de adoração para os estrangeiros, conforme nos informa o historiador Earle Cairns:

            “Uma das cláusulas do contrato comercial, assinado com a Inglaterra em 1810, foi que Portugal permitiria a construção de casas de adoração para os estrangeiros, contanto que não tivessem a aparência de igrejas. O uso da cruz na parte exterior dos prédios foi expressamente proibido. Um ponto interessante a ser observado na história é que muitos evangélicos no Brasil continuam inflexivelmente opostos ao uso da cruz em seus templos, julgando ser contra os seus princípios. Na verdade, porém, a proibição tem origem nas provisões desse tratado, não tendo absolutamente nada que ver com as tradições protestantes.”

Com isso, mais o direito de liberdade de culto concedido através da Constituição de 1823, os protestantes começaram a investir no Brasil, no início timidamente. Em 1819 se estabeleceram os anglicanos, os metodistas em 1836, mas foram ainda investidas pouco significativas, até que, em 1855, chegou Robert Reid Kalley ao Rio de Janeiro, iniciando o trabalho de Igreja Congregacional, vindo depois os presbiterianos em 1859 com Simonton. A primeira data importante para o início do trabalho batista coincide com a da chegada dos presbiterianos.
            No seu livro que resgata a “via da imigração” das nossas origens no Brasil, Betty Antunes aponta alguns dados em ordem cronológica. Em meados de 1850, esteve no Rio de Janeiro um norte-americano chamado Theophilus, pseudônimo provavelmente do Dr. William Theophilus Brantly Júnior, ministro do evangelho e educador, sondando a possibilidade de estabelecer-se aqui um campo missionário no Brasil”. O trecho a seguir é de sua autoria:

            “Deixem que uma Igreja batista seja aqui organizada, e as fontes que alegram a cidade de Deus logo fluirão. (...) Com todas as suas imperfeições não está longe o dia quando o Brasil se tornará uma porção invejável no Novo Mundo. O interior com as suas surpresas espera pelo dia de alegria, o qual nunca chegará a menos que o nosso povo, com o Espírito de Cristo, dê seus bens para enviar-lhe um missionário. Podemos sustentar pelo menos vinte missionários naquele vasto império. O deserto e os lugares secos se alegrarão disto e o ermo exultará e florescerá como a rosa (Is 35:1). Possa Deus comover-nos completamente para o nosso evidente dever. Amém. Theophilus

Em maio de 1857, a Comissão de Novos Campos da Convenção Batista do Sul dos EUA apresentou o relatório “sobre a possibilidade de abertura do trabalho missionário no Brasil, mesmo com insuficiência de recursos financeiros”. No dia 09/11/1859, Thomas Jefferson Bowen e sua esposa Lurenna foram nomeados como os primeiros missionários dos batistas dos EUA para o Brasil, tendo o casal chegado ao Rio em 21/05/1860.
Os dois haviam sido missionários batistas na África Ocidental, onde Bowen aprendera o dialeto ioruba. Instalaram-se no Rio e deram início ao trabalho, que pretendia de início implantar uma igreja de fala inglesa e outra para os escravos. Comunicando-se com os escravos em sua língua e distribuindo Bíblias, Bowen gerou desconfianças por parte do povo e das autoridades. Sobre sua passagem pelo Brasil, o "Diário do Rio de Janeiro" do dia 26 de maio de 1860 dá esta curiosa notícia:

            "Dizem-nos que um pastor americano, ultimamente chegado de Richmond, traz intenção de converter as almas desgarradas às doutrinas das seitas anabatistas, que professa. Começou já a exercer a sua missão pregando aos pretos-minas, cuja língua fala perfeitamente, ao que nos informam. Espíritos supersticiosos e timoratos, esses pobres pretos começam a tributar uma profunda veneração pelo missionário. Tal pregação pode desviar diversos prosélitos entre as inteligências broncas e incultas, estabelecendo, no país, uma seita cuja manifestação é inconvenientíssima. À autoridade compete a verificação deste fato."

Realmente, parece que a autoridade agiu e essa primeira missão batista foi interrompida no mesmo ano, com a volta dos missionários para os Estados Unidos. O motivo oficial do término da missão foi o estado de saúde de Thomas, coisa que já havia interrompido sua estada na África; no entanto, há indícios de que o término tenha sido motivado pela interação com os escravos e a comunicação com eles em sua língua, estando o Brasil ainda em pleno regime de escravidão.
            Outros batistas norte-americanos aqui chegaram posteriormente e outras cartas foram trocadas, principalmente pelos estabelecidos em Santa Bárbara, no Estado de São Paulo, assunto a ser debatido no próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

26.      A “VIA DA IMIGRAÇÃO”

“...bem pode ser que ele se tenha separado de ti por algum tempo, para que o recobrasses para sempre, não já como escravo, antes mais do que escravo, como irmão amado, particularmente de mim, e quanto mais de ti, tanto na carne como também no Senhor. Assim pois, se me tens por companheiro, recebe-o como a mim mesmo.” Filemom 1:15-17

Quando e onde começou o trabalho batista no Brasil? Foi em Santa Bárbara ou em Salvador?  Em busca da definição do Marco Histórico Inicial de nossa origem, no ano de 2009, o relatório final da comissão que estudou o assunto por solicitação da Convenção Batista Brasileira assim se definiu:

            “... a inserção do trabalho batista no Brasil se deu por duas vias: a via da imigração (1871) e a via de missão (1882).”
           
A “Via da Imigração” está muito bem relatada no livro já citado, “Centelha em Restolho Seco”, brilhante e exaustivo trabalho de pesquisa publicado por Betty Antunes de Oliveira. Vamos usar sua enumeração de eventos em ordem cronológica.
Em 12/04/1861 aconteceu a Declaração do início da Guerra Civil Americana. Uma de suas causas mais importantes foi o posicionamento da nação norte-americana diante do problema da escravidão. Assim escreveu o pastor Damy Ferreira em seu livro “Centenário da Convenção Batista do Estado de São Paulo”, num capítulo denominado “A Igreja Batista em Santa Bárbara do Oeste”:

“... com a derrota dos sulistas na guerra contra o norte dos Estados Unidos, muitos americanos do sul começaram a procurar uma nova vida em outro país. O Brasil, na época, era uma opção promissora e as portas estavam abertas. Assim, um grande grupo veio para o Brasil, o principal dele para Santa Bárbara d’Oeste, no interior de São Paulo. Havia no grupo muitos crentes, principalmente presbiterianos, metodistas e batistas.”

A emigração dos Estados Unidos para o exterior se iniciou a partir de junho de 1865. Um grande número de sulistas emigrou para o Brasil, tendo outros ido para o México, Venezuela, Peru, Austrália e Nova Zelândia. Segundo a fonte já citada, em 31/07/1866 chegou ao Rio de Janeiro, vindo do Alabama, o primeiro batista, James Daniel, juntamente com sua esposa, filho, cunhado e duas irmãs; em dezembro do mesmo ano, o grupo já estava em Santa Bárbara. Em 20/05/1867, aconteceu a chegada de 277 imigrantes, entre eles os pastores Richard Ratcliff e Elias Hoton Quillin. 31/08/1867 foi a data provável da chegada de Alexander Travis Hawthorne, um agente de imigração, que voltaria aos EUA um ano depois. Sua importância no nosso início batista será abordada com detalhes no próximo segmento.
Já estabelecidos com suas fazendas em Santa Bárbara, no dia 17/06/1870, os pastores presbiterianos, metodistas e batistas, líderes de suas colônias, resolveram publicar folhetos para distribuição geral, em português, inglês, francês e alemão, “sentindo a responsabilidade de evangelizar”. Decidiram também organizar suas igrejas iniciais, sendo que a presbiteriana foi formada em junho de 1870, a metodista em agosto de 1871 e a batista em 10 de setembro de 1871. Por ser a Igreja Católica religião oficial do Estado, as pessoas de outras religiões enfrentavam muitos problemas com cemitérios e registros. Criou, assim, o grupo não-católico o seu próprio cemitério, o qual é utilizado até os dias de hoje pelos descendentes de norte-americanos e seus familiares.
Assim, surgiu a 1ª Igreja Batista em solo brasileiro, tendo sido Richard Ratcliff seu primeiro pastor, até abril de 1878, sendo sucedido por Elias Hoton Quillim, até 1881. O livro “Centelha em Restolho Seco” relaciona como possíveis membros fundadores da 1ª Igreja 29 nomes de batistas norte-americanos, provenientes de 12 famílias diferentes, vindos com cartas demissórias de várias igrejas do Sul dos Estados Unidos. A Igreja existiu por cerca de 38 anos.
Em 02/11/1879 organizou-se a segunda igreja batista, com Elias Hoton Quillim como pastor, contando com doze membros vindos da 1ª Igreja. O nome da 2ª Igreja, “Station”, se deve à estação da nova estrada de ferro, em terras da então província de Santa Bárbara, onde se formou a Vila Americana, início da atual cidade da região. A 20 de junho de 1880, Antônio Teixeira de Albuquerque tornou-se membro dessa igreja, por profissão de fé e batismo, sendo consagrado ao ministério da palavra no mesmo dia, já que era um ex-padre. Albuquerque foi o primeiro pastor batista nacional. “Não sabemos” o tempo de vida eclesiástica da 2ª Igreja, segundo Betty Antunes.
Os acontecimentos históricos foram se sucedendo. Em novembro de 1880, William Buck Bagby e Ana Luther foram nomeados missionários da Junta da Convenção Batista do Sul para o Brasil, chegando ao Rio em 02/03/1881, tendo ido para Santa Bárbara. Em 1881, Quillim pediu exoneração como pastor da 1ª Igreja, assumindo Bagby a liderança, em 28/05/1881. Apesar de ter assumido o pastorado da igreja, há evidências de que Bagby e sua família estavam residindo em Campinas na ocasião, para aprendizagem da língua numa cidade mais desenvolvida. Em fevereiro do ano seguinte, chegaram Zachary Clay Taylor e sua esposa Kate ao Rio, indo o casal morar em Campinas com a mesma finalidade dos Bagby. Em agosto de 1882, Bagby renunciou ao pastorado da 1ª de Santa Bárbara, após cerca de 15 meses na função, já que, no final do mesmo mês, as famílias de Bagby, Taylor e Albuquerque chegaram a Salvador, na Bahia.
No dia 15/10/1882 aconteceu a fundação da 1ª Igreja Batista de Salvador, na Bahia, assunto do próximo fascículo.
Embora tendo partido de motivos pouco louváveis, como a perda da mão de obra dos escravos e de tentativa de manutenção do “status quo” perdido na Guerra da Secessão americana, com o passar do tempo, desenvolveu-se nos colonos norte-americanos de Santa Bárbara, incluindo os batistas, o desejo de se iniciar a evangelização no Brasil. Informações retiradas do “Livro de Ouro da CBB – Epopéia de Fé, Lutas e Vitórias”, nos permitem dizer que, no dia 12/10/1872, um ano após sua organização, a Primeira Igreja Batista de Santa Bárbara votou enviar à Junta de Richmond seu primeiro pedido pela vinda de missionários. Consta no documento enviado o seguinte trecho:

"Passa a Macedônia e ajuda-nos. Nós vos receberemos como foi recebido o grande apóstolo, as nossas casas vos serão abertas, o nosso progresso, a nossa influência e os nossos labores estarão ao vosso dispor. Esperamos que uma boa comunidade batista neste país seja acrescentada à grande família dos batistas no mundo, ensinando, pregando e praticando a fé, uma vez para sempre confiada aos santos”.
 
A “Via da Imigração” preparou o terreno, para que a “Via da Missão” efetivamente iniciasse a pregação do evangelho na nossa pátria, conforme a visão batista. Nossas origens segundo a “via da missão” começam a ser discutidas a partir do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

27.      A “VIA DA MISSÃO”

“Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”. (Mateus 28:19-20)

O Artigo XI do texto “Fé e Mensagem Batistas”, publicação da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos (CBS), afirma sob o título “Evangelismo e Missões”:

“É dever e privilégio de todo seguidor de Cristo e de cada igreja do Senhor Jesus Cristo esforçar-se para fazer discípulos de todas as nações. O novo nascimento do espírito do homem pelo Espírito Santo de Deus significa o nascimento do amor pelos outros. O esforço missionário da parte de todos apoia-se em uma necessidade individual da vida regenerada e é expressa e repetidamente ordenada nos ensinos de Cristo. O Senhor Jesus Cristo ordenou a pregação do evangelho a todas as nações.”

Obedecendo a essa ordem do Senhor Jesus Cristo, a CBS dos Estados Unidos enviou seus missionários ao Brasil, conforme já estudado. Antes, porém, precisamos realçar a atuação de Alexandre Travis Hawthorne, um advogado bem-sucedido que havia se alistado no exército sulista durante a guerra. No dia 31/08/1867 deve ter ocorrido sua chegada ao Brasil, antes da grande imigração para Santa Bárbara.  Tendo saído da guerra com a patente de general, Hawthorne veio para cá recomeçar a vida, sendo aqui muito bem recebido, estabelecendo-se no sul da Bahia. Após algum tempo no Brasil, com a mudança da situação política em sua terra, ele voltou aos Estados Unidos, mas lá enfrentou um drama pessoal, com a morte de sua única filha, fato que o levou a voltar-se para Deus, convertendo-se e tornando-se um pregador. Recordando a maneira como tinha sido tratado no Brasil, Hawthorne tornou-se propagandista do envio de missionários à nossa terra, tendo-se tornado membro de uma comissão destinada a opinar sobre a abertura de trabalho missionário no Brasil. Na Assembléia da Convenção Batista do Sul, em Lexington, no ano de 1880, Hawthorne apresentou como relator um parecer, do qual foi extraído o seguinte trecho:

            "A evangelização desse maravilhoso país é obra de vasta magnitude, O império do Brasil é tão grande como os Estados Unidos e todos os seus territórios, excluindo o Alasca, tem uma população de cerca de dez milhões. Vasta como pareça a obra, é ainda possível realizá-la, e oferece muitas oportunidades e facilidades. A vossa comissão está plenamente persuadida de que a obra, embora grande, pode ser feita e é encantadora. Segundo nossa opinião, não há outro país ao alcance dos trabalhos missionários que seja mais convidativo ou que ofereça resultados maiores e mais prontos, com igual dispêndio de dinheiro e esforço. São numerosas e facilmente identificáveis as vantagens que esse campo oferece e também as razões que devem estimular nosso coração a abrir nosso bolso a esse serviço. "
           
Fez mais o general Hawthorne: contatou pessoalmente Anne Luther Bagby, convencendo-a de que o Brasil era um campo necessitado, a tal ponto que ela, decidida pelo Brasil, diz em um dos seus textos: "Eu estou disposta a ir sozinha e esperar por uma decisão do noivo". Babgy também foi procurado pelo general, tendo constatado que o missionário, desde sua infância, estava interessando no Brasil, esperando vir a conhecer a cidade do Rio de Janeiro e o Rio Amazonas. Zachary Clay Taylor, amigo e colega de pastorado de Bagby, também desejava ser missionário no Brasil; em suma, Deus já havia preparado o ambiente para as ações do general. Assim sendo, Anne e Babgy apresentaram à Junta de Richmond seu desejo de virem trabalhar como missionários no Brasil.
            As ações se precipitaram: o casal se uniu em outubro de 1880, foram convocados pela Junta em dezembro e embarcaram para o Brasil em janeiro de 1881, com destino ao Rio de Janeiro; chegaram quarenta dias após, em 2 de março de 1881. Zachary Clay Taylor e Kate Stevens também, após vários eventos ocorridos, tiveram suas vidas direcionadas para virem ao Brasil: casaram-se em dezembro de 1881, em cerimônia oficiada por Hawthorne; foram nomeados pela Junta de Richmond em janeiro de 1882; embarcaram para o Brasil no mesmo mês, aqui chegando em março de 1882.
            No Brasil, os dois casais estiveram em Santa Bárbara para contato com os batistas norte-americanos que lá residiam, tendo solicitado suas cartas para a primeira igreja organizada. Em Campinas, a pouco mais de cinquenta quilômetros de distância, os presbiterianos haviam fundado um colégio e os Bagby e os Taylors se mudaram para lá, para poderem estudar e conhecer a língua portuguesa. Juntos em Campinas para o aprendizado do português, os dois casais, Bagby e Taylor, auxiliados ainda pelo ex-padre Antônio Teixeira de Albuquerque, procuravam descobrir que cidade brasileira seria a indicada para fundação da primeira igreja batista nacional; pensavam em uma grande cidade, onde os evangélicos não houvessem ainda chegado ou tivessem desenvolvido pouco trabalho. Como a história registra, Salvador, a segunda cidade do Brasil em população (na época com cerca de 250 mil habitantes), foi a escolhida. Informa-nos Reis Pereira que, num relatório enviado à Junta de Richmond, Bagby expôs as razões por que Salvador foi escolhida:

“Era uma cidade bastante populosa. Era também bastante povoada a região que cercava a cidade. Era ligada por mar com outros pontos importantes e também ligada a cidades e vilas do interior pela baía, pelos rios e por duas linhas de estrada de ferro. Era um campo quase desocupado: enquanto no Rio havia seis ou oito missionários de outras Denominações evangélicas, na Bahia havia apenas dois presbiterianos. Além disso, aparen­temente não havia qualquer obreiro nacional na Província da Bahia, enquanto no Rio de Janeiro e em S. Paulo havia, além de missionários, bom número de obreiros nacionais”.
           
No dia 31 de agosto de 1882, doze pessoas chegaram a Salvador: os três casais, além de Ermine (filha de Bagby), quatro filhos de Teixeira e uma empregada. Uma casa pequena foi alugada, “onde as três famílias se instalaram, cada uma num quarto, sendo de uso comum a cozinha, a sala de jantar e a sala de visitas”. Três meses depois, foram para uma casa mais adequada, um antigo Colégio de Jesuítas situado na rua Maciel de Baixo, tendo ocupado o quarto andar da construção, lugar espaçoso para as três famílias, dispondo de um salão com capacidade para 200 pessoas sentadas, além de duas outras salas que serviriam para livraria e escola. Assim alojados e conseguidos os bancos para receber os visitantes, os cultos começaram.
            Assim, foi organizada a 1ª Igreja Batista brasileira no dia 15 de outubro de 1882, com cinco membros fundadores: o casal Bagby, o casal Taylor e o ex-padre Teixeira de Albuquerque. Senhorinha Teixeira, esposa de Albuquerque, na época ainda estava ligada à igreja metodista, tendo sido batizada e aceita com membro da igreja apenas em junho de 1883. “Centelha” traz cópia da “Acta Primeira da Secção de Installação da Primeira Igreja Baptista na Cidade da Bahia”, reunida em um lugar chamado Canella, às 10 horas da manhã, assinada por “membros da Igreja Baptista de Santa Bárbara”, ata essa da sessão secretariada por Antônio Teixeira de Albuquerque. 
            E após o início, o que aconteceu? É o assunto do próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

28.      MISSÕES E MISSIONÁRIOS

“Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.”
Isaías 53:4-5

Nos primeiros anos do trabalho batista no Brasil, a expansão inicial dependeu quase que exclusivamente dos missionários estrangeiros, principalmente aqueles que foram enviados inicialmente pela Junta de Richmond, órgão responsável por missões na Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos. Reis Pereira dedica todo um capítulo à biografia de seis grandes missionários, iniciando com os dois iniciais já mencionados, William Buck Bagby (que passou 58 anos de sua vida em trabalho no Brasil) e Zachary Clay Taylor (que entre nós trabalhou por 27 anos). Ainda ligados a Richmond, existe a menção de W. E. Entzminger e J. J. Taylor. Dois outros nomes citados não são de missionários norte-americanos.
O sueco Eurico A. Nelson, cujo nome original era Erik, fugiu com sua família da Suécia para os Estados Unidos para escaparem de perseguição da igreja oficial do país, a luterana, após a família ter-se tornado batista. Após vida jovem cheia de aventuras nos Estados Unidos, tendo casado com uma moça também de descendência sueca, Nelson sentiu vocação missionária e veio para o Brasil, mesmo sem envio oficial da igreja norte-americana, acabando por tornar-se o grande “Apóstolo da Amazônia”, região onde passou grande parte do seu ministério missionário. Foi o fundador, entre outras, da 1ª Igreja Batista de Belém e da de Manaus, ainda no século XIX. 
O outro nome citado pelo historiador do centenário foi o de Salomão Luiz Ginsburg, o “Judeu Errante”. Nascido em uma família israelita que morava na Polônia, viveu em vários lugares, até chegar à Inglaterra. Sua curiosidade foi despertada para o entendimento de Isaías 53, capítulo no qual o profeta fala da vinda do “servo sofredor”, profecia messiânica que se inicia com as seguintes palavras:
“Quem deu crédito à nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do Senhor? Porque foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca; não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa aparência nele, para que o desejássemos. Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum.” (Isaías 53:1-3).
A pregação de um pastor que discorreu sobre o texto foi seu primeiro contato com o evangelho, ao qual se converteu posteriormente, fato que lhe rendeu humilhações e perseguições por parte da família e de outros judeus residentes em Londres. Após apoio recebido por irmãos cristãos de várias denominações, acabou por vir ao Brasil já consagrado como ministro do evangelho na Inglaterra, numa cerimônia da qual participaram pastores de várias igrejas, inclusive o batista Hudson Taylor. O convite para vir para o nosso país partiu de Sara, esposa de Robert Kalley, os organizadores da primeira congregação evangélica em território nacional, a Igreja Congregacional, conforme já mencionado anteriormente. Seu envolvimento com os batistas tornando-se um deles está ligado à nossa história e vai ser abordado com mais detalhes no fascículo dedicado ao “Cantor Cristão”.
Após a biografia nos nossos seis bravos pioneiros, Reis Pereira aponta dez aspectos relevantes da influência do seu trabalho no nosso início batista:
·         Amor à evangelização
·         Piedade pessoal de cada um
·         Amor pela Bíblia
·         Valor dado por eles para a imprensa na divulgação das ideias
·         Importância da música
·         Preocupação com o preparo de obreiros nacionais
·         Preocupação com a educação secular
·         Investimento na correção de vida dos novos convertidos
·         Disciplina “eclesiástica”
·         Firmeza na ortodoxia e na doutrina dos pioneiros.
Conforme palavras do historiador, “foram, realmente, heróis da fé que deixaram para os batistas brasileiros precioso legado”.
O trabalho batista no Brasl dependeu realmente da vinda e do empenho de um grande número de missionários, principalmente na sua fase inicial, quando não contávamos ainda com instituições e obreiros nacionais vocacionados e preparados para a obra, coisa que foi acontecendo aos poucos. Registramos aqui neste fascículo apenas os nomes e a contribuição de alguns, sem condições de ampliação do assunto, dada a limitação de espaço e o objetivo concentrador de conteúdos desta obra.
Entre os missionários e pioneiros da obra batista no Brasil, destaca-se o nome de Antônio Teixeira de Albuquerque, o primeiro pastor brasileiro consagrado para a obra no nosso país. Este é o assunto do próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

29.      ALBUQUERQUE: PRIMÍCIA BATISTA NO BRASIL

“Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem.” 1 Timóteo 2:5

Iniciado por norte-americanos para manutenção da própria fé após a Guerra Civil Americana, o trabalho batista no Brasil viria a colher seu primeiro fruto através da vida de Antônio Teixeira de Albuquerque. Quem foi esse homem?
Albuquerque nasceu em Maceió, estado de Alagoas, em 1840, dentro de uma família católica, conforme a esmagadora maioria da população brasileira da sua época. Depois dos estudos preliminares essenciais, foi aluno no Seminário Católico de Olinda, Pernambuco, onde se ordenou sacerdote católico romano, iniciando seu ministério na sua terra natal. Alma inquieta, não acomodada a práticas e dogmas da igreja sem cogitação, desde cedo teve sua atenção despertada para a leitura da Bíblia, tendo tido acesso a um exemplar em italiano. Na sua época, já com as primeiras igrejas protestantes presentes no país em forma incipiente, levantou-se no clero católico uma polêmica contra a “Bíblia falsa” usada pelos não-católicos. Albuquerque procurou na Bíblia evidências para a questão, buscando examinar originais gregos da Palavra de Deus e chegando à conclusão de que a Bíblia usada pelos outros grupos era a mesma dos católicos. O conhecimento da verdade fez com que suas convicções de fé fossem abaladas, percebendo ele que alguns dogmas e práticas católicos não estavam de acordo com o que lia nas Escrituras. Três questões principalmente foram por ele levantadas, já que não via respaldo bíblico para elas: a celebração da missa (principalmente o dogma da transubstanciação), o celibato obrigatório dos sacerdotes e a confissão auricular de pecados com a consequente absolvição do pecador pelo padre confessor após a repetição das rezas impostas. Estas três questões tornaram-se o tema de um livreto que Albuquerque escreveria mais tarde, com o título de “Três razões por que deixei a igreja de Roma”.
Já na situação de ex-padre, Antônio Albuquerque não teve clima para continuar vivendo em Alagoas, devido às pressões sofridas por parte de familiares, amigos e mesmo do catolicismo. Na companhia de uma amiga dos tempos de infância e juventude, de nome Senhorinha Francisca de Jesus, ele fugiu para o Recife, onde, por volta do ano 1878, acabou se casando numa igreja presbiteriana com a moça, que passou a se chamar Senhorinha Teixeira. Na cidade, teve oportunidade de convivência com Wandragésilo Melo Lins, seu conterrâneo e pregador brasileiro do evangelho ligado aos batistas .
Entre o seu casamento com Senhorinha e a integração no meio batista, passaram-se quase dois anos, conforme nos informa Betty Antunes no “Centelha”. Nesse período, o casal passou pelo Rio de Janeiro, vindo para a região próxima a Santa Bárbara, com passagens por Piracicaba e Capivari. Albuquerque teve contato com presbiterianos, congregacionais e metodistas, tendo Senhorinha inicialmente sido aceita na Igreja Metodista, com ter sido batizada quando criança no catolicismo. “Teixeira, por convicção, escolheu ser batista”, conforme informa a historiadora já mencionada, tendo entrado em contato, após o mês de junho de 1879, com os batistas de Santa Bárbara. Demonstrando sua fé em Cristo e real conversão, Antônio Teixeira de Albuquerque foi batizado pelo pastor Robert Porter Thomas, no dia 20 de junho de 1880, sendo também consagrado ao ministério pastoral no mesmo dia pelo próprio pastor Thomas e por Elias Hoton Quillin, na ocasião pastor da Igreja Batista de Santa Bárbara. Na primeira igreja batista organizada no Brasil, Albuquerque foi o primeiro brasileiro a se tornar batista pelo batismo e o primeiro pastor consagrado na nossa terra. É bom realçar que, nas igrejas protestantes nas quais o batismo infantil foi mantido após a reforma, a doutrina de convicção do pecado e conversão a Cristo fica, muita vezes, desfocada, já que a aceitação de uma pessoa como membro da igreja se dá pelo batismo, encarado como sacramento. Senhorinha Teixeira, esposa de Albuquerque, que se tornara membro de uma igreja metodista, somente chegaria a tal convicção e decisão quase um ano após a organização da igreja de Salvador, tendo feito sua profissão de fé e sido batizada em junho de 1883.
Conta a história que o casal teve seis filhos, um dos quais, Pedro Teixeira de Lima, foi eminente pregador e evangelista batista.
Como se sabe, Antônio Teixeira de Albuquerque foi o único brasileiro arrolado como membro fundador da primeira igreja batista em Salvador, na Bahia, em 1882. Auxiliando aquela igreja como pregador e pastor, com o crescimento do trabalho, teve ele a oportunidade de pregar o evangelho não somente na Bahia, mas também na sua terra natal, tendo participado da organização da 1ª Igreja Batista de Maceió no dia 17 de maio de 1885, integrando, com sua esposa e filho mais velho, um total de dez membros fundadores. Registram os anais históricos que “seu idoso pai”, bem como sua mãe, contando 72 anos de idade na ocasião, foram batizados no ao seguinte. Conforme afirma “Centelha em Restolho Seco”, “de acordo com o Dr. John Mein, o Rev. Teixeira teve  a grande alegria de batizar os seus pais”.
Muito mais existe a ser conhecido sobre o servo de Deus que foi o primeiro ex-padre a se tornar batista no Brasil. Outros casos semelhantes ao dele ocorreriam na nossa história, homens que, como Rafael Gióia Martins, Anibal Pereira Reis e outros, iniciados num ramo idolátrico do cristianismo, vieram a entender que existe um só mediador entre Deus e os homens, a saber, Jesus, o Cristo enviado por Deus ao mundo como Salvador. Albuquerque viveu quarenta e sete anos de vida neste mundo, tendo deixado entre os batistas uma obra e um exemplo de fé e coragem na vivência e defesa da fé cristã genuína, neotestamentária e apostólica pregada pelos batistas. Retirando-se para o local chamado Rio Largo, em Alagoas, a conselho medico, com a saúde debilitada, Antônio Teixeira de Albuquerque faleceu no dia 7 de abril de 1887. Em maio do mesmo ano, um mês após seu falecimento, a publicação batista “Echo da Verdade” publicaria, sob o título “Um só mediador”, aquele que seria o último artigo de Albuquerque sua ultima declaração de fé. No texto, entre outras coisas, diz o autor: “Jesus Cristo é o único mediador para a salvação. (...) Portanto, as mediações ou intercessões que a Igreja de Roma ensina que se devem fazer aos santos e às imagens não podem salvar”. Possa sua vida e a fé por ele demonstrada, ainda no século XIX, servir de edificação para as nossas vidas e ações neste século XXI, no qual o paganismo, a idolatria, as heresias e principalmente o egoísmo humano têm combatido nossas bases doutrinárias, minando muitas vezes a fé cristã e mesclando-a com misticismos de várias origens. Que a fé no Deus único e em Cristo Jesus como único caminho de reconciliação entre nós e Ele sejam a base da nossa religião, da nossa religação com o Criador de todas as coisas, é a nossa oração.
Perseguições sempre fizeram parte da história da igreja e não poderia ser diferente no Brasil. No próximo segmento, veremos quais foram as dificuldades iniciais dos nossos pioneiros.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

30.      OS BATISTAS BRASILEIROS E A PERSEGUIÇÃO

"Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa os insultarem, perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês.”  Mateus 5:11

Para a constituição do rol de membros da igreja batista de Salvador, na Bahia, a primeira fundada para brasileiros, foram solicitadas as cartas demissórias dos dois casais de missionários norte-americanos da 1ª Igreja de Santa Bárbara, enquanto Antônio Teixeira de Albuquerque teve sua carta solicitada da Igreja Batista da Estação. Não havendo número de membros para se pensar em uma diretoria mais abrangente, Bagby foi escolhido como moderador e Albuquerque como secretário. Como confissão de fé, a igreja adotou a de New Hampshire, a mesma que seria posteriormente adotada pela Convenção Batista Brasileira, organizada 25 anos após. Sobre os cultos iniciais da igreja, informa-nos o historiador Reis Pereira:

            “Os cultos no salão da Rua Maciel de Baixo eram, a princípio, bem frequentados, mercê da curiosidade do povo. Bagby pregava nos cultos de domingo pela manhã e Teixeira pregava nos da noite, que eram, em geral, mais concorridos. Taylor, que não sabia ainda falar direito a língua portuguesa, ficava à porta atendendo aos visitantes.”

Jesus foi o primeiro a sofrer perseguições, já que ele personificava o próprio evangelho, as boas novas de salvação para todos os homens. Após Jesus, a Igreja foi perseguida por cerca de três séculos, com o martírio de muitos crentes por sua fé em Cristo. A perseguição romana apenas cessou com Constantino no início do século IV, quando ele criou leis que favoreceram a liberdade de culto, e com Teodósio, imperador romano responsável pela oficialização do Cristianismo como religião do império. A partir daí, a Igreja mudou de posição, passando de perseguida a perseguidora, tendo Roma combatido e exterminado muitos grupos dissidentes que ousaram confrontar suas heresias. Segundo o historiador A. H. Newman, em sua obra “Um manual da história da Igreja”, o Cristianismo “ficou tão forte que acabou oficializado, e tão corrupto que se regozijou com essa oficialização”. Essa situação de perseguição continuou até a Reforma Protestante e mesmo depois, como mostra a fuga da família Nelson da Suécia para os Estados Unidos por causa da igreja luterana oficial daquele país naqueles dias. A Igreja Batista Brasileira não poderia ser poupada, pois, de perseguição, principalmente no seu início, ainda no Brasil monárquico com a Igreja Católica como oficial, e mesmo no início da república, numa fase inicial de transição constitucional.
Partindo de uma situação de intolerância total para com todas as igrejas fora do catolicismo romano, historicamente a opressão religiosa no Brasil começou a mudar muito lentamente, no início com D. João VI que, em 1810, assinou tratado com os ingleses permitindo liberdade para a construção de capelas que não tivessem a aparência externa de templos, ampliando-se a abrangência com a constituição a partir de D. Pedro I, que estendeu a permissão aos colonos luteranos alemães no Sul. Outro fato que trouxe grandes problemas aos evangélicos na vinda para o Brasil foi o registro de nascimentos, casamentos e a realização de sepultamentos de seus mortos, eventos dominados pela Igreja Católica. Na época, não havia o casamento civil e a única união reconhecida era a religiosa, celebrada por sacerdotes católicos. Por tudo isso, segundo o nosso historiador, “todos os grupos evangélicos sofreram a intolerância do clero católico”.
Ainda no século XIX, na Bahia, Bagby e Taylor foram perseguidos e sofreram fisicamente, além de terem enfrentado a prisão por atos como pregação, batismos e casamentos realizados em público, coisa que a lei da época (década de 1880) não permitia e a Igreja Católica combatia. Já no século XX, as perseguições aconteceram principalmente em três estados: Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco. Após o início na Bahia, com fatos já mencionados de violência contra a fé conforme pregada pelos batistas, a segunda igreja criada foi a da cidade do Rio de Janeiro, de onde o trabalho começou a se expandir para o interior do estado. Após expansão inicial, Salomão Ginsburg e seus companheiros sofreram oposição na forma de vaias, pedradas e outros atos de violência, principalmente em São Fidelis, Macaé e Campos.
Houve uma tentativa inicial de evangelização em Minas Gerais na cidade de Juiz de Fora, igreja organizada em 1889 pelo missionário Charles Daniel, numa iniciativa da 1ª Igreja Batista do Rio de Janeiro. Após avanços e recuos experimentados no seu início, o trabalho foi retomado, tendo atuado ali outro missionário, H. E. Soper. Em um culto ao ar livre realizado em frente à estação da Estrada de Ferro, houve um apedrejamento, tendo o culto sido realizado apenas pela persistência de Soper na busca de apoio das autoridades, sendo o restante dos trabalhos garantidos pela presença de dez soldados armados de espadas.
Os fatos mais graves de perseguição inicial narrados no livro do centenário se referem ao estado de Pernambuco, onde a primeira igreja do Recife havia sido fundada em 1886, conforme já abordado. Reorganizada por William Edwin Entzminger a partir de 1895, o trabalho se solidificou e cresceu, não somente na capital, mas também atingindo outras cidades. Nazaré, com o trabalho batista recém-iniciado, foi um dos locais onde a perseguição aconteceu, tendo tido sua casa de cultos incendiada por ordem do padre local. O trabalho em Nazaré e em outras cidades somente pôde ter continuidade porque Entzminger conseguiu audiência com Barbosa Lima, o Presidente do Estado (título dado na época ao Governador), que enviou contingente de soldados armados para garantir a ordem durante os trabalhos. O sucessor do governante, porém, que favorecia o catolicismo, acirrou novamente os ânimos da perseguição. Outros fatos lamentáveis, envolvendo perseguição e mortes, ocorreram também em outras cidades, como Cachoeira e Bom Jardim.
A existência de uma “religião oficial” tem sido causa de muitas perseguições ao longo da história da igreja e isto atingiu os batistas, principalmente no seu início. No próximo segmento, será abordado o avanço do trabalho batista no Brasil até o final do século XIX.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

31.      O BRASIL BATISTA NO SÉCULO XIX

“Façam tudo para conservar, por meio da paz que une vocês, a união que o Espírito dá. Há um só corpo, e um só Espírito, e uma só esperança, para a qual Deus chamou vocês. Há um só Senhor, uma só fé e um só batismo. E há somente um Deus e Pai de todos, que é o Senhor de todos, que age por meio de todos e está em todos”. Romanos 4.3-6.
           
Em 1884, dois anos após o início das atividades, grande era o progresso do trabalho batista na Bahia. Zachary Taylor já pregava com facilidade em português. Albu­querque continuava a ser um valioso colaborador e a igreja havia chegado aos 25 membros. Assim, os dois missionários acharam conveniente uma separação, a fim de atender a outro grande centro. Belém do Pará e o Rio de Janeiro foram objeto de consideração e, finalmente, o Rio foi escolhido. Taylor preferiu continuar na Bahia e assim Bagby desceu para o Rio de Janeiro, aonde chegou em 24 de julho de 1884. Ali, no dia 24 de agosto do mesmo ano, foi organizada a segunda Igreja Batista Brasileira, a 1ª do Rio. A 1ª de Maceió foi organizada em 17/05/1885, por liderança de Antônio Teixeira de Albuquerque; e a 1ª do Recife em 04/04/1886, num trabalho conjunto do missionário Charles D. Daniel, recém-chegado de Richmond, e Wandragésilo Melo Lins, um obreiro nacional. Outras frentes foram criadas em seguida: 1ª de Campos, , em 1891, por Bagby, que também criou a 1ª de Niterói em 1892, ambas no Estado do Rio de Janeiro. A 1ª igreja de Belo Horizonte foi organizada em 1897 por Bagby e Taylor. A 1ª de São Paulo surgiu em 1899, por iniciativa de J. J. Taylor e J. L. Downing, com o auxílio das jovens Stenger e Wilcox, missionárias norte-americanas que vinham de trabalhos realizados em Minas Gerais.
            Aproximando-se o final do século XIX, com a Proclamação da República, a situação começou a mudar e novas perspectivas se abriram para o evangelho no Brasil. As perseguições, no entanto, prosseguiam, agora, porém, sem o respaldo oficial. Os batistas já contavam com oito igrejas organizadas, dois pastores brasileiros e 312 membros nas igrejas. Novas unidades foram sendo fundadas em capitais brasileiras receptivas ao evangelho. O trabalho crescia e os batistas se espalhavam pelo território brasileiro. No extremo norte do país, com o trabalho de Eurico Nelson, foi fundada a Primeira Igreja de Belém do Pará, em 1897 e a Primeira Igreja Batista de Manaus em 1900.
            Houve consagração de pastores brasileiros a partir da Bahia desde o final do século XIX. Com igrejas sendo implantadas e jornais começando a circular no campo das igrejas brasileiras, os batistas começaram a abrir outras frentes de trabalho e o campo da educação começou a ser buscado, com a fundação de escolas de pequeno porte em Campos, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. O primeiro colégio batista foi o da Bahia, com o nome inicial de Colégio Americano Egidio, graças ao apoio decisivo do capitão Egídio Pereira de Almeida, posteriormente denominado “Egídio-Taylor”, contando com o apoio de Laura B. Taylor. Criado em 1898 em Salvador, foi posteriormente transferido para Jaguaquara, interior do estado, em 1922.
            Em 20 de junho de 1892, realizou-se em Niterói, na residência do casal Bagby, o primeiro encontro de missionários batistas acontecido no Brasil, com o comparecimento dos casais Bagby, Taylor, Downing, Soper, Entzminger e Ginsburg, além de Emma Morton. Sobre essa reunião, assim disse Reis Pereira:

            “Fizeram um planejamento geral do trabalho missionário e uma distribuição dos novos missionários chegados: os Taylor ficaram no Rio, os Downing foram para Minas, os Entzminger para Pernambuco e os Ginsburg deveriam transferir-se da Bahia para Niteroi. Tratou-se também da abertura do trabalho no Estado do Espírito Santo.”

Novas igrejas foram fundadas até o final do século XIX, em várias cidades, além das capitais, nos estados da Bahia, Alagoas, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro (estado onde os batistas muito se desenvolveram em um trabalho abrangente, fato mantido até hoje). Resumindo o panorama batista até o final do século XIX, dez capitais brasileiras haviam sido atingidas (Salvador, Rio de Janeiro, Maceió, Recife, Niteroi, Belém, Natal, Belo Horizonte, São Paulo e Manaus), além de mais 25 igrejas em cidades do interior, levando o total de membros das igrejas batistas a cerca de 1.500.
            Foram estes os eventos dos primórdios batistas, acontecimentos do século XIX que marcaram o início das atividades da denominação entre nós. A partir do próximo segmento, serão abordados os eventos a partir do século XX.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

32.      A CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA

“Irmãos, (...) esquecendo-me das coisas que atrás ficam e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” Filipenses 3:13-14

Conforme afirma a Introdução da Declaração Doutrinária da CBB, baseados no princípio da cooperação voluntária das igrejas, “os batistas ... realizam uma obra geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos modernos; de evangelização, de educação teológica, religiosa e secular; de ação social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto, autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como sugestões ou apelos.”
Assim sendo, como já havia acontecido no início batista na Inglaterra, no desdobramento da obra nos Estados Unidos e em outros países do mundo, também no Brasil houve uma iniciativa, no começo do século XX, para a organização da Convenção Batista Brasileira, que reunisse os esforços das igrejas já organizadas e daquelas que ainda viriam a existir. Segundo Reis Pereira, Salomão Ginsburg foi o nosso primeiro líder a pensar no assunto, tendo apresentado a ideia ainda no século XIX, em 1894, numa época prematura para a sua realização. Foi então organizada uma Convenção de igrejas da cidade do Rio de Janeiro, do Estado do Rio e de Minas. Uma década após a ideia inicial, duas outras convenções estaduais haviam sido estabelecidas, uma em São Paulo e outra em Pernambuco, além de já existir em circulação "O Jornal Batista. Arthur Beriah Deter, um novo missionário norte-americano recém-chegado, retomou então a iniciativa de Ginsburg, reinicindo a discussão do assunto. Deter e Entzminger foram figuras de destaque com relação ao assunto e debateram-no várias vezes. Envolvendo-se ainda participação de Zacarias Taylor e Salomão Ginsburg, na Bahia e de Bagby, na época em São Paulo, decidiu-se finalmente que a Convenção deveria ser organizada em 1907, por ocasião dos primeiros vinte e cinco anos do início do trabalho batista no Brasil, sendo o lugar escolhido a Bahia, onde fora fundada primeira a igreja. Diz Reis Pereira:

"’O Jornal Batista’ se encarregou da promoção, mostrando, assim, sua importância como transmissor de idéias ao público batista. Eurico Nelson, o mais afastado, comunicou que viria lá de Manaus, para estar presente ao grande acontecimento.”

Quarenta e cinco mensageiros enviados por igrejas e organiza­ções reuniram-se numa segunda-feira, 22 de junho de 1907, no antigo prédio do Aljube, para a abertura solene da primeira Assembleia da Convenção Batista Brasileira. Com o salão completamente lotado de visitantes e a presença inclusive de autoridades, Bagby demonstrando deu início à reunião, como presidente provisório. Anos mais tarde, a emoção sentida no momento, ele afirmaria: "Na primeira noite da reunião, quando vi que tudo estava literalmente cheio, a grande sala, as portas e janelas, o pátio ao redor do prédio, reconheci a grande diferença entre aqueles dias e o princípio do nosso trabalho naquela cidade. Eu dizia ao meu companheiro: 'Taylor, vê como tudo está cheio, como o povo vem ver o nosso trabalho. Oh! Taylor, que maravilha!'"
O Livro de Ouro da CBB registra uma mensagem escrita por May S. Deter, esposa de A. B. Deter, na qual ela se refere ao Aljube, edifício onde a Convenção foi organizada:

“Este edifício tinha sido mercado onde se vendiam escravos nos tempos passados. No pátio havia uma árvore onde antigamente amarravem-se os escravos desobedientes para ali os surrar até que o sangue corresse no chão. Agora, debaixo daquela árvore, havia o batistério da igreja, e os que haviam sido escravos do pecado, agora libertos pelo sangue de Jesus, eram sepultados naquelas águas para levantar e andar em novidade de vida.”

A primeira diretoria eleita na ocasião era a seguinte: Presidente, Francisco Fulgêncio Soren; 1º Vice-presidente, Joaquim Fernandes Lessa; 2º Vice-presidente, João Borges da Rocha; 1º Secretário, Teodoro Rodrigues Teixeira; 2º Secretário, Manuel I. Sampaio; Tesoureiro, Zacarias C. Taylor. O trabalho missionário no exterior era uma das prioridades da Convenção, sendo mencionados Portugal, Chile e a África como possíveis alvos iniciais dos batistas brasileiros. Criaram-se então as Juntas de Missões Nacionais e a de Missões Estrangeiras. Eram batistas apenas 4.200 pessoas, distribuídas por 83 igrejas. Outras Juntas criadas foram a da Casa Publicadora, a de Escolas Dominicais, a de União da Mocidade Batista, além de outra para as áreas de Educação e Seminário.
Outras assembleias convencionais se seguiram, sendo que, na Convenção de 1908, por exemplo, as senhoras fundaram a União Missionária de Senhoras Batistas do Brasil, tendo sido eleita Graça Entzminger como sua primeira presidente. Foge ao âmbito sintetizador desta coleção a possibilidade de acompanhar mais de cem anos de existência da CBB. Lutas, dificuldades, mas também vitórias e motivos de júbilo aconteceram neste período, parte disso caracterizada pelas “aflições” que Cristo disse que seus seguidores teriam neste mundo.

“Buscamos ser uma igreja que irradia apaixonadamente a glória de Deus, praticando o seu amor e proclamando a alegria da vida eterna em Jesus Cristo a todos os povos, fazendo com fidelidade bíblica e relevância cultural, no poder do Espírito Santo.”

Esta é a mensagem publicada semanalmente nos boletins da Igreja Batista Central de Campinas, uma das milhares de igrejas afiliadas à CCB. O século XXI chegou, com seus novos desafios a exigir da igreja, como um corpo, e de seus membros individualmente, uma atuação cristã que siga os preceitos bíblicos e seja relevante culturalmente para os tempos em que vivemos. Que este seja o lema a nortear as igrejas batistas e sua convenção neste “mundo de águas turbulentas” no qual precisamos atuar!
Entre as inúmeras lembranças relacionadas à organização da Convenção Batista Brasileira, a entrega à denominação do Cantor Cristão foi uma das mais marcantes, razão pela qual o assunto será desenvolvido no próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

33.      O CANTOR CRISTÃO

“Cantai ao SENHOR um cântico novo, cantai ao SENHOR toda a terra. Cantai ao SENHOR, bendizei o seu nome; anunciai a sua salvação de dia em dia.”Salmos 96:1-2

O povo batista é conhecido por muitas marcas, mas uma delas é, sem dúvida, seu apego à música sacra. Embora os batistas não cantassem no culto nas primeira décadas de sua história, parece que, após Benjamin Keach, o gosto pelo cântico congregacional, coral, em pequenos grupos, na forma de solos ou mesmo a execução de hinos em diversos instrumentos tem crescido com o tempo, atingindo os nossos dias.
Na trajetória batista no Brasil, uma das marcas de maior relevo no trabalho da denominação tem sido, sem dúvida, o Cantor Cristão. Entregue à Convenção em uma assembléia realizada em Campos, Estado do Rio, por Salomão Ginsburg, o Cantor Cristão tem uma história que merece ser lembrada. Na época em que foi publicado pela primeira vez, já existiam os Salmos e Hinos, uma coleção de hinos evangélicos, publicada pela primeira vez em 1861 pelos congregacionais. Lembra Reis Pereira que Salomão Ginsburg “era ainda congregacional, em 1891, quando publicou, com o título Cantor Cristão, uma primeira coleção de 16 hinos”. Lembra ainda que, no mesmo ano, já batista, Ginsburg publicou a 2ª edição, com 23 hinos, alcançando em 1921 a 17ª edição, contando com 571 hinos, dos quais 102 tinham suas letras escritas ou traduzidas pelo próprio Salomão. J. Reis Pereira lembra o fato curioso que, “em muitos lugares, especialmente no Nordeste, o próprio povo inventava a música dos hinos, por desconhecer-lhes a melodia”, antes que fosse publicada a primeira edição com partitura. Isto aconteceu em 1924, tendo a publicação contado com a decisiva colaboração do pastor Ricardo Pitrowisky, servo de Deus dotado de dons musicais, autor de vinte e três hinos do hinário. É forçoso concordar com o historiador quando diz que “não é possível avaliar o que tem sido o Cantor Cristão na edificação dos crentes e na evangelização dos não-crentes”, lembrando ainda que “seus hinos, cantados e decorados pelo povo batista, têm sido notáveis na edificação dos fiéis e na divulgação da mensagem evangélica”.
Durante a sua existência, o Cantor Cristão passou por várias reformulações, numa necessidade de adaptação a novas regras ortográficas das letras, além de mudanças na harmonia das músicas e outras inovações que se impuseram, numa tentativa de adequar o hinário a novos tempos e novas tendências. No entanto, o tempo, na sua trajetória inexorável, impõe novos rumos às atividades humanas, e a igreja está sujeita a essas inovações na arte da música. A Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção Batista Brasileira (JUERP) elaborou e entregou à denominação, em dezembro de 1990, o “Hinário para o Culto Cristão”, celebrando o centenário do Cantor Cristão, conforme afirma a Apresentação do hinário A nova coletânea é composta de 613 hinos, que mesclam “os hinos mais tradicionais, conhecidos e cantados do hinário que nos serviu por cem anos”, com nova roupagem musical, estilística, melhora gramatical e estética, “alem de aduzir a obra quase duas centenas de hinos e cânticos de autores e compositores evangélicos nacionais e internacionais de tempos contemporâneos”.
Joan Larie Sutton, coordenadora geral do projeto de criação do Hinário para o Culto Cristão, assim inicia o prefácio da publicação, chamando a nossa atenção para a importância da obra:

“O cântico reflete a fé, as tradições, os valores, as preferências, as doutrinas, os rumos e a espiritualidade de cada um de nós. Nosso cântico reflete quem somos e onde estamos, na peregrinação cristã. Um hinário é uma coletânea de cânticos que, além de refletir quem somos, indica o estágio em que nos encontramos nessa trajetória cristã. Além disso, prevê quem seremos e medirá, no percurso, nossa estatura espiritual. O formato, o estilo e a disposição do conteúdo de um hinário definem os dias e a época de seu uso.”

Embora usada pela Igreja, música é arte humana e, como tal, admite posicionamento de apreciação, como as demais obras artísticas. Admitiu inclusive que, historicamente, servos de Deus se colocassem contrários ao seu uso no culto cristão, por diversas razões. No entanto, devemos louvar ao Criador de todas as coisas pelos dons que ele outorgou a seus servos, principalmente neste aspecto, pelo dom da composição musical e da poesia da letra, pois isto permite que encerremos esta reflexão histórica sobre o louvor cristão batista com a poesia inspirada do poeta campineiro Gióia Júnior, que se junta, com a melodia do pastor Marcílio de Oliveira Filho, em um dos quase duzentos hinos novos incluídos no Hinário para o Culto Cristão, sob o número 473:
                        “Não a minha vontade, mas a tua;
                        Não são meus os caminhos, mas são teus.
                        Que eu comece uma nova caminhada,
                        Pensando segundo a vontade de Deus.”
A música como marca batista é reconhecida mesmo por outros grupos e denominações cristãs, mas existe um povo que soube assumir esta característica como algo muito marcante na sua história e na vinda como imigrantes para o nosso país. No próximo fascículo conheceremos a saga dos batistas letos no Brasil.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

34.  OS BATISTAS LETOS

Então disse Deus: "Não se aproxime. Tire as sandálias dos pés, pois o lugar em que você está é terra santa". Êxodo 4: 5

O nome “leto” indica habitante da Letônia e vem de “lett”, que significa “cavar terra”, uma alcunha que era dada aos primitivos habitantes do país pelos povos vizinhos no passado. Segundo o pastor Osvaldo Ronis no seu livro “Uma Epopéia de Fé: A história dos batistas letos no Brasil” , publicado em 1974, a Letônia foi um país que teve uma história conturbada desde seu início, com invasões de povos vizinhos, principalmente russos e alemães, fato que levou parte da população a procurar melhores formas de vida em outros países, entre eles o Brasil. Este texto apenas tenta resumir os fatos mais importantes sobre a emigração leta para o Brasil.
A Lei de 1850, que proibia o tráfico de escravos no nosso país, provocou a vinda de imigrantes, para suprimento de mão-de-obra para a agricultura. Assim sendo, a partir de 1818 chegaram suíços em Nova Friburgo, RJ, seguidos de alemães, norte-americanos, italianos, eslavos (poloneses, ucranianos, outros); a partir de 1880, holandeses e “russos” (nome comum dado na época a húngaros, lituanos e letos) começaram a vir para dar sequência aos trabalhos da agricultura, pecuária e demais serviços que eram desempenhados pelos escravos. A epopéia dos letos começa em Rio Novo, no estado de Santa Catarina, em 1890, com a chegada de 25 famílias que ali estabeleceram a primeira colônia leta. Após a primeira, dez outras levas chegaram, principalmente no estado de Santa Catarina (nove delas) e uma no Rio Grande do Sul. A causa principal da imigração apontada por Ronis foi a ocorrência de “opressões político-religiosas e condições sócio-econômicas precárias” na Letônia.
Como as distâncias, o clima e as condições de vida nem sempre eram favoráveis no sul, os letos começaram a olhar com carinho para as oportunidades oferecidas pelas terras paulistas. Foi assim que surgiu a colônia de Nova Odessa, a 11ª Colônia Leta no Brasil, em 1906. A partir de Nova Odessa, começa a surgir a figura de Júlio Malves,  segundo o pastor Ronis, “um dos elementos humanos a que mais deve a imigração leta no Brasil depois de 1905”. A história de vida de Malves começou no sul, em 1891, na colônia de Rio Novo, aonde chegou com nove anos de idade. Uma situação de saúde que o forçou a ficar acamado por um ano e meio foi o motivo que o levou a buscar novo lugar e clima para viver. A timidez pessoal de Malves não impediu sua liderança diante do seu povo, partindo de Nova Odessa, passando por Varpa e chegando a Rincon Del Tigre, na Bolívia. 
Após Nova Odessa, os letos ainda criaram colônias no Estado de São Paulo em
quatro outros lugares, até chegarem à 16ª Colônia Leta no Brasil, a de Varpa, em 1922. Foi Varpa que gerou o trabalho de Palma, cujo acervo foi doado à Convenção Batista Brasileira em 1936. A última incursão dos letos relatadas na obra foi a de “Mision Evangelica Bautista Leta” de Rincon del Tigre, que surgiu com um grupo de letos de Palma que, em 1944, deixou a colônia e fundou outra comunidade na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia, às margens do lago Gaíba, indo depois para terras bolivianas. Até nesse último ato nota-se a liderança de Júlio Malves, pois a aquisição inicial das terras naquela região foi iniciativa dele.
            A figura de Júlio Malves representa todos os integrantes iniciais e descendentes de uma raça de “cavadores de terra” que, em busca de melhores condições de vida, vieram ao nosso país e trouxeram um alento novo aos trabalhos batistas já existentes. Não foram aceitos com facilidade pelos brasileiros e pela própria Convenção de início, mas conseguiram cativar a todos com suas características marcantes de pessoas e de povo. Impressiona-nos muito a coragem, o desprendimento, a vontade de viver e de compartilhar o evangelho de Cristo demonstrada pelos letos. Chama-nos a atenção a preocupação em organizar tudo nas novas colônias, desde a vida material até o relacionamento com Deus; uma das primeiras preocupações dos letos era com o início de congregações, que evoluíram em muitos lugares para igrejas, nas quais a preocupação com as organizações internas de homens, mulheres, jovens e crianças era marcante.
Corais sempre fizeram parte da vida dos irmãos batistas, desde a Letônia, e na nova situação de vida eles sempre se faziam presentes. É tocante imaginarem-se levas e levas de letos sendo transportados por trem da capital do estado de São Paulo para a estação de Sapezal, por exemplo (a mais próxima das terras que seriam usadas para a construção de Varpa), e cantando em quatro vozes no seu idioma hinos em louvor a Deus pela abertura daquela oportunidade de vida pela qual tantos haviam sonhado. Foi significativo ler-se no livro a chegada do autor, o pequeno Ronis, com cerca de dez anos, a São Paulo, integrando a primeira leva para Varpa, bem como a primeira refeição feita pelo grupo de letos no refeitório da Hospedaria de Imigrantes de São Paulo, assim narrada de memória no livro mencionado:

Quando a primeira grande caravana, de 453 batistas letos, deu entrada no enorme salão do refeitório da Hospedaria de Imigrantes de São Paulo para a primeira refeição que lhes seria servida, ninguém tocou nos alimentos que lhes foram postos nas mesas. Os copeiros tentavam comunicar, por meio de gestos, que podiam servir-se, entretanto, os imigrantes abanavam a cabeça em sinal negativo. Os servidores não entendiam a atitude. Dentro de pouco toda a equipe do refeitório e da cozinha e de controle estava nas portas para ver o que ia acontecer. Num dado momento, depois que todos já haviam se assentado às mesas, estabeleceu-se o silêncio e uma voz de barítono, surgida de uma das extremidades do salão, iniciou o cântico de uma das mais apreciadas estrofes do repertório do canto congregacional, que todos passaram a acompanhar a quatro vozes: “Svets ir! Svets ir! Svets ir Tas Kungs! Un debess un zeme; un debess un zeme ir pilnas vina godibas!” (Santo é! Santo é! Santo é o Senhor! E os céus e a terra; e os céus e a terra estão cheios da sua glória!). Seguiu-se uma fervorosa oração, em ação de graças, a qual todos confirmaram com um AMÉM que jamais fora dito antes naquele lugar, passando-se então a servir-se do alimento. Um dos funcionários, que a tudo assistia admirado, ao deixar o refeitório naquele momento teve a seguinte exclamação, captada por um dos irmãos de Nova Odessa que entendia o português: “Esta é uma gente santa!” Tal prática era comum para esses irmãos, como o é até hoje por ocasião de grandes refeições em conjunto ou ágapes, mas para os servidores da Hospedaria de Imigrantes em São Paulo foi algo nunca visto. Foi, portanto, o primeiro testemunho dado por esses crentes em terras brasileiras aos primeiros brasileiros com que depararam. Não foi testemunho em idioma que fosse a estes compreensível, mas uma atitude de adoração reverente que parece ter comunicado algo superior, mesmo sem palavras inteligíveis.

Encerrando este breve relato histórico, citamos as palavras extraídas da obra já mencionada: O Dr. W. C. Taylor, em 1941, reconheceu três grandes forças na formação histórica dos batistas no Brasil: Richmond,  A Convenção Batista Brasileira e a imigração leta”. O grande líder norte-americano do passado enalteceu os esforços iniciais do seu próprio povo no envio dos missionários, dos brasileiros na organização do trabalho, bem como da contribuição do povo leto em sua saga, contribuindo para a formação histórica dos batistas no Brasil. Recomendamos a leitura do próprio livro, escrito pelo pastor Osvaldo Ronis.
Não foram somente os letos, mas outros grupos estrangeiros também para cá vieram em busca de melhores condições de vida. Este será o assunto focalizado no próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

35.  OUTROS BATISTAS ESTRANGEIROS NO BRASIL

“Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome.” João 1:11-12

Tendo o trabalho batista sido iniciado por missões norte-americanas, aos poucos, principalmente com o final da escravidão, o Brasil começou a abrir suas portas para diversas correntes imigratórias, fato que teve influência no desenvolvimento da história batista entre nós. Seria muito difícil abordar neste espaço as diferentes nacionalidades que para cá vieram, mas vamos mencionar as mais importantes.
Os batistas alemães, de formação "onckeniana", chegaram e se dirigiram para o Rio Grande do Sul. Vítimas de perseguições, houve conversões, batismos e, em 1893, organizaram a primeira igreja de língua alemã no Brasil, com 45 membros, na cidade de Santa Cruz, no interior do estado. Em 1898, fundaram a Igreja Alemã de Porto Alegre. Com a organização de outras igrejas, em 15 de maio de 1910, foi organizada uma Associação para união das igrejas, hoje chamada Convenção Batista Pioneira do Sul do Brasil, com igrejas do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná e de São Paulo. Inicialmente, as igrejas mantinham seus cultos em língua alemã, mas atualmente têm-se dedicado à obra da evangelização em geral. Vários nomes de obreiros poderiam ser aqui citados como resultado da obra dos alemães, mas vamos representá-los todos na atuação de Ricardo Pitrowsky
            Mais de 100.000 húngaros emigraram para o Brasil entre 1924 e 1926, com a presença de várias famílias batistas entre eles. Inicialmente no interior de São Paulo, organizaram uma igreja batista húngara em Caiuá, na Alta Sorocabana. Outros grupos foram para Ribeirão Preto (SP) e Ribeirão Claro, no Paraná. Em 2 de agosto de 1931, sob a liderança do Pastor João Klawa, da Igreja da Lapa, foi organizada a Primeira Igreja Batista Húngara na capital de São Paulo, com trinta membros fundadores.
Yan Kee Wing, professor da Universidade de São Paulo, um chinês naturalizado brasileiro, iniciou, em 1958, usando sua própria casa, um trabalho de evangelização de seus patrícios, resultando desse trabalho a Primeira Igreja Batista Chinesa de São Paulo, que contava com 160 membros em 1961. Em 1964, uma segunda igreja foi organizada, bem como uma congregação em Belo Horizonte mais tarde.
Além da imigração norte-americana recebida por nosso país na região de Santa Bárbara, em São Paulo, que resultou, entre outras coisas, na existência da cidade de Americana nos dias de hoje, posteriormente, a vinda de muitos batistas norte-americanos para o Brasil, por várias razões, muitas delas de trabalho, levou a denominação à organização de igrejas na língua inglesa em São Paulo e no Rio de Janeiro. A Junta de Richmond chegou a enviar missionários para liderarem o trabalho. A Copacabana Baptist Church foi uma delas, depois nomeada Igreja Batista Internacional. A membresia dessas igrejas é passageira e tem havido interação entre elas e as igrejas brasileiras, como a cessão de espaço do templo para uso comum quando necessário.
Muitos outros batistas estrangeiros têm vindo para o Brasil, atuando em suas comunidades, tais como os eslavos (ucranianos, búlgaros, russos e outros), e os estonianos. Nascida no estrangeiro, com ingleses vivendo na Holanda, a igreja batista tem sabido, pelo menos no Brasil, receber de braços abertos e apoiar o trabalho de irmãos de outras línguas e nacionalidades em sua mudança para nossas terras. Silas Molochenko, João Klawa, Waldemiro Tymchak, André Peticov, Reinaldo Purim, Ricardo Inke e outros são nomes de obreiros que, ligados em sua origem a esses grupos estrangeiros, aqui atuaram, deixando sua marca no desenvolvimento da obra batista nacional.
O trabalho leto já estudado produziu muitos obreiros e acrescentou ao meio batista grande contribuição daqueles irmãos, sem mencionar a participação de muitos letos em diferentes setores, levantamento feito pelo Pastor Osvaldo Ronis já citado. Na música sacra, por exemplo, Arthur Lakschevitz, com o conjunto de sua obra e principalmente com os “Coros Sacros”, foi um exemplo de influência marcante entre nós.

“Ao trazer à luz este pequeno trabalho, rogamos a Deus que se digne enraizar nas memórias e nos corações de muitos as verdades divinas nele apresentadas. É nosso sincero desejo que Deus faça com que estes ‘Coros Sacros’ sejam um meio de bênçãos para as igrejas evangélicas do vasto Brasil”

Ao encerrar o prefácio da edição dos “Coros Sacros” com as palavras acima, Arthur Lakschevitz parece resumir bem o espírito com que para cá vieram os estrangeiros e, em especial, aqueles que se integraram e atuaram no meio batista. Tendo as “verdades divinas” como objetivo a ser disseminado, os batistas estrangeiros que tem vivido no Brasil, de modo geral, tem trabalhado para que o evangelho faça raízes na memória e no coração do povo brasileiro, tanto ao ser anunciado como mensagem de salvação, quanto ao ser utilizado como elemento mantenedor e edificador desta fé em Cristo, aquele que “veio para o que era seu” e não foi recebido devidamente no meio do seu povo, mas que deu a todos os que vieram a crer nele o poder e o privilégio de serem chamados “filhos de Deus”. 
Dentro desta linha de diversidade de influências que existe no meio batista, no próximo fascículo abordaremos os diferentes grupos e convenções batistas que vieram atuar no Brasil ao longo do tempo. 

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

36.  OUTRAS CONVENÇÕES BATISTAS NO BRASIL

“Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.” (1 Pedro 2:9)
Tendo o evangelho segundo vivido pelos batistas chegado ao Brasil por intermédio da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, no início somente a Junta de Richmond daquela convenção enviou missionários ao nosso país. Com a criação de muitas igrejas, foi aqui organizada a Convenção Batista Brasileira, conforme já abordado.
            Cerca de meio século após o início dos trabalhos, outras convenções, associações e grupos batistas também começaram a investir no trabalho missionário no Brasil. Em seu livro “História dos Batistas no Brasil”, o pastor José dos Reis Pereira menciona inicialmente os seguintes grupos:
·         Missão Batista Conservadora
·         Sociedade Missionária Batista de Londres        
·         Conferência Batista Geral Americana    
·         Conferência Batista Geral Norte-americana      
·         Convenção Batista de Ontário e Quebec, Canadá        
·         Convenção Batista Japonesa
            Além dos já mencionados, outros grupos batistas atuam no Brasil e, conforme diz o historiador já citado, muitas dessas organizações, em aqui chegando, estabeleceram relações de coope­ração com a Convenção Batista Brasileira; outras, entretanto, preferiram conservar-se à parte, realizando isoladamente seu tra­balho, o que torna difícil informar, com precisão, que é que estão fazendo”. Menciona o seu livro os seguintes grupos:
·         Missão Batista Independente     
·         Convenção Batista Nacional
·         Convenção das Igrejas Batistas Independentes
·         Comunhão Reformada Batista no Brasil
·         Comunhão Batista Bíblica Nacional      
·         Northern American Baptist Association (NABA)         
·         Batistas Bíblicos  
·         Batistas Regulares           
·         Organização Brasileira das Igrejas Batistas da Fé
Não existe espaço para historiarmos cada convenção e grupo separadamente, mas pesquisamos um deles. O pastor Enéas Tognini e Silas Leite de Almeida assinam conjuntamente um texto chamado de “Breve histórico”, onde afirmam o seguinte:

A Convenção Batista Nacional foi organizada com poucas igrejas. Decorridos vinte e cinco anos, temos hoje cerca de 900 igrejas, mais de 2.000 congregações (missões), 22 seminários, literatura própria, e estamos arranhando à casa dos 200.000 membros, sem contarmos nossas crianças. Acabamos (1991) de ser recebidos pela Aliança Batista Mundial.

A Convenção Batista Nacional reúne as igrejas batistas renovadas, avivadas e carismáticas da linha pentecostal.
Existem também muitas Igrejas Batistas sem filiação, tais como a Igreja Batista da Floresta (MG), Filadélfia (RJ) Calvário em Niterói (RJ), todas de orientação pentecostal. Outros grupos que não constituíram convenção nacional também aqui atuam, como a Igreja Batista Conservadora, fundada em Bagé (RS) e a Igreja Batista Fundamentalista. Existe ainda a Igreja Batista do Sétimo Dia, cuja diferença em relação aos outros batistas está na guarda do sábado.
Como tem sido resolvida a questão da cooperação mútua de grupos que, embora batistas, provêm de origens tão diversas? Há aqueles que se juntam à CBB em colaboração, há os que prefiram trabalhar separadamente. Resume o assunto da seguinte forma o nosso historiador do centenário:

            “Não são adversários: apenas trabalham em linhas paralelas, ou melhor, quase paralelas. Poderiam juntar forças. Não acham conve­niente. Não temos nada a dizer: os batistas sempre se caracteriza­ram pelo respeito às opiniões divergentes. Se não caminhamos juntos, caminhamos com vistas ao mesmo fim: a conversão dos pecadores, sua profissão de fé voluntária, seu batismo bíblico, biblicamente ministrado, e a entrada para uma igreja local autô­noma, formada de regenerados e dedicada à evangelização e às Missões”.
           
No entanto, conforme ensina a história do cristianismo, com o passar do tempo, os trabalhos eclesiásticos começam a desenvolver a síndrome da segunda geração, como hoje é caracterizada. Seus sintomas são variados, passando por acomodação, permissividade, diminuição do zelo pela causa do evangelho, mundanismo, tudo levando à tolerância e conivência. Falando sobre o tema, diz Reis Pereira:

     “Dir-se-ia (...) que os batistas brasileiros cresceram, prosperaram, quer como Denominação quer como indivíduos, mas os rudes e calejados operários se aburguesaram e se refinaram demais. Passaram a gostar da vida fácil. Gozando as bênçãos concedidas pelo Senhor, esqueceram-se dos que nem sabem que elas existem. Construíram belos e ricos templos e passam longe dos feios e pobres barracos. Em lugar de buscarem os perdidos nas ruas, esperam que estes encontrem sozinhos o caminho das igrejas”.
           
Essa “perda do primeiro amor”, embora tão antiga quanto o próprio cristianismo, precisa provocar em nós um anseio por um despertamento, por um avivamento que traga de volta o domínio completo do Espírito na vida dos crentes, resumindo-se a uma “humilde e completa entrega à ação poderosa e purificadora do Santo Espírito, enchendo as vidas e fazendo-as transbordar de insopitável alegria e irresistível amor”. Seria bom que nós, batistas brasileiros, tendo já iniciado o caminho rumo ao segundo centenário, percebêssemos que, se historicamente já progredimos muito, partindo de uma única igreja de puritanos separatistas na Holanda em 1609, se em termos nacionais já crescemos, tendo iniciado os trabalhos com uma igreja de cinco pessoas em Salvador, na Bahia, em termos espirituais muito temos ainda a crescer, internamente no conhecimento do Deus a quem servimos, e externamente no compartilhamento desse conhecimento com os outros que nos cercam. O mundo exterior mudou, o mundo cristão tem mudado, o mundo batista é outro hoje, mas as verdades fundamentais do evangelho permanecem as mesmas, embora a forma de compartilhamento deva ser adequada à realidade que nos cerca. Que nós, batistas brasileiros, consigamos isto, “prosseguindo para o alvo pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor”. A ele, pois, toda a honra e toda a glória.
            As crianças sempre foram vistas como uma faixa etária importante na  vida de uma igreja batista. Como tem a denominação lidado com elas? É o que veremos no próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

37.  OS BATISTAS E AS CRIANÇAS

“Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele.” Provérbios 22.6

As crianças têm sido uma preocupação constante dos batistas, principalmente se focalizarmos a expansão do trabalho no Brasil. Embora recusassem o dogma católico do pedobatismo, mantido por grupos cristãos mesmo após a Reforma, os batistas procuraram sempre devotar às crianças um tratamento especial, preparando-as para a aceitação da mensagem do evangelho na idade apropriada. Assim sendo, duas organizações se destacaram no decorrer da história com esta finalidade. Uma delas tem como alvos para a vida dos participantes os seguintes:
  • ·         Viverei em Cristo pela oração.
  • ·         Crescerei em sabedoria pelo estudo da Bíblia. 
  • ·         Reconhecerei a minha mordomia.
  • ·         Enfeitar-me-ei com boas obras. 
  • ·         Aceitarei a responsabilidade da grande comissão.
Usando como lema “Levanta-te, resplandece, porque já vem a tua luz”, texto de Isaias 60: 1, as igrejas batistas dispõem de uma organização chamada Mensageiras do Rei, sob a orientação da União Feminina, para meninas de 9 a 16 anos. Minnie Lou Lanier, missionária norte-americana, organizou esse trabalho, inicialmente em algumas igrejas do Rio de Janeiro, com base em atividade semelhante surgida nos Estados Unidos. Prevendo oito passos, começando com Menina, Filha, Princesa, Rainha e Rainha-em-serviço, a organização previa também os passos superiores de Rainha-com-cetro, Rainha-regente e Rainha-regente-em-serviço. Apesar de certa relutância com relação aos postos de rainha, ao uso de coroa ou aos vestidos longos das solenidades, aos poucos as igrejas foram aderindo à ideia por todo o Brasil, existindo a atividade até os dias de hoje.
Paralelamente às Mensageiras, também os irmãos batistas da outra América desenvolveram um trabalho para crianças e adolescentes do sexo masculino, os Embaixadores do Rei, surgido em 1883, no estado americano do Kentucky. Também sob a orientação da União Feminina, a organização prevê uma graduação, tal como a das Mensageiras. No caso das embaixadas, eram previstos os postos de Arauto, Escudeiro, Cavaleiro e Embaixador, acrescidos mais tarde de Embaixador Especial e Embaixador Plenipotenciário, para meninos acima de 13 anos de idade. Ambas as organizações têm como objetivo incentivar o interesse por missões, tanto nacionais quanto estrangeiras, prevendo-se o uso de acampamentos para as reuniões.
Desde o início, material específico para o desenvolvimento infantil, visando à conversão e ao conhecimento de Deus e das coisas relativas ao Seu Reino, tem sido preparado e usado pelas igrejas ao longo dos anos. Conforme nos informa o Livro de Ouro, organizado para a comemoração do centenário da CBB, a JUERP sempre se preocupou com a preparação de materiais para as diferentes faixas etárias, prevendo, no 1º nível, revistas como Brincando, Crescendo, Caminhando, Aprendendo e Vivendo, para crianças desde o nascimento até os doze anos de idade, além da revista Diálogo e Ação para adolescentes.
Uma decisão importante tomada pela Junta de Escolas Dominicais na década de 1920 foi a da criação da Escola Popular Batista, a EPB, que depois veio a ser chamada de Escola Bíblica de Férias. Segundo Reis Pereira, o introdutor dessa idéia no Brasil foi o Missionário William Walters Enete. Destina-se esta organização ao ensino de verdades bíblicas a crianças da igreja local e das suas vizinhanças, durante o tempo das férias escolares de julho, ocupando uma ou mais semanas. A programação inclui, além do estudo da Bíblia, cânticos, trabalhos manuais e recreação, sendo também objetivo atingir as famílias das crianças não-crentes.
Pastor Enete, como era conhecido, foi o missionário das crianças. Tendo chegado ao Brasil em 1924, após buscar o domínio de nossa língua, começou seu ministério, tendo realizado a primeira Escola Popular Batista na Igreja de Catumbi, hoje Central do Rio de Janeiro, com 57 alunos e 14 professores. Depois a idéia se espalhou pelo Brasil todo. Pastor Enete trabalhou durante 17 anos, dirigindo o Departamento de Escolas Populares e preparando os manuais necessários para orientação das atividades junto às igrejas que desejassem. Informa Reis Pereira que, no ano de 1941, houve “175 Escolas, em todo o país, com 12.589 alunos”, mas esclarece que “isso representava somente cinquenta por cento do trabalho realizado, porque os relatórios eram falhos”. De 1942 a 1958, “Tio Billy” trabalhou em todos os recantos do território nacional, dirigindo um “mobil home”, veículo que lhe dava condições de transporte e residência por onde quer que andasse. Conforme diz o historiador, “ainda hoje muitos batistas brasileiros relembram, com saudade e gratidão, o ‘Tio Billy’, com suas histórias, seu boneco (ele era ventríloquo), suas prestidigitações, suas mágicas, o vasto arsenal de que dispunha para prender a atenção das crianças e anunciar-lhes a mensagem do evangelho”. Ainda hoje, existem membros nas igrejas batistas que são frutos deste trabalho.
No site da Igreja Batista Central de Campinas, Estado de São Paulo, integrante da Convenção Batista Brasileira, podem ser lidas as seguintes palavras:

 Cremos que a maior necessidade das crianças é de conhecer e apreciar o valor indescritível da glória de Deus. É por isso que nós desejamos que elas sejam tão bem instruídas na Palavra do Senhor, a ponto de serem capazes de valorizá-lo como o maior tesouro e a maior alegria de suas vidas.
O ministério infantil APASCENTAR deseja colaborar com os pais e a igreja no ensino das Escrituras a todas as nossas crianças. Queremos instruí-las com fidelidade bíblica, criatividade e muita alegria no Senhor, apontando-as sempre a Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo, para a alegria delas em Deus e também daqueles com quem elas haverão de compartilhar a sua fé.”

Estes sãos os objetivos do Departamento infantil da IBCC e cremos que algo semelhante pode ser encontrado, implícita ou explicitamente, nas demais igrejas, já que todas precisam cuidar adequadamente de suas crianças, pois nelas está o potencial para a continuação do trabalho iniciado há tanto tempo. É preciso, de modo relevante e atual, investir esforços, material didático e humano, para que, na ocasião adequada, nossas crianças também venham a aceitar o sacrifício de Cristo, alguém que, enquanto esteve neste mundo, nunca as repudiou; ao contrário, deixou mensagens como "Deixem vir a mim as crianças, não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas”.
Começando por Santa Bárbara, no Estado de São Paulo, e por Salvador, na Bahia, aos poucos o trabalho batista foi-se expandindo pelos demais estados da Federação. Como foi essa expansão, começando por São Paulo? É o que começaremos a ver, a partir do próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

38.  OS BATISTAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

“Lembra-te dos dias da antiguidade, atenta para os anos, geração por geração; pergunta a teu pai, e ele te informará, aos teus anciãos, e eles o dirão.” Deuteronômio 32.7

Com relação às pessoas que foram responsáveis pela organização da 1ª Igreja Batista da capital de São Paulo, informa seu site oficial:

“Em princípios de maio de 1899, chegaram a São Paulo os primeiros missionários batistas, enviados pela Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos: J.J.Taylor e J.L. Downing e suas respectivas famílias, para darem início a uma obra batista. Na mesma ocasião, e para o mesmo fim, chegaram a Belo Horizonte, as missionárias solteiras, Mary B. Wilcox e Berth R. Stenger.”

Uma loja da Rua Santa Efigênia foi conseguida, a duras penas, para as reuniões iniciais, apesar das “muitas dificuldades e da oposição de pessoas do Catolicismo Romano, desejosas de impedir a todo custo que ‘protestantes’ fossem favorecidos com a obtenção de local onde se reunir e pregar o evangelho”.
No dia 6 de julho de 1899, duas ou três semanas depois de aberto o “ponto de pregação”, aconteceu a organização da Igreja, com 18 membros vindos do Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou de Santa Bárbara d’Oeste. O site lista os membros fundadores: J.J. Taylor, J.L. Downing, Mary B. Wilcox, Berth R. Stenger, Ada L. Taylor, Merlin M. Taylor, Ada B. Downing, Sara R. d’Oliveira, Brígida R. d’Oliveira, Jorge Cassiano, C. F. Hammett, Srta Hammett, Jessie Limpkim, José Alt, Amélia Ellert, Carlos Ellert, Maria Alt e Eugênio Hermann. A primeira conversão aconteceu em agosto do mesmo ano.
Tendo passado por vários lugares ao longo de sua história, em 1984, no pastorado de Irland Pereira de Azevedo, foram inauguradas as dependências do atual Edifício de Educação Religiosa. A Igreja tem hoje seu templo na Praça Princesa Isabel, nos Campos Elísios.
Desenvolvendo Missões Urbanas, a igreja foi implantando novas congregações em bairros da cidade de São Paulo, indo, num segundo momento, para o interior do Estado, tendo organizado trinta e uma igrejas, além do apoio dado a outras unidades que enfrentavam momentos difíceis.
Por seu pastorado, passaram líderes como Downing, J. J. Taylor, Bagby, José Nigro, Deter, além de, mais recentemente, Irland Pereira de Azevedo e Paulo César Faustino, estando em 2012 na liderança como pastor titular Paulo Eduardo Gomes Vieira desde 6 de julho de 2005.
No seu livro “Centenário da Convenção Batista do Estado de São Paulo”, o pastor Dami Ferreira aponta as vinte primeiras igrejas batistas organizadas em solo paulista, em ordem cronológica:

1.      1ª de São Paulo                         06/07/1889

2.      1ª Santos,                                   19/02/1903

3.      1ª Nova Odessa                         16/12/1906

4.      1ª Campinas                               03/10/1907

5.      Liberdade                                  30/04/1909

6.      1ª Brás                                       08/06/1911

7.      Mogi das Cruzes                      12/06/1911

8.      Alto Alegre                                 03/11/1911

9.      Viradouro                                  12/10/1912

10.  Potirendaba                               21/11/1915

11.  Nova Europa                              19/07/1919

12.  1ª Bauru                                      07/03/1920

13.  Rio Claro                                     13/05/1920

14.  Ribeirão Preto                              14/11/1920

15.  1ª Assis                                        20/02/1921

16.  Central de Varpa, Tupã               07/04/1923

17.  1ª Húngara                                    29/09/1924

18.  Lapa                                            29/09/1924

19.  Lavras, Cajati                               15/11/1924

20.  Penápolis                                      01/03/1925

Entre as vinte igrejas citadas, três delas são resultado da vinda de batistas de outros países para o Brasil, conforme abordado em textos anteriores. A 1ª de Nova Odessa e a Central de Varpa são frutos da presença dos letos entre nós. A 1ª Igreja Batista Húngara é filha da 1ª do Brás, que relata em seu histórico que, em 5 de março de 1931, assumiu o pastorado da igreja João Klawa (tio do Pastor David Klawa), e em 2 de agosto do mesmo ano ocorreu a fundação da 1ª Igreja Batista Húngara de São Paulo. As três igrejas citadas continuavam ativas no ano de 2012.

A nossa Convenção Batista estadual já comemorou seu centenário em 2004, organizada que foi em 1904. Em 2007, o Estado de São Paulo possuía 1.084 igrejas batistas convencionais, sendo que 304 delas estavam na capital e 780 no interior. “Somos hoje cerca de 180.000 batistas paulistas, reunidos em 1.500 igrejas espalhadas por todo estado”, informa o site convencional.  

            Este texto procurou historiar a expansão batista no Estado de São Paulo. O próximo segmento se abordará a expansão pelos outros estados brasileiros.


xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

39.  EXPANSÃO BATISTA NOS OUTROS ESTADOS

“E fez-se naquele dia uma grande perseguição contra a igreja que estava em Jerusalém; e todos foram dispersos pelas terras da Judéia e de Samaria, exceto os apóstolos.” Atos 8:1

Começando pelos estados de São Paulo e da Bahia, os batistas foram-se expandindo pelas demais unidades da federação. Discorrendo sobre a expansão batista nos diferentes recantos do Brasil no ano do centenário, assim se expressou José dos Reis Pereira:

            “Existem igrejas batistas em todos os vinte e três Estados da Federação e também nos territórios de Roraima e Amapá. Vivem vinte e sete Convenções estaduais ou regionais, mas nem todas as Convenções mantêm jornais, e as que os mantêm não os publicam com regularidade. (...) Em todos os Estados do Brasil há Convenções batistas, sendo que no Pará a Convenção abrange as igrejas do Território de Amapá; no Amazonas, as igrejas do Território de Roraima. Nos Estados de Rondônia e Acre, a Convenção é uma só. Há, além das Convenções do Maranhão e do Piauí, uma Convenção Piauí-Maranhão. A Convenção Carioca é formada das igrejas da cidade do Rio de Janeiro e é distinta das igrejas da Convenção Fluminense. E a Convenção Pioneira, de igrejas oriundas dos batistas alemães, tem igrejas no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Paraná e em São Paulo.”
               
Como a história é dinâmica, neste século XXI mudou o número de estados, aumentou o de igrejas e de convenções, mas a carência de dados históricos sobre a expansão batista pelos diversos recantos do Brasil ainda é muito grande. Há aqueles estados em que os dados são mais abundantes, casos do Rio de Janeiro, São Paulo, alguns do Nordeste, mas, na grande maioria dos casos, o nosso povo desconhece a origem batista no seu próprio estado de origem. Isto é triste, pois perdemos a oportunidade de edificar nossas vidas e adquirir novo ânimo para a obra com histórias como a que vamos conhecer a seguir.
            Samuel Pires de Melo era um comerciante bem sucedido na cidade de Santos, Estado de São Paulo, quando se converteu ao evangelho de Cristo, resolvendo se dedicar ao ministério da pregação. Assim sendo, encerrou seus negócios na cidade praiana e viajou com sua família em direção ao Sul do país, estabelecendo-se em Paranaguá, litoral do Estado do Paraná, onde pregou o evangelho pela primeira vez no dia 07/09/1902. A partir de Paranaguá, empreendeu verdadeira obra de missionário pioneiro, contando com auxiliares nas atividades de evangelização e de colportagem. Informa-nos o site da Convenção Estadual: “Um caderninho de notas de SAMUEL mostra o quanto trabalhava. No primeiro ano, total de pregações 292, frequência 25.587. No segundo ano, 7 de Setembro de 1904: pregações 337, frequência de 16.357. No terceiro ano, 7 de Setembro de 1905: pregações 369, frequência 14.011.”
             Como as viagens eram difíceis, extenuantes, passando por regiões inóspitas, o pioneiro foi acometido de malária e de outras enfermidades próprias daquela região. Pires de Melo resolveu, então, entrar em contato com a Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, cujo secretário era A. B. Deter, para entregar à denominação a Igreja de Paranaguá. O próprio missionário pioneiro W. B. Bagby foi a Paranaguá, comissionado pela Junta, para estudar a possibilidade dessa transferência. Informa-nos o mencionado site sobre suas conclusões: “De suas pesquisas, concluiu que a Igreja e o seu Pastor eram batistas em suas doutrinas fundamentais. A Igreja votou entusiasticamente ir-se à Convenção, e assim tornou-se a Igreja Batista de Paranaguá a mãe de todas as igrejas Batistas do Paraná”. Manoel Virgínio de Souza assumiu o pastorado da Igreja em 1912, iniciando profícuo ministério.
            Sobre o presente da obra no estado, informa-nos o site:
            Há hoje 241 Igrejas organizadas no Campo, com mais de 117 congregações. É de aproximadamente 345 o número de pastores e 52 o número de missionários. Somente no ano de 1954 foram efetuados mais de 500 batismos. É grande a lista de obreiros leigos que atuam eficientemente em todas as igrejas e congregações; o número de evangelistas atuantes no campo hoje é 71. Louvado seja nosso Deus pelas bênçãos alcançadas. 
O site ainda informa que, neste ano de 2012, o número de Batistas no Paraná já supera os 39.000 e que a Convenção planeja, em parceria com as igrejas locais e as associações dobrar esse número nos próximos 10 anos. Para melhor conhecimento do assunto, existe o livro "Pequena História dos Batistas no Paraná", de Xavier Assumpção. O Hino Oficial  “Jesus Cristo é o Senhor”, com letra e música da autoria de Gilberto Azevedo Hirsh, é bastante expressivo ao pintar a expansão batista do evangelho com a cor local do Estado do Paraná:
O evangelho semeado aqui foi plantado como um pinhão.
Missionário solitário, gralha azul fazendo a plantação.
Com o tempo foi crescendo, fez-se forte se alastrou
e em breve o grande Paraná Jesus Cristo alcançou!
O Paraná está sendo salvo e no tempo que passou,
Todo povo reconhecendo ‘Jesus Cristo é o Senhor!’
O Paraná está sendo salvo e o futuro é promissor,
Todo o povo reconhecendo ‘Jesus Cristo é o Senhor!’
Um Pinheiro que é centenário apontando em direção aos céus.
Imponente, majestoso revelando o grande amor de Deus.
Missionário Valoroso, a mensagem anunciou,
Salvador que é tão amoroso etnias conquistou!
Quando olhamos para outros paísese observamos a profusão de narrativas e fontes históricas existentes nos estados e regiões difersas, comparadas com a falta de acesso a este conhecimento da nossa parte como brasileiros, constatamos que está mais do que na hora de arregaçarmos as mangas e nos colocarmos em campo, na busca de melhorar nosso acervo histórico batista, partindo de cada estado brasileiro. Com certeza, encontraremos em muitos deles acontecimentos edificantes como este do Paraná, onde o trabalho surgiu porque Deus abençoou financeiramente a um homem, integrou-o no Reino e colocou em seu coração o desejo de compartilhar a bênção da salvação em Cristo com outros.
Campanhas e congressos tem sido constantes na vida das igrejas batistas brasileiras; este será o tema do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

40.  CONGRESSOS E CAMPANHAS BATISTAS

“E alguns dias depois, disse Paulo a Barnabé: Tornemos a visitar nossos irmãos por todas as cidades em que já anunciamos a palavra do Senhor, para ver como estão.” Atos 15:36
           
Paulo e seus companheiros, em sua época, empreenderam viagens missionárias para a disseminação da mensagem do evangelho. Nos nossos tempos, as igrejas promovem congressos, campanhas e outros eventos com a mesma finalidade.
Congressos são assembleias de delegados para discutirem assuntos de importância, por meio de conferências, convenções e outras atividades. Muitos têm sido os congressos batistas ao longo da história; vamos procurar conhecer os mais importantes promovidos pela Convenção Batista Brasileira.
O primeiro evento digno de destaque aconteceu em 1930, no Rio de Janeiro, o Congresso Batista Latino-Americano. Na mesma cidade, em 1954, houve a IV Conferência Mundial da Mocidade Batista. A comissão organizadora foi dirigida por Werner Kaschel, cabendo a presidência do Congresso a Robert Denny, presidente do Departamento da Mocidade da Aliança Batista Mundial na ocasião. Jackie Robinson pregou em duas concentrações evangelísticas, uma no estádio do Fluminense e outra na Quinta da Boa Vista, sendo que, para a  Conferência, inscreveram-se 1.428 pessoas, que representavam 30 países.
            Em 1960, reuniu-se no Rio de Janeiro a 10ª Convenção da ABM, considerada na época como o maior congresso da Aliança fora da América do Norte. Foi organizada uma Comissão Coordenadora do evento, contando com o missionário Edgard F. Hallock como seu presidente e o Pastor André Peticov como Secretário Executivo. Os preparativos foram iniciados anos antes, tendo sido  reservados o Estádio do Maracanã e o Ginásio do Maracanãzinho para as reuniões maiores, contando com a participação de Billy Graham pregando no estádio do Maracanã.
Durante o período de 26 de junho a 3 de julho dc 1960, foi intensa a movimentação dos batistas em geral, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Chamavam a atenção de jornais e revistas as roupas coloridas e diferentes dos representantes dos países participantes, principalmente aqueles que haviam vindo da África e da Ásia. Houve 12.688 inscrições de convencionais e, na reunião de encerramento, pregou o Pastor  Billy Graham, interpretado pelo Pastor Soren, que falou para um  Maracanã totalmente lotado, com  a presença estimada de mais de 200 mil pessoas, a maior plateia naquele estádio até aquela ocasião, segundo informações do Livro de Ouro da CBB. Como resultado de toda aquela organização, o Pastor João Filson Soren foi eleito presidente da Aliança Batista Mundial, o primeiro latino a chegar ao cargo. Além disso, foi organizada uma Igreja Batista em Copacabana, por iniciativa do pastor José dos Reis Pereira, região onde residiam muitos dos decididos na Campanha e que não contava com uma igreja batista até então.
Campanhas são conjuntos de ações e de esforços para se atingir um fim determinado, segundo definição do Aurélio. Durante sua existência, os batistas organizaram ações e concentraram seus esforços em muitas ocasiões para motivar o povo batista para a evangelização daqueles que ainda não haviam sido alcançados pela mensagem do evangelho. Focalizaremos as principais campanhas empreendidas no Brasil com este objetivo pela CBB.
Até o final da primeira metade do século XX, as campanhas promovidas no meio batista no Brasil limitavam-se às chamadas “séries de conferências”, ocasiões em que igrejas locais convidavam pregadores para, durante um determinado periodo, pregarem sermões evangelísticos. O missionário Joseph Underwood promoveu no Recife, em setembro de 1949, um evento inédito no país. Na ocasião, 37 igrejas da cidade se juntaram para promover um esforço conjunto de evangelismo, contribuindo todas para as despesas da campanha. Cerca de oito  mil batistas, com muita propaganda pela imprensa, rádio, cartazes e panfletos, divulgaram doze concentrações realizadas num só domingo, seguidas de uma reunião diária no centro da cidade durante a semana. Raphael Gióia Martins foi o pregador nas gandes concentrações e mais de 500 decisões foram feitas por Cristo em uma só semana.
O lema da campanha pernambucana, CRISTO, A ÚNICA ESPERANÇA, bem como toda a organização e resultado, motivaram um evento em escala maior. Coube ao  Pastor Henrique Peacok preparar uma Campanha de Evangelização que nunca se vira em São Paulo, em 1962, a qual abrangeu as cidades de São Paulo, Santos, Campinas, Mogi das Cruzes e o ABC Paulista. Aderiram ao movimento 128 igrejas e 13 congregações, despertando as igrejas de São Paulo de 12 a 18 de agosto daquele ano.
O resultado do movimento inspirou o Pastor Rubens Lopes que, no dizer de Reis Pereira, “pensou grande e sonhou com movimento similar em todo o Brasil”. O Pastor Rubens Lopes, na época presidente da Convenção Batista Brasileira, desafiou os batistas para uma campanha nacional, a qual foi preparada  e divulgada com o uso de muitos recursos em todo o país. Milhões de folhetos foram colocados à disposição das igrejas e circularam pelos estados. Rubens Lopes viajou pelo país inteiro, tendo tido contato com o Presidente da República, Ministros de Estados, Parlamentares Federais e Estaduais, Governadores, Prefeitos, com o Supremo Tribunal Federal, com Tribunais de Justiça e mesmo nos quartéis. “A todos preparava uma breve mensagem e entregava um exemplar do Novo Testamento”, informa o historiador. Milhares de decisões por Cristo aconteceram como resultado dos esforços dessa campanha acontecida em 1965.
Com um bom resultado levando a outro, tal como ocorrera até então, o Pastor Rubens Lopes, nos Estados Unidos, motivou os presentes ao  Congresso da Aliança Batista Mundial, reunido em Miami, a um movimento semelhante em toda a América, a “Grande Campanha de Evangelização das Américas”, realizada em 1969. Repetindo os acontecimentos da Campanha no Brasil, agora em escala maior, o Pastor Lopes conseguiu falar com quase todos os governantes americanos. Após os preparativos e realizado o evento, os resultados foram muito animadores em todos os países da América, com exceção dos Estados Unidos, onde campanhas mais ou menos abrangentes já eram praticadas há muito tempo e não se constituíram em novidade.
Diz mais Reis Pereira: “Em 1970, por influ­ência dos batistas brasileiros, foi lançada pela Aliança Batista Mundial uma Campanha Mundial de Evangelização, sob o nome de Missão de Reconciliação por Meio de Cristo.”
Motivado para a realização de campanhas cada vez mais abrangentes, o Pastor Rubens Lopes tentou levar a ideia de um evento similar, que abrangesse o mundo todo, para a Aliança Batista Mundial, mas infelizmente ali não teve a recepção que esperava, apesar de seus esforços falando em diferentes ocasiões sobre o assunto. Grande foi a frustração experimentada pelo grande líder batista por causa disso.
A atuação do Espírito Santo de Deus na vida da Igreja e do seu povo tem sido assunto polêmico durante os últimos cem anos, tendo a polêmica atingido o Brasil na década de 1960, assunto a ser abordado no próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

41.  OS BATISTAS E O ESPÍRITO SANTO

“Porquanto está escrito: Sede santos, porque eu sou santo.” 1 Pedro 1:16
           
A Declaração Doutrinária adotada pela Convenção Batista Brasileira contém dezenove itens, dos quais a “Doutrina da Salvação” é o de número V. O terceiro assunto abordado na doutrina é santificação, que é assim definido:

            Santificação é o processo que, principiando na regeneração, leva o homem à realização dos propósitos de Deus para a sua vida e o habilita a progredir em busca da perfeição moral e espiritual de Jesus Cristo, mediante a presença e o poder do Espírito Santo que nele habita. Ela ocorre na medida da dedicação do crente e se manifesta através de um caráter marcado pela presença e pelo fruto do Espírito, bem como por uma vida de testemunho fiel e serviço consagrado a Deus e ao próximo.
           
Depois de experimentar a regeneração e a justificarão, a santificação é o que se espera do batista crente no Senhor Jesus, enquanto aguarda na eternidade a culminância de sua salvação, ou seja, sua glorificação.
Nos Estados Unidos, no final do século XIX, surgiu um movimento entre as igrejas cristãs do ramo wesleyano que defendia a busca de uma experiência pessoal espiritual, que viria a ser definida como a doutrina do “batismo no Espírito Santo”, também chamada de 2ª bênção. Criam os integrantes do movimento que, após a conversão, o crente deveria experimentar o batismo no Espírito Santo, o qual, tal como no Pentecoste, lhe proporcionaria os dons carismáticos, começando com o “dom de línguas”. Surgido entre as igrejas cristãs norte-americanas, o Movimento Pentecostal se disseminou rapidamente pelo mundo a partir do século XX, formando inicialmente no Brasil igrejas ligadas ao movimento original, como a Congregação Cristã do Brasil, a Assembleia de Deus, as igrejas do Evangelho Quadrangular, a Igreja do Nazareno, entre outras.
O Brasil Batista começou a sofrer as influências do pentecostalismo a partir de 1910, com a chegada de Gunnar Vingren e Daniel Berg, dois suecos batistas que, “atendendo ao que entendiam ser direção divina”, segundo Reis Pereira, vieram para Belém do Pará, unindo-se à 1ª Igreja Batista daquela cidade, a qual havia sido fundada, catorze anos antes, por outro sueco, o batista Eurico (Erik) Nelson. Com a pregação e a vivência da “2ª bênção”, a dupla acabou por dividir opiniões na igreja, a ponto de levar à exclusão do rol de membros cerca de treze pessoas, grupo que deu origem à primeira igreja da Assembleia de Deus no Brasil. Segundo Reis Pereira, esse tipo de procedimento “foi a causa primeira da desconfiança com que os batistas tratam hoje os pentecostais”, pois “o método de reuniões mais ou menos clandestinas tinha sido repetido em outros lugares, com resultados idênticos”.
Na segunda metade do século XX, o movimento pentecostal entrou em uma segunda fase, que consistia em infiltrar-se nas denominações históricas ou tradicionais (e mesmo na Igreja Católica), causando dissensões e divisões. Entre os Batistas no Brasil, o episódio começou com Rosalee Mills Appleby, missionária norte-americana que, tendo vindo para o Brasil com seu marido na década de 1920, mesmo tendo ficado viúva, aqui permaneceu, desenvolvendo profícuo ministério. Parte do seu trabalho foi a criação de um programa radiofônico em Belo Horizonte, onde atuava, chamado de “Renovação Espiritual”, nome que revelava seu desejo de promover, no Brasil um grande avivamento. Tendo adoecido gravemente em 1958, foi tratar-se nos Estados Unidos, deixando o programa sob a liderança de José Rego do Nascimento, pastor da Igreja Batista da Lagoinha.
“Formado pelo Seminário do Rio de Janeiro em curso de graduação em teologia de duração mais curta e menor exigência de formação anterior que o curso normal,” segundo o “Livro de Ouro da CBB”, o Pastor Rego Nascimento era bom orador e escritor, dotado de excelente voz e vocabulário, sendo “forte na condenação do mundanismo nos crentes”. No Rio de Janeiro, foi eleito paraninfo dos formandos, ocasião na qual “formalmente, pela primeira vez, discursou sobre suas ideias relativas à doutrina do Espírito Santo”. Tão forte foi a impressão causada, que os alunos o convidaram para falar em uma semana especial de despertamento espiritual, durante a qual, em uma das reuniões, cerca de cinquenta pessoas “foram até a madrugada cantando, orando e fazendo tal barulho que se podia ouvir à distância”. O corpo docente do Seminário, o Jornal Batista e outros órgãos e líderes batistas posicionaram-se contra aqueles abusos e, com o passar do tempo, a Igreja Batista da Lagoinha foi desligada da Convenção Batista de Minas Gerais, sendo acompanhada por pastores solidários a Rego, além de cerca de trinta igrejas, que também deixaram a Convenção, dividindo os batistas mineiros. Conforme já mencionado, o método de reuniões mais ou menos clandestinas acabou se repetindo em outros lugares, com resultados idênticos, fato que contribuiu para dividir a denominação batista praticamente em todo o Brasil.
Houve adesão de figuras importantes do meio batista ao movimento pentecostal, como o pastor Eneas Tognini, cuja liderança diante de igrejas ou mesmo do Colégio Batista de São Paulo tinha sido notável entre nós. Em 1962, na Assembleia da CBB realizada em Curitiba, foi nomeada uma comissão, formada por treze pastores, “para estudar a doutrina do Espírito Santo, à luz do que entendemos por doutrina batista”, conforme o Livro de Ouro da CBB. Após discussão, apresentação do assunto e aprovação, o trabalho da comissão foi divulgado à denominação em um livro.
Todo esse episódio histórico vivido teve reflexos na vida da denominação batista, tendo-se reproduzido, em escala maior ou menor, praticamente em todas as denominações, fazendo com que o mundo cristão hoje possa ser entendido como formado por dois grandes blocos: os pentecostais e os não-pentecostais. Conforme se lê no “Livro de Ouro da CBB”, “Cristianismo muitas vezes é sofrimento; mas tem que ser vivido”. Como resultado dos acontecimentos no Brasil, hoje existe a Convenção Batista Nacional, que reúne as igrejas batistas pentecostais, também chamadas de “avivadas” ou “renovadas”.
Chegamos ao momento de um balanço da situação batista no Brasil, após quase um século e meio desde o início da obra, assunto que será abordado no próximo segmento.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

42.  OS BATISTAS, 130 ANOS APÓS

“...para ver se de alguma maneira posso chegar à ressurreição dentre os mortos. Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus.” Filipenses 3:11-12

Luther Rice, Bowen e esposa, Richard Ratcliff e os demais integrantes de seu grupo em Santa Bárbara, bem como os casais Bagby e Taylor foram os norte-americanos cujos nomes estão nos primórdios da igreja batista no Brasil, cada um em sua época e com sua atuação específica. Organizadas as três primeiras congregações nos estados de São Paulo e Bahia, rapidamente a pregação do evangelho pelos batistas foi conquistando espaço no Brasil, resultando no surgimento de igrejas em capitais, no litoral e no interior do país, atingindo cidades grandes e pequenas, despertando vocações ministeriais em todos os lugares e levando muitos à salvação em Cristo Jesus.

            Somos um povo que vem de longe, com muitos nomes, de muitas perseguições, de muitas lutas, mas construindo uma bela história de fé, de doutrina e de princípios. (...) Somos o povo da Bíblia, a Palavra Infalível e Eterna de Deus. Cremos em Deus Pai, santo, justo, criador, e sustentador de todas as coisas. Cremos no Deus Filho Jesus Cristo, Salvador e Senhor de nossas vidas e almas e no Deus Espírito Santo, o Consolador que nos guia em tudo quanto Jesus ensinou.
           
Esta é a forma de apresentação do povo batista, que se pode encontrar no Portal da Convenção Batista Brasileira (CBB) na internet. A CBB é o órgão máximo da denominação batista no Brasil, sendo a maior convenção batista da América Latina, ao representar cerca de 7.000 igrejas, 4.000 missões e 1.350.000 fiéis no ano de 2012. Caracterizam a Convenção, bem como as igrejas batistas por elas representadas, os princípios de liberdade religiosa, governo democrático, estrutura congregacional, ação cooperativa, visão missionária, fidelidade bíblica, padrão doutrinário e responsabilidade social. Dentro dessa perspectiva de responsabilidade social, declara o portal a respeito do futuro o seguinte:

“Entendendo que a riqueza e a felicidade das nações dependem de uma sólida base espiritual bíblico-cristã, a CBB empenha-se em plantar na sociedade as sementes da verdadeira educação para a paz. Face aos graves problemas contra os quais a humanidade se debate, os batistas brasileiros postulam que as respostas transformadoras só podem ser alcançadas por meio do Evangelho de Jesus Cristo.”

            Graves problemas tem atingido a humanidade, refletindo-se na realidade do nosso país. Entre eles, está a liberdade de expressão e orientação sexual do povo, fato que gerou um “Manifesto à Nação Brasileira”, datado de maio de 2007, publicado e assinado pelos pastores Oliveira de Araújo e Sócrates Oliveira de Souza, respectivamente Presidente e Diretor Executivo da Convenção Batista Brasileira na ocasião. O documento assim se inicia:

             “Preocupa ao povo batista a aprovação de uma lei que privilegia uma minoria, em detrimento do direito de todos. Reconhecemos o direito dos homossexuais a um tratamento digno e igualitário, ao mesmo tempo em que defendemos a liberdade fundamental de formar e exprimir juízos, favoráveis ou desfavoráveis, nas questões de orientação sexual.”
           
Na sua sequência, o documento reconhece aos seres humanos direito, outorgado por Deus, de serem reconhecidos e aceitos como indivíduos, sem distinção de raça, cor, credo ou cultura; reconhece ainda direito à liberdade de consciência e de expressão religiosa para todas as pessoas, sendo cada uma delas preciosa, insubstituível e moralmente responsável perante Deus e o próximo. Declara ainda que “Deus criou o ser humano, macho e fêmea, com direitos iguais e diferenças sexuais”.
Diante de tudo isso, o Manifesto conclama a classe política a defender o respeito à pessoa e a garantia dos direitos individuais, convida todos os cristãosa proclamar e ensinar toda a verdade, conforme revelada nas Sagradas Escrituras, inclusive as orientações nelas contidas sobre a natureza da sexualidade humana”; todos os cidadãos são instados “a cultivar uma convivência pacífica e respeito ao próximo, mantendo a respeitabilidade e o pudor nas que privilegia uma minoria, em relações sociais.” Finalmente, os cidadãos em geral são levados a considerar uma união de esforços “para salvar o Brasil da degradação moral e da perseguição religiosa, bem como deixarmos um legado de justiça, paz e prosperidade para as futuras gerações.”
Jesus não pediu ao Pai para que tirasse seus discípulos do mundo, mas que os livrasse do mal. Considerando-se sua presença no seio da humanidade, os seguidores de Cristo foram conclamados a ser “sal da terra” e “luz do mundo”. Isto nunca foi fácil, mas parece tornar-se cada vez mais difícil, diante de tantas mudanças que a evolução da humanidade tem provocado. Levando-se em conta que, com relação às suas raízes doutrinárias, “os Batistas saem diretamente das páginas do Novo Testamento, dos lábios e ensinos de Jesus e dos apóstolos, e tem sua trajetória marcada pela oposição a toda corrupção da doutrina cristã claramente exposta no Novo Testamento” é oportuno, ao findarmos nosso mergulho histórico na vida batista voltada para o Brasil, que consideremos aquilo que os batistas tem feito na propagação do evangelho de Cristo e no resgate de vidas que, mergulhadas no pecado e sob o domínio do maligno, tem seguido as doutrinas neotestamentárias e apostólicas pelas quais muitos dos nossos irmãos sofreram e mesmo morreram no passado, para que pudéssemos conhecê-las e segui-las no presente. Nosso legado de justiça, paz e prosperidade para as futuras gerações certamente dependerá da nossa fidelidade presente aos aspectos absolutos imutáveis da mensagem bíblica, mesmo lidando em uma realidade humana cuja relatividade leva a mudanças constantes, inusitadas e, muitas vezes, inaceitáveis diante dos padrões divinos de comportamento.
Iniciamos nossa viagem histórica pelo livro de Atos, acompanhamos os desvios que criaram outro evangelho durante os quinze primeiros séculos, passamos pela Reforma Luterana, que gerou o Anglicanismo, de dentro do qual os puritanos separatistas ocasionaram o nosso surgimento como congregação e denominação. Da velha Inglaterra à Nova Inglaterra, vivenciamos a expansão batista que permitiu que a mensagem chegasse ao Brasil. Estamos agora prontos para entender o que a denominação batista representa no mundo todo, começando pela criação da Aliança Batista Mundial, assunto que será abordado no próximo segmento.     

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

BATISTAS NO MUNDO

 

43. A ALIANÇA BATISTA MUNDIAL

“... um só Senhor, uma só fé, um só batismo...” Efésios 4.5
           
Numa denominação baseada na existência das igrejas locais autônomas, as quais, muitas vezes, ofereceram resistência aos movimentos associativos, a idéia de uma organização mundial que representasse todos os batistas realmente demorou muito a tomar corpo, surgindo os esforços mais efetivos, que redundaram na organização da Aliança Batista Mundial, apenas no século XX.
Conta a história que John Newon Prestridge, editor da publicação norte-americana “The Baptist Argus”, foi, talvez, o primeiro dirigente batista a propor publicamente a necessidade de reunir os batistas do mundo numa organização, isto em 1904. No outro lado do Atlântico, John Howard Shakespeare, redator do “The Baptist Times and Freeman” de Londres, apoiou a proposta. Em outubro de 1904, a União Batista da Grã-Bretanha convidou o povo batista do mundo para a realização de um congresso em 1905, ao qual estiveram presentes cerca de 2.500 delegados das Ilhas Britânicas e 750 de aproximadamente vinte e dois países do mundo: Alemanha, Brasil, Canadá, China, Congo, Cuba, Dinamarca, Estados Unidos, França, Hungria, Índia, Itália, Jamaica, Japão, México, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Porto Rico, Rússia, África do Sul e Suécia. Durante o Congresso, foi aprovada a proposta para uma aliança mundial de batistas, bem como uma proposta inicial de constituição. Assim, a Aliança Batista Mundial foi fundada em 17 de julho de 1905.
De início, estabeleceu-se que a Assembleia Geral se reuniria a cada cinco anos, tendo um Presidente como dirigente máximo; John Clifford, de Londres, foi eleito como primeiro Presidente. A sede central da Aliança Batista Mundial estabeleceu-se na Baptist Church House, de Londres, mantendo-se naquele endereço até 1941, quando mudou para Washington, nos Estados Unidos e finalmente, para a cidade de MacLean, Virginia, ainda nos Estados Unidos. O órgão oficial da AMB é o “Mundo Batista” (Baptist World) e as assembleias seguem-se celebrando a cada cinco anos. Londres, Filadélfia, Estocolmo, Toronto, Berlim, Atlanta, Copenhague, Cleveland e novamente Londres foram os locais das reuniões quinquenais até 1955. Em 1960, o Congresso se reuniu na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, com a presença de Billy Graham pregando no Maracanã lotado na reunião final, conforme já foi abordado.
A ABM se organiza em Departamentos, Comités e Comissões para melhor desenvolvimento do trabalho. Cerca de 157.000 grupos diferentes de batistas fazem parte da Aliança, espalhados em mais de 200 países, representando mais de 37 milhões de membros de igrejas em todo o mundo. Para efeito de regionalização, os grupos são divididos em seis unidades:
·         Associação Batista de Toda a África
·         Associação Batista Asiática
·         Associação Batista Caribenha
·         Federação Batista Européia 
·         Associação Batista Norte-americana 
·         União Batista Latino-Americana
A união dos batistas do mundo, o atendimento a pessoas em necessidade, a defesa dos Direitos Humanos e a promoção de missões e evangelismo são as metas que a ABM se propõe a atingir.
No século XXI, a presidência tem sido ocupada por Billy Kim, da Coréia do Sul (2000-2005) e o pastor britânico David Coffey (2005-2010). Destaque-se também a atuação do Secretário Geral, a figura dirigente da AMB mais conhecida pelos meios de comunicação, devido a suas funções executivas, com a atuação de Denton Lotz, de 1988 a 2007, e do pastor e dirigente da União Batista de Jamaica Neville Callam, a partir daquele ano.
Sendo liberdade e autonomia bandeiras de lutas batistas ao longo dos séculos, a participação nos órgãos representativos da Aliança é voluntária, resultando, muitas vezes, no afastamento de grupos pelos motivos mais variados. Assim sendo, em junho de 2004, a Convenção Batista do Sul dos EUA (“Southern Baptist Convention”) deixou  a ABM, por divergências em decisões políticas.
Embora divididos em tantos grupos, associações e convenções diferentes, algumas doutrinas unem os batistas em todo o mundo: a Biblia como a regra suprema de fé e prática; o direito de todas as pessoas ao livre acesso a Deus através de Jesus; a liberdade de consciência; a separação entre igreja e estado; a congregação local formada só por crentes regenerados e batizados; a independência da igreja local, tendo como única cabeça Cristo.
Os próximos fascículos abordarão a situação atual de cada unidade de divisão batista pelo mundo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

44. BATISTAS NO MUNDO: EUROPA

“Assim que, concluído isto, e havendo-lhes consignado este fruto, de lá, passando por vós, irei à Espanha.” Romanos 15:28

            A Europa é um dos seis continentes do mundo, sendo o segundo menor em superfície. Dos cerca de 50 países da Europa, a Rússia é o maior, tanto em área quanto em população (sendo que a Rússia se estende por dois continentes, a Europa e a Ásia) e a Cidade do Vaticano é o menor. A Europa é o terceiro continente mais populoso do mundo, após a Ásia e a África, com uma população de 731 milhões ou cerca de 11% da população mundial. Por incluir a Grécia, a Europa é considerada o berço da cultura ocidental, tendo desempenhado um papel preponderante no cenário mundial a partir do século XVI, especialmente após o início do colonialismo. Entre os séculos XVI e XIX, as nações europeias controlaram as Américas, a maior parte da África, a Oceania e grande parte da Ásia. Ambas as guerras mundiais foram em grande parte centradas na Europa. A vontade de evitar outra guerra acelerou o processo de integração do continente e levou à formação da União Europeia.
Na ABM, a Federação Batista Europeia é composta de mais de 800.000 batistas em 51 Uniões ou Convenções, estendendo-se desde Potugal até as partes mais remotas da Rússia. Incluem-se nesta família batistas da Eurásia e do Oriente Médio e Próximo, bem como uma igreja batista em Malta e outra na Turquia. A Federação foi fundada em 1949 para unir batistas europeus que emergiam da devastação da II Guerra Mundial, mantendo contato com crentes atrás da Cortina de Ferro durante a Guerra Fria, os quais sofriam por sua fé.
Muitas igrejas batistas ainda enfrentam dificuldades resultantes da pobreza, guerra ou contínuas ameaças à sua liberdade religiosa. A família da Federação é diversificada em cultura, língua e tradições, mas permanece unida na identidade batista, no zelo evangelístico e na preocupação pelos direitos humanos e liberdade religiosa. Ela participa de um acordo para, juntamente com outros  cristãos, criar sociedades na Europa e no Oriente Médio que reflitam os valores do Reino de Deus. Juntamente com igrejas dos Estados Unidos, Canadá e do Reino Unido, participa ainda de esforços para a implantação de novas igrejas e de missões evangelísticas. Além do evangelismo, também as áreas de direitos humanos, liberdade religiosa, educação teológica e ajuda humanitária fazem parte destas e de outras preocupações, mostradas no site da Federação Batista Europeia.
Considerando-se o número de igrejas e de membros, os países onde a obra batista mais se desenvolveu foram os seguintes: Grã-Bretanha, com 2.007 igrejas reunindo 132.703 membros; Ucrânia, com 125.509 membros formando 2.382 igrejas; Romênia, onde 1.722 igrejas reúnem 98.672 membros; Alemanha, que possui 82.664 membros em 814 igrejas; Rússia, contando com 1.816 igrejas e 75.160 batistas. Somando-se os números da Federação Euro-Asiática de Batistas, pertencente à parte asiática da Rússia, o número total sobe para 2.047 igrejas e 91.690 membros.
Também são membros da Federação Batista Europeia igrejas que estão no Oriente Médio, em países como a Síria, o Líbano, a Jordânia, Israel e o Egito, que possuíam cerca de 6.045 membros em 94 igrejas, em números totais de 2011. 
A Holanda, país europeu que deu origem à Denominação recebendo os refugiados ingleses liderados por Smyth e Helwys, não tem sido um país muito favorável ao desenvolvimento da obra batista. Embora a igreja formada em 1609 tenha sido historicamente a primeira, as atuais não têm qualquer ligação com a “Congregação da Padaria”, pois, como já se viu, o grupo se separou, tendo a maioria sido recebida pela Igreja Waterlander de Amsterdam, tornando-se menonita enquanto a minoria voltou para a Inglaterra, implantando a 1ª Igreja Batista Geral em Spitalfields. O movimento batista moderno pode ser conectado a Julius Köbner que, em 1845, fundou uma igreja batista naquele país, quase dois séculos e meio após o movimento inicial.  A União das Igrejas Batistas da Holanda, organismo responsável pelas congregações do país, começou em 1881 com a união de sete congregações. A União das Igrejas Batistas da Holanda é membro da Federação Batista Europeia e da Aliança Batista Mundial, contando em 1998 com o número de  12.253 membros em 88 congregações. Foram essas as três organizações responsáveis pelas comemorações dos 400 anos em 2009, figurando seus nomes na placa comemorativa colocada na imediações atuais do local onde ficava a padaria de Jan Munter, 400 anos atrás. Além da União das Igrejas Batistas da Holanda, existe outra organização, a Irmandade de Igrejas Batistas, formada em 1981, que possui outras congregações não incluídas nos números mencionados. Em 1995, a Irmandade tinha cerca de 2.500 membros em 26 igrejas.
Não sabemos se Paulo realmente empreendeu uma quarta viagem missionária, indo para a Espanha, como era sua intenção; no entanto, diferentes regiões da Europa receberam o evangelho ainda nos tempos apostólicos, sendo que a história relata que a Armênia foi a primeira nação cristã no mundo, desde 301 AD.  Ainda hoje, o país de cerca de três milhões de habitantes, pertence à Igreja Apostólica Armênia. Quanto ao trabalho batista, ele começou no início do século XVIII. O país passou por muitos problemas e os números de 2010 mostravam a existência de 4.700 batistas membros de 150 igrejas locais naquele país.
Tendo sido o solo que recebeu o embrião inicial holandês e onde se desenvolveu a 1ª Igreja Batista da história na Inglaterra, a realidade atual batista no continente, tal como acontece com a igreja cristã ocidental de modo geral, não é das mais animadoras, com a presença de muitas igrejas com templos enormes e quase que vazios aos domingos. Como segundo continente a receber os batistas, a América foi o local de maior expansão da Denominação, principalmente nos Estados Unidos. Assim sendo, a presença batista nas Américas será o assunto de nosso estudo no próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

45. BATISTAS NO MUNDO: AMÉRICAS

“Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos.” Apocalipse 7:9

            A partir do final do século XV, a América surgiu aos olhos do europeu ocidental como o Novo Mundo, um lugar inicialmente confundido com o Oriente tão buscado por causa de especiarias, tecidos e outros produtos que a Europa não produzia. Lançando-se ao mar nas grandes navegações em busca de um novo caminho para as Índias – já que a rota terrestre utilizada por séculos foi interrompida pela tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em meados do século XV – os navegantes europeus, principalmente espanhois e portugueses, acabaram por encontrar terras desconhecidas, que levaram o nome de América  em homenagem a um dos navegantes, Américo Vespúcio.
            Colonizada, ou melhor, explorada de início por ingleses, franceses, eapanhois, holadeses, portugueses e outros povos europeus, aos poucos os países das três Américas conseguiram sua liberdade política, tomando a configuração que existe hoje.
Para melhor gerenciamento do trabalho, as Américas foram divididas pela Aliança Batista Mundial em três organizações: a Associação Batista Norte-Americana, a Associação Batista Caribenha e a União Batista Latino-Americana.
A Associação Batista Norte-Americana reúne basicamente os Estados Unidos e o Canadá. O Canadá possui 1.384 igrejas que arrolam 196.588 membros, reunidos em duas  convenções batistas. Juntamente com os Estados Unidos, que possuem o maior número de igrejas, membros e convenções, conforme já foi abordado, os totais para a América do Norte mostram 23.617.535 de batistas em 80.578 igrejas diferentes. Os resultados poderiam ser maiores, se todas as diferentes convenções, associações e grupos batistas fizessem parte da organização, mas sabe-se, por exemplo, que a maior delas nos Estados Unidos, a Convenção Batista do Sul, separou-se da ABM, não mais participando da North American Baptist Fellowship.
A Associação Batista Norte-Americana surgiu na década de 1950, com os preparativos para a comemoração do sesquicentenário da Convenção Trienal, fundada em 1814 para funcionar como a Convenção Geral da Denominação Batista nos Estados Unidos da América para Missões Estrangeiras. Conforme já se viu em fascículo anterior, essa convenção resultou do esforço de organização liderado por Luther Rice, após ter voltado da viagem missionária à Índia. Uma comissão foi formada em 1956, por sete grupos diferentes de batistas, organizando o Avanço Batista do Jubileu, uma comemoração de cinco anos de 1959 a 1964. Em maio de 1964, a celebração teve sua culminância num encontro no centro de convenções de Atlantic City, no estado de Nova Jersey, ocasião na qual falaram Martin Luther King, Jr, o Presidente Lyndon Johnson e Billy Graham. Aparentemente, a Associação Batista Norte-Americana foi resultado desse esforço.
              A América Central, incluindo-se o México, mostra a Guatemala, com 44.059 em 311 igrejas, enquanto o próprio México possui 1.734 igrejas que reúnem um total de 181.700 batistas. Somados a outros países de menor expressão, temos 2.522 igrejas e 268.988 batistas. Na América do Sul, os países com trabalho batista mais expressivo são o Brasil, com 1.693.892 batistas em 9.222 igrejas, nas duas maiores convenções; a Argentina reúne 101.400 membros em 676 igrejas. Os números totais para a América do Sul mostram 12.291 igrejas com 1.976.392 membros. As duas partes da América são agrupadas pela UBLA (União Batista Latino-Americana), entidade que, sonhada desde a década de 1930, tornou-se realidade entre os dias 4 e 7 de setembro, na cidade de Lima, no Peru, no centro de retiros de Huampani, onde 27 representantes de sete convenções e cinco juntas missionárias, a organizaram. O objetivo da organização é a união de todos os batistas latino-americanos em prol da evangelização; do fortalecimento dos laços de amizade; do intercâmbio de ideias, experiências, projetos, problemas e inquietações; da capacitação de líderes; maior aprofundamento no conhecimento e na divulgação da Biblia.
Ainda faz parte da América na área da ABM a Associação Batista Caribenha, reunindo as igrejas da área do Caribe. Conhecida como Caraíbas, Caribe ou Antilhas, a região foi o cenário de inspiração de diversas obras literárias e filmes relacionados com pirataria e fantasia, com autores como Daniel Defoe e Robert Louis Stevenson, entre outros. A região das Caraíbas é berço de diversos ritmos musicais. como o reggae proveniente da Jamaica, o calipso e outros. Na área do Caribe fala-se uma grande variedade de idiomas devido à diversidade de origens da sua cultura, mencionando o site da organização batista o inglês, o francês crioulo e o espanhol como os mais recorrentes entre os grupos batistas. A religião predominante na região é a católica, apesar da presença do protestantismo, do hinduísmo, do anglicanismo, sem esquecer forte presença de praticas de santeria, vudu e rastafarianismo, uma das mais representativas na Jamaica.
Quanto à presença batista, ela acontece em grande parte da região, sendo mais expressiva no Haiti, com cerca de 60.000 pessoas; nas Bahamas, com 50.000 membros, na Jamaica com 40.000 batistas: em Cuba, com cerca de 20.000 adeptos nas igrejas, sendo que a maioria possuem menos de 1000 membros. Somente quinze grupos ou convenções têm participado do trabalho nos últimos cinco anos.
Ásia e Oceania são dois continentes de história bastante distintas, mas que, para efeito de organização, foram agrupados na Associação Batista Asiática e do Pacífico, assunto do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

46. BATISTAS NO MUNDO: ÁSIA E OCEANIA

“E durou isto por espaço de dois anos; de tal maneira que todos os que habitavam na Ásia ouviram a palavra do Senhor Jesus, assim judeus como gregos.” Atos 19:10

A Ásia é o maior dos continentes, tanto em área como em população. Ocupa um terço das terras de todo o nosso planeta e abriga três quintos da população total do mundo. Seu clima varia desde a região gelada do Ártico até a região quente dos trópicos, perto da linha do equador, localizando-se quase totalmente no hemisfério norte.
Terra de extremos, a Ásia abriga o ponto mais alto do mundo, o monte Everest, e o mais baixo, as costas do mar Morto. Estendendo-se de modo amplo de leste a oeste, é cortada por 11 fusos horários. A Ásia é também o local da maior diversidade de grupos étnicos e padrões de desenvolvimento no mundo. Dentre os 49 países da Ásia, encontram-se algumas das maiores e menores nações do mundo, tanto em área como em população. A Rússia, é quase tão grande como os Estados Unidos e o Canadá juntos, enquanto três nações asiáticas (Bahrein, Cingapura e as ilhas Maldivas) caberiam dentro da ilha de Marajó. A população da China ou da Índia é maior do que as populações da América do Norte e América do Sul somadas, mas cerca de dois terços dos países asiáticos tem uma população inferior à da Grande São Paulo.
Os sistemas políticos também variam muito na Ásia: comunismo na China e alguns outros países, realeza na Arábia Saudita e na Tailândia,governo de xeiques  no Bahrein, Catar e Emirados Árabes Unidos, democracia em Israel e no Japão, regimes militares ocasionais em muitos países asiáticos em períodos conturbados, bem como sultões em nove estados da Malásia demonstram essa diversidade de regimes políticos.
A população da Ásia difere em larga escala em genealogia, costumes, línguas, crenças religiosas ou modo de vida. Sua civilização começou há 4 mil anos, aproximadamente, muito antes de haver começado no ocidente. Foram asiáticos os inventores do papel, da pólvora, da bússola e dos tipos móveis de imprensa. Apesar de tanta evolução no passado, nos dias modernos, a defasagem econômica entre a Ásia e o ocidente aumentou ainda mais durante o período da colonização europeia. Quase toda a Ásia colonial conquistou sua independência em meados do século XX.
Os fundadores de todas as principais religiões do mundo foram asiáticos: Buda, Confúcio, Jesus Cristo e Maomé. Professam o hinduísmo cerca de 792.897.000, comum na Índia e arredores; o budismo tem cerca de 350.000.000 seguidores; o Cristianismo Católico e Ortodoxo possui 135.000.000 de pessoas e os Protestantes aproximadamente de 50.000.000, além de outras religiões. O islamismo é a maior religião em números absolutos de pessoas na Ásia, com cerca de 807.034.000 adeptos. Não pode ser esquecido o judaísmo, centralizado em Israel.
O trabalho batista na Ásia começou em 1793, quando William Carey foi para a Índia sob o patrocínio da Sociedade Batista Missionária inglesa. A ele, seguiram-se muitos outros missionários batistas norte-americanos e europeus, como o casal Judson, e mais tarde da própria região, vindos da Austrália e da Nova Zelândia. Hoje, a maioria dos países da Ásia tem crentes e igrejas batistas.
A Oceania  é uma região geográfica e geopolítica, composta por vários grupos de ilhas do Oceano Pacífico. O termo Oceania, criado em 1831 pelo explorador francês Dumont d'Urville, designa um continente que compreende a Austrália e ilhas adjacentes do Pacífico. É o menor "continente" em área e em população, com exceção da Antártida. Região habitada por povos selvagens desde eras remotas, a Austrália foi, ma região, a primeira a ser incorporada aos domínios britânicos em 1770, restringindo-se de início à implantação de colônias penais, com poucos colonos para desenvolver a pecuária. Incorporou-se posteriormente a Nova Zelândia,
O Novíssimo Mundo é formado por milhares de ilhas de diversas extensões, desde pequenos atóis até a Austrália,  a qual ocupa uma área de mais de 8.900.000 quilômetros quadrados. O continente é atravessada pela linha do Equador e pelo Trópico de Capricórnio, abrangendo oito fusos horários, inclusive a Linha internacional de mudança de data, que passa pelas Ilhas Fiji. Inclui atualmente 14 Estados soberanos, sendo os maiores em extensão Austrália, Nova Zelândia e Papua-Nova Guiné. As ilhas que o compõem se agrupam em Australásia, Melanésia, Micronésia e Polinésia. Os países mais desenvolvidos são Austrália e Nova Zelândia, todos os demais países apresentando características de subdesenvolvimento.
Quanto à religiosidade, não existe religião específica na Oceania, havendo forte influência ocidental, principalmente nos maiores países. Quanto às igrejas cristãs,além  dos batistas, católicos, anglicanos, luteranos e outros grupos cristãos são encontrados na região. Quanto aos não-cristãos, existem os praticantes do judaísmo, do hinduísmo, do budismo, do islamismo, além de outros grupos, bem como aqueles que se declaram sem religião. Sendo uma região variada e espalhada, é preciso considerar a influência das religiões primitivas de cada setor, em muitos casos bastante influentes até os dias de hoje.
A Associação Batista Asiática e do Pacífico apresenta em seu site os seguintes números para as igrejas batistas, seus membros e números de convenções, associações e grupos diferentes: Na Índia, 14.969 igrejas reúnem 2.509.621 de batistas em 22 grupos; em Mianmar, 2 convenções agrupam 4.808  igrejas com 909.831 membros;  na Coreia, 2.508 igrejas batistas possuem 774.259 membros, agrupados em 3 convenções; nas Filipinas,  430.290 batistas se reúnem em 2.851 igrejas com a existência de 5 grupos batistas diferentes; Na Indonésia, existem  680 igrejas batista em 3 convenções diferentes, totalizando 140.976 membros; em Hong Kong, 158 igrejas arrolam  88.124 batistas; em Papua Nova Guiné, 80.000 batistas se reúnem em 465 igrejas; na Austrália,  62.719 membros estão arrolados em 959 igrejas; em Bangladesh, 3 convenções batistas reúnem 974 igrejas com 55.734 membros no total; 4 grupos diferentes de batistas na Tailândia reúnem 458 com 54.517 membros arrolados. Os países e números citados são os mais expressivos, existindo outros com menor número de membros e de igrejas, totalizando, no ano de 2012, 30.944 igrejas e uma membresia de 5.291.084 batistas na Ásia e na Oceania.  Formada em 1973 na cidade de Hong Kong como Federação Batista da Ásia, no seu sétimo congresso, realizado na Tailândia, o nome foi mudado para o atual, tentando representar a abrangência do trabalho na região. Hoje, a Federação é constituída de 44 convenções batistas diferentes, em vinte países, em países tão distantes como Sri Lanka a Coreia do Sul, Nepal a Nova Zelândia, Índia às ilhas Fiji, por onde passa a Linha internacional de mudança de data.
Promover confraternização, cooperação e serviço entre os batistas, funcionando na Ásia e na Oceania como braço da Aliança Batista Mundial é um dos ideais da Associaçáo Batista Asiática e do Pacífico. E na África, como está sendo desenvolvido o trabalho batista? Este é o assunto do próximo fascículo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

 47. BATISTAS NO MUNDO: ÁFRICA

“E, como aquele porto não era cômodo para invernar, os mais deles foram de parecer que se partisse dali para ver se podiam chegar a Fenice, que é um porto de Creta que olha para o lado do vento da África e do Coro, e invernar ali.” Atos 27:12

A África é o terceiro continente mais extenso, atrás da Ásia e da América, com cerca de 30 milhões de quilômetros quadrados, cobrindo 20,3 % da área total da terra firme do planeta. É o segundo continente mais populoso da Terra (atrás da Ásia) com quase um bilhão de pessoas, representando cerca de um sétimo da população do mundo, em 54 países independentes. Apresenta grande diversidade étnica, cultural, social e política. Dos trinta países mais pobres do mundo, pelo menos 21 são africanos. Apesar disso existem alguns países com um padrão de vida razoável, mas não existe nenhum país realmente desenvolvido na África. Há países africanos com qualidade de vida e indíces de desenvolvimento razoáveis, como a África do Sul, Marrocos, Argélia, Tunísia, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, além da Líbia, Ilhas Maurício e Seicheles.
Existem diversos critérios para se dividir a África em regiões, e entre eles há o que prevê dois grandes grupos: a África Branca ou setentrional, formada basicamente pelos oito países da África do norte, e a África Negra ou subsaariana, formada pelos outros 44 países do continente.
Segundo as teorias científicas, os mais antigos fósseis de hominídeos, com cerca de cinco milhões de anos, foram encontrados na África, permitindo considerá-la o "berço da humanidade". O Egito foi provavelmente o primeiro estado a constituir-se na África, há cerca de 5000 anos, mas muitos outros reinos ou cidades-estados se foram sucedendo neste continente, ao longo dos séculos. A maioria dos países da África tornaram-se independentes apenas na segunda metade do século XX.
Encontram-se na África três religiões principais: o islamismo, que se manifesta sobretudo na África Branca, mas é também professado por numerosos povos negros; o cristianismo, religião levada por missionários e professada em pontos esparsos do continente; e as religiões tradicionais africanas centradas no animismo, seguido em toda a África Negra. Esta última corrente religiosa, na verdade, abrange grande número de seitas politeístas, que possuem em comum a crença na força e na influência dos elementos da natureza sobre o destino dos homens.
Da mesma forma que as religiões, existem inúmeras línguas no continente: várias línguas de origem africana e os idiomas introduzidos pelos colonizadores, utilizados até hoje. Os principais são: árabe, inglês, francês, português, espanhol e africâner, língua oriunda do neerlandês, falada pelos descendentes de neerlandeses, alemães e franceses da África do Sul e da Namíbia. Cinco dos países de África foram colônias portuguesas e usam o português como língua oficial: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
A África é o segundo continente em que o cristianismo foi estabelecido. Como uma religião organizada, a presença do Cristianismo na África começou no final do século I no Egito, e até o fim do século II na região em torno de Cartago. Importantes africanos que influenciaram o desenvolvimento precoce do cristianismo incluem Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, Cipriano de Cartago, Atanásio de Alexandria e Agostinho de Hipona.
O posterior aumento do islamismo no Norte da África reduziu o tamanho e o número de congregações cristãs, deixando só a Igreja Ortodoxa Copta do Egipto e a Igreja Ortodoxa Tewahedo Etíope. O Cristianismo adotado pela maioria da população na maior parte das nações africanas do sul, central e oriente, e, em alguns nações do oeste africano. No Norte de África, cristãos coptas fazem uma significativa minoria no Egipto. Segundo a Encyclopædia Britânica, o cristianismo é atualmente um dos religiões mais generalizadas da África, com cerca de 40% da população como seus seguidores.
A história do Cristianismo na África começou no primeiro século quando Marcos, o Evangelista, começou a Igreja Ortodoxa de Alexandria por volta do ano 43. Pouco se sabe sobre os primeiros dois séculos da história do Cristianismo na África, além da Lista dos Patriarcas de Alexandria. Na primeira, a Igreja em Alexandria foi principalmente de língua grega, mas até o final do século II, as Escrituras e a liturgia foram traduzidas em três línguas locais.
A Associação Batista para toda a África, seção da Aliança Batista Mundial para o continente,  reúne quase dez milhões de batistas, em mais de 50 grupos que incluem convenções, uniões, igrejas independentes e instituições.  A missão da instituição é facilitar a comunicação e colaboração entre a rede de igrejas batistas por toda a África, para promover o desenvolveimento de evangelismo, discipulado e liderança  bem como a implantação de novas igrejas e o desenvolvimento de estratégias para ação de coorperação social.
Considerando-se os números, num total de 35.379 igrejas e 9.353.160  batistas na África, os países onde a presença batista é mais marcante são: Uganda, com 1.528.593  batistas distribuídos em 2.406 igrejas e organizados em dois grupos convencionais; o Congo, que possui 3.759 igrejas congregando 1.970.620 membros em 10 grupos convencionais diferentes; e a Nigéria, onde 2.522.986 batistas congregam em 9.555 igrejas diferentes, ligadas a duas convenções. No Quênia, existem 800.000 batistas em 3.500 igrejas, sendo que, nos demais países, os números somam algumas centenas de milhares, dezenas de milhares ou menos.
            Como um desafio de participação, a Associação Batista para toda a África faz um convite: “Nós, da AABF, temos visto Deus trabalhando na África. O que Ele está fazendo é maior que os nossos recursos. Nós convidamos você para se juntar a Deus no cumprimento da Grande Comissão no nosso tempo. Nossa Associação é sua conecção confiável para as oportunidades de ministério das Convenções e Uniões Batistas Africanas. Junte-se à carrugem.”.
            Doutrinas têm sido, muitas vezes, o divisor de águas entre denominações e grupos cristãos ao longo do tempo. Recuperar o evangelho neotestamentário e apostólico definido nas Escrituras após o afastamento do padrão deixado por Cristo ocorrido durante cerca de quinze séculos têm sido a tarefa perseguida pelos batistas em 400 anos de história. É o assunto do próximo segmento.
                                                  
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

48. DOUTRINAS BATISTAS: NOSSAS CONQUISTAS HISTÓRICAS

“E os judeus maravilhavam-se, dizendo: Como sabe este letras, não as tendo aprendido? Jesus lhes respondeu, e disse: A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou.” João 7:15-16
           
A palavra “doutrina”, do latim doctrina, tinha em sua língua de origem o sentido de instrução, ensino, erudição, aprendizagem. O dicionário do Aurélio define “doutrina” em português como conjunto de princípios que servem de base a um sistema religioso.
Informa a Convenção Batista Brasileira no seu portal na internet:

“Considerando as Raízes Doutrinárias, os Batistas saem diretamente das páginas do Novo Testamento: dos lábios e ensinos de Jesus e dos apóstolos e tem sua trajetória marcada pela oposição a toda corrupção da doutrina cristã claramente exposta no Novo Testamento."

Conforme já se sabe, os batistas surgiram historicamente quase 1.600 anos após o início da Igreja deixada por Jesus neste mundo e expandida pelos seus apóstolos e seguidores, conforme nos informa o livro de Atos. Após tanto tempo, as heresias se multiplicaram, a ponto de exigir a ação de reformadores, como Lutero, Zuínglio e Calvino, no século XVI. No entanto, apesar das reformas, muita coisa ainda precisava ser mudada, na busca da Igreja mais pura, neotestamentária e apostólica que muitos almejavam. Foi neste anseio de volta às origens bíblicas que surgiram os batistas, resgatando muitas doutrinas e práticas da igreja primitiva. As doutrinas batistas foram, portanto, resultado de conquistas históricas, que demandaram tempo, luta, perseguição e muito sofrimento, para que delas pudéssemos usufruir nos dias atuais.
A primeira doutrina a ser restaurada foi a de igreja como congregação local, em substituição à ideia paroquial que prevalecia, apesar das reformas. “Igreja é uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas após profissão de fé. (...) Tais congregações são constituídas por livre vontade dessas pessoas, com a finalidade de prestarem culto a Deus, observarem as ordenanças de Jesus, meditarem nos ensinamentos da Bíblia para a edificação mútua e para a propagação do evangelho.” Este texto faz parte da doutrina número VIII da Convenção Batista Brasileira. Partindo desta verdade alicerçada na Bíblia, outras doutrinas foram resgatadas ainda por Smyth e sua “congregação da padaria”, como a de pecado (“... cedendo à tentação de Satanás, num ato livre de desobediência contra seu Criador, o homem caiu em pecado e assim perdeu a comunhão com Deus e ficou dele separado”), a doutrina de salvação (... a salvação é outorgada por Deus pela sua graça, mediante arrependimento do pecador e da sua fé em Jesus Cristo como único Salvador e Senhor”), evoluindo-se então para outras verdades que precisavam ser resgatadas.
Com relação ao homem, “criado por Deus à sua imagem e conforme a sua semelhança”, disso decorrendo seu valor e dignidade, já na Inglaterra, Helwys e seus contemporâneos batistas procuraram demonstrar, inclusive para o Rei James I, que “Deus e somente Deus é o Senhor da consciência” e, em decorrência disso, “a liberdade religiosa é um dos direitos fundamentais do homem, inerente à sua natureza moral e espiritual”, não devendo essa liberdade, portanto, “sofrer ingerência de qualquer poder humano”. O princípio de que “a Igreja e o Estado devem estar separados por serem diferentes em suas naturezas, objetivos e funções” decorre desta noção de liberdade individual, diante de Deus e dos homens. Por escrever sobre tais ideais, Thomas Helwys perdeu sua própria vida.
Tendo recebido o nome de batistas, os membros da denominação, desde o início, defenderam o batismo como a porta de entrada na igreja após a conversão, contrariando o pedobatismo que prevalecia na época, mesmo entre os grupos reformados. Entendem os batistas o batismo e a Ceia do Senhor como “as duas ordenanças da igreja estabelecidas pelo próprio Senhor Jesus Cristo, sendo ambas de natureza simbólica”, contrariando as ideias católicas de sacramentos, que grupos reformados mantiveram e mantêm até hoje. Outras doutrinas têm sua origem no próprio movimento de Lutero, como o da Sola Scriptura, por exemplo, entendendo os batistas que “a Bíblia é a Palavra de Deus em linguagem humana”, sendo “o registro da revelação que Deus fez de si mesmo aos homens”.
Com o título de Justos e Ímpios e sob o número XIX, o texto a seguir encerra a série de doutrinas que as igrejas batistas ligadas à Convenção Batista Brasileira procuram defender e seguir, até que Cristo volte. Todos os textos mencionados com destaque em itálico foram extraídos das dezenove doutrinas:

“Deus, no exercício de sua sabedoria, está conduzindo o mundo e a história a seu termo final. Em cumprimento à sua promessa, Jesus Cristo voltará a este mundo, pessoal e visivelmente, em grande poder e glória. Os mortos em Cristo serão ressuscitados, arrebatados e se unirão ao Senhor. Os mortos sem Cristo também serão ressuscitados. Conquanto os crentes já estejam justificados pela fé, todos os homens comparecerão perante o tribunal de Jesus Cristo para serem julgados, cada um segundo suas obras, pois através destas é que se manifestam os frutos da fé ou os da incredulidade. Os ímpios condenados e destinados ao inferno lá sofrerão o castigo eterno, separados de Deus. Os justos, com os corpos glorificados, receberão seus galardões e habitarão para sempre no céu como o Senhor.”

Aos judeus maravilhados diante de sua sabedoria, Jesus disse não ser sua a doutrina, mas daquele que o havia enviado. Deus é o Senhor de toda a instrução, ensino, erudição e o condutor a toda a aprendizagem o que diz respeito às doutrinas da sua Igreja. Estarão os homens do século XXI também maravilhados diante da doutrina que veem em nós, seja no ensino ou na vida, ou temos nós revelado ignorância diante do mundo com relação às razões da nossa fé?
Não existe maneira mais adequada de encerrar este segmento do que fazendo coro com o apóstolo João no final do seu Apocalipse: Maranata!Ora vem, Senhor Jesus!”

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

49. ORIGENS BATISTAS: OUTRAS TEORIAS

“... estando (Jesus) com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, que (disse ele) de mim ouvistes.
Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias.” Atos 1:4-5
                                                                                                                                 
A história demonstra que a origem dos batistas está ligada ao movimento separatista do início do século XVII, na Inglaterra. Todavia, esta não é a única visão que tem sido apresentada a respeito do assunto. Por necessidade de clareza histórica, precisamos conhecer outras posições a respeito da origem do movimento batista. As duas mais importantes são a dos anabatistas e a conhecida em inglês como landmark.
Anabatista (do grego "ana" e "baptizo", com o sentido de rebatizadoré um nome bastante recorrente na história da igreja, principalmente em conexão com a negação da heresia do batismo infantil e a reafirmação do batismo do crente após confissão de fé no evangelho de Cristo. A palavra surge na historia do Cristianismo talvez pela primeira vez como menção feita  pelo Papa Estêvão I a cerca de 87 bispos que haviam realizado o 2º Concílio de Cartago, em 225 d.C., para legalizarem o rebatismo dos fiéis vindos de outras Igrejas que adotavam o ‘batismo regenerador’. O Papa tomou conhecimento e excomungou todos os bispos que participaram do 2º Concílio de Roma, declarando que o re-batismo era uma heresia. Aparentemente, os grupos que realizavam o rebatismo eram adeptos do montanismo, do novacianismo, do donatismo e de outros grupos dissidentes de Roma. Após a reforma iniciada por Lutero, surgiram os cristãos da sua ala mais radical, que teve no reformador Zuínglio sua origem. Apontados como continuadores dos lolardos de Wyclif e dos hussardistas de Hus, “os anabatistas eram desprezados pelos reformadores por insistirem que a Igreja é formada somente de seguidores deliberados de Cristo, que a admissão a ela é pela confissão e batismo, que ela é autônoma e que ela se mantém pura por disciplina”, conforme afirma Lumpkin.
Existem semelhanças de doutrinas entre batistas e anabatistas: separação entre igreja e estado, batismo do crente, autoridade única das Escrituras, a Ceia do Senhor apenas como memorial, a liberdade individual da alma. As evidências históricas, contudo, mostram que, excetuando as influências iniciais na Holanda e mesmo posteriormente na Inglaterra, os batistas e anabatistas formaram dois grupos que se desenvolveram separadamente ao longo da história.
A outra teoria aponta para o movimento que em inglês é chamado de Landmark, expressão formada de “land” (= terra) e “mark” (= marca, limite), numa alusão aos limites colocados no solo pelos antigos. O nome foi sugerido por um panfleto escrito por James M. Pendleton em 1856, baseado em Provérbios 22.26, onde se lê “Não removas os antigos limites que teus pais fizeram.”, numa alusão à manutenção da fidelidade aos fundamentos implantados pelos pioneiros no início da Igreja. O movimento tem características e causas bastante diversificadas, tendo surgido no Sul dos Estados Unidos na segunda metade do século XIX, uma época de grandes confrontos entre as diferentes denominações evangélicas envolvendo os batistas e tendo como um dos temas centrais a questão do pedobatismo.
Revestido de um caráter marcantemente sectário, o movimento questionava assuntos como:
  • Podem os batistas reconhecer como Igreja de Cristo a sociedades não organizadas de acordo com o padrão da Igreja de Jerusalém, que possuem governo diferente, diferente tipo de membresia, diferentes ordenanças, doutrinas e práticas?
  • Podem os batistas reconhecer os ministros de tais corpos irregulares e não-escriturais como ministros do evangelho em sua total capacidade, convidando-os para pregarem em seus púlpitos? 
  • Podem os batistas tratar como “irmãos em Cristo” aqueles que não têm suas doutrinas e não andam de acordo com seus mandamentos, mas se colocam às vezes em oposição a eles?

Criam os seguidores do movimento apenas na existência das igrejas locais, negando as ideias de igreja universal. O Reino de Deus consistia da soma total de igrejas locais que pudessem ser propriamente vistas como “igrejas verdadeiras de Cristo”. Segundo criam, somente igrejas batistas se qualificavam para isso, fora das quais não havia salvação. A sucessão de igrejas verdadeiras de Cristo estava em conexão próxima a essas crenças, acreditando o movimento que igrejas organizadas de acordo com os princípios de Cristo sempre existiram ao longo da história. Enquanto existia apenas a Igreja de Jerusalém, igreja e reino eram idênticos, sendo do reino apenas quem fizesse parte daquela igreja. Com a multiplicação das congregações, as novas eram integradas ao reino de Deus. Ao longo da história, os landmarkistas citam Waldenses, Albigenses, Paulicianos, Novacianistas, Donatistas e outros grupos como predecessores dos batistas modernos de nossos dias.

Também chamado de JJJ (João-Jordão-Jerusalém), no Brasil, o movimento se tornou conhecido pelo livreto “O rasto de sangue”, escrito por J. M. Carrol. Tal como a teoria da origem anabatista, a teoria landmarkista não tem apoio em evidências históricas. Nos diferentes grupos apontados como “batistas’ sem levarem este nome ao longo da história, sempre será possível encontrar pontos de convergência em doutrinas e práticas, pois todos eles surgiram como oposição às heresias introduzidas no cristianismo pelo catolicismo, mas nenhum desses grupos teria a visão batista de ser igreja, que se desenvolveu ao longo de quatrocentos anos, desde os separatistas ingleses até hoje.

Historicamente, podemos afirmar que, considerando-se a reforma protestante a partir de Lutero, os batistas foram muito bem nessa atividade de “passar o cristianismo a limpo” à luz das Escrituras, deixando de lado as velhas estruturas eclesiásticas heréticas oriundas do catolicismo romano e lutando pela reconstrução da igreja a partir da igreja local, primeira preocupação dos nossos líderes na reforma empreendida a partir do embrião de Amsterdam, na Holanda. John Smyth, Thomas Helwys, John Spilsbury e outros líderes batistas pioneiros se opuseram à ideia sucessionista da igreja.

Todas as denominações surgidas a partir do protestantismo podem alimentar a ideia de que a igreja primitiva historiada em Atos dos Apóstolos era semelhante, se não a mesma, da sua igreja atual, mas essa teoria não tem base na história como ciência, baseada em evidências, documentos e fontes. É preciso reconhecer que, desde o início, as igrejas mais puras estiveram sujeitas a erros e heresias, sendo que, em algumas épocas históricas, elas acabaram por se tornar mais em sinagogas de Satanás do que igrejas de Cristo, fato revelado até pelo apóstolo João no seu Apocalipse. No entanto, Cristo tem tido e terá sempre um Reino neste mundo, formada por pessoas que creem nele e confessam o seu nome. Torna-se cada vez mais difícil definir-se um nome ou um tipo de igreja como representante único do Reino de Deus neste mundo, mas cabe a cada cristão e cada igreja buscar, a cada dia, a pureza doutrinária que caracterize uma autêntica Igreja de Cristo, que possa continuar pregando a mensagem do evangelho até os confins da terra, ansiando pela volta do Noivo, que finalmente se unirá à Sua Noiva uma santidade digna da presença eterna com Deus.


xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

50. OS BATISTAS APÓS 400 ANOS

           “Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio, e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelente Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio; para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado.” Lucas 1:1-4

Por ocasião das comemorações, foi lembrado, o nome de Johann Gerhard Oncken, um alemão que foi batizado em 1834 e ajudou a formar uma igreja batista em Hamburgo, tendo sido a Alemanha um dos últimos países europeus a organizar o trabalho batista, fato que somente aconteceu no século XIX. Foi ele o autor de “Jeder Baptist ein Missionar” (“Cada batista um missionário”), fase que se tornou uma marca dentro da denominação.
Ameaças Modernas à Liberdade Religiosa foi o título da mensagem proferida pelo pastor Denton Lotz, no dia 30 de julho de 200 9, ainda dentro das comemorações dos 400 anos batistas em Amsterdam, na Holanda.  Iniciando com as referências históricas a John Smith, na Inglaterra, e a Roger Williams, nos Estados Unidos, o ex-secretário da Aliança Batista Mundial fez uma comparação entre as ameaças à liberdade religiosa que existiram no início batista com as que temos que confrontar hoje, como batistas no século XXI, quando “muitos governos civilizados e democráticos reconhecem a liberdade religiosa como um direito inerente”, e a “Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948 afirma a liberdade religiosa e o direito à conversão”.  Segundo o pregador, “o verdadeiro inimigo da liberdade religiosa é a religião do secularismo, que deseja (...) confinar a religião aos seus edifícios e proibir uma pública expressão de fé.” As várias centenas de batistas reunidos na Igreja Menonita Unida em Amesterdam ouviram que “o conflito hoje não é sobre prática religiosa (...) mas se a religião terá ou não uma audiência adequada. Nossa educação pública e estatal tem promovido o secularismo como sua própria religião e tem doutrinado a geração mais jovem a crer que o homem pode viver sem Deus e pode explicar o universo e a história e a comunidade sem fé.” Desse modo, a mídia frequentemente proíbe expressão religiosa, notando-se que, embora a religião seja tão proeminente no mundo, ela está ausente no noticiário. Como resultado do crescente secularismo, o mundo ocidental está “entrando em uma nova idade das trevas, quando a ignorância com relação a Deus, criação e moralidade está presente e a humanidade desce novamente a uma anarquia, decadência e violência animalescas.” Cristãos batistas não podem, portanto, descansar em seus lauréis, dependendo das glórias do passado quando os batistas foram campeões na causa da liberdade religiosa e de outras formas. Como batistas, devemos continuar a defender a liberdade religiosa para todos os povos e religiões. “Se falharmos em levarmos a sério o século XXI e meramente continuarmos a defender a liberdade religiosa como se estivéssemos vivendo sob o rei James I, teremos nos tornado irrelevantes, bem como a nossa defesa da liberdade.”
O sermão foi proferido durante um culto, no qual foram lembrados episódios e personagens históricos que atuaram em diferentes partes do mundo, tendo sido mencionados os nomes de Antonio Teixeira de Albuquerque e William Bagby como pessoas que proclamaram o Evangelho na América Latina e ajudaram a estabelecer o testemunho Batista naquela região, bem como de Eurico Nelson como uma das pessoas que nunca cessaram de defender os oprimidos, marcando a presença batista brasileira na solenidade. Durante o culto, a ordem incluiu também um solo, Precisamos de Deus, feito por Marly Caruso, representando a Convenção Batista Brasileira.
Neste mundo de constantes desafios e mudanças, que Deus nos ajude a sermos relevantes como batistas, na defesa de nossa fé e de nossas doutrinas, buscando atingir o ideal de Oncken: que cada batista seja realmente um missionário no seu local de residência, de trabalho, de influência, e que cada vida batista exerça um testemunho verdadeiro de que vale a pena seguir a Cristo neste mundo, enquanto aguardamos por uma eternidade toda em louvor a Deus.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx BATISTAS 400 anos xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

CONCLUSÃO: O CAMPO É O MUNDO

E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Marcos 16.15

Desde o início da atividade da igreja, os seguidores do Caminho sabiam que teriam uma tarefa muito ampla pela frente, tão vasta que uma única geração de cristãos não seria capaz de realizar. Os batistas também, desde o seu início, tinham consciência desta missão e demonstraram isto em vários momentos da história. William Carey, um sapateiro batista de Londres, pregava seus sapatos tendo o mapa mundi à sua frente, sonhando com o dia em que, em vez de pregos, iria usar palavras e frases para pregar a mensagem do evangelho aos indianos.
Por ocasião das comemorações dos 400 anos batistas em 2009, Denton Lotz, da Aliança Batista Mundial, assim se expressou:

"Em 1834, Johannes Gerhard Oncken, pioneiro do trabalho batista na Alemanha, foi preso por ser o líder de uma igreja batista, recém-organizada em Hamburgo. O delegado deu uma ordem: Escreva aí o nome dos missionários de vocês. Oncken não perdeu tempo: Jeder Baptist ein Missionar, ou seja, Cada batista, um Missionário".

Tendo participado de uma viagem missionária à Ásia juntamente com o casal Judson, Luther Rice voltou para a América, a fim de organizar o trabalho missionário batista norte-americano, que muito deve a ele em sua estrutura inicial. De passagem pelo Brasil, olhou para as nossas terras, a partir de Salvador, avaliando seu potencial para missões.
Estes são apenas alguns exemplos que a história registrou e que podemos lembrar, ilustrando este último fascículo. “O campo é o mundo”, conforme o título e o texto inicial, nas palavras de Jesus a seus discípulos. O campo era o mundo na época de Cristo, um mundo representado pelo Império Romano civilizado e os demais povos considerados bárbaros. O campo era o mundo na Idade Média, quando igreja e governo imperial se uniram, numa parceria que produziu muitos resultados desastrosos. O campo era o mundo quando Lutero, Zuinglio, Calvino e os demais reformadores deram o brado de “Sola Scriptura”, iniciando movimento de volta às origens neotestamentárias e apostólicas do Cristianismo. O campo era o mundo quando John Smyth, Thomas Helwys e os demais integrantes da “congregação da padaria” lançaram as bases teológicas do “embrião batista” em solo holandês. O campo continua sendo o mundo neste século XXI, quatro séculos após o embrião ter florescido em solo inglês em Spitalfields. Dos tempos apostólicos até hoje, muita coisa mudou, muito se evoluiu na ciência, na tecnologia, no conhecimento humano, mas a mensagem continua a mesma, tal como anunciada por Pedro ao responder à pergunta de Jesus “... e vós, quem dizeis que eu sou?” “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, resposta dada por Simão Pedro, expressando a certeza de que Jesus é o Cristo, o enviado do Deus vivo ao mundo para a salvação de todo aquele que nele crer, resume a mensagem do evangelho, mensagem do amor de um Deus criador que, longe de abandonar sua criatura à própria sorte, “tanto amou o mundo que deu seu Filho unigênito”, abrindo ao homem caminho de volta para sua reconciliação eterna com o Criador.
O Cantor Cristão, hinário batista brasileiro surgido por iniciativa de Salomão Ginsburg, tem como seu hino de número 427 um desafio missionário que as igrejas de nossa terra têm cantado ao longo de mais de um século de existência, a partir da formação da 1ª de Salvador. O próprio Ginsburg traduziu um poema anônimo, que é cantado com a melodia composta por Will Lamartine Thompson. Quem foi Thompson?
Filho de um casal presbiteriano, W.L.Thompson começou a compor bem cedo em sua vida, tendo conseguido fama como compositor de música clássica, popular e sacra, tornando-se até conhecido como “o compositor milionário”. Nas palavras de um de seus amigos, Thompson possuía “um excelente caráter e um belo espírito que não eram menores do que o seu imenso talento musical”. “Simplicidade, sinceridade, humildade e justiça foram as características de sua vida”. Apesar da fama, Thompson nunca deixou de dar o testemunho de seu Salvador, que o resgatou desde a sua infância. Sentindo que devia algo a Deus, Thompson dedicou finalmente o seu talento de compositor unicamente à composição de músicas sacras, tendo escrito, além de outros, o hino “Manso e suave”. Thompson teve o privilégio de visitar o grande evangelista D.L.Moody e de ouvir dele, em seu leito de morte, as seguintes palavras: “Will, preferia ter escrito o seu hino Manso e suave, mais do que qualquer outra coisa que tenha feito em minha vida inteira”.
“Conquistar o mundo" foi a ordem de Cristo aos seus discípulos:

'O mundo vasto imenso,
Pra Cristo conquistar'
Este é o grande lema
Do nosso labutar.
Humilde, desprezado,
Por nós na cruz morreu;
Glorificado reina
Na terra e lá no céu!
O mundo vasto, imenso:
O povo do Brasil,
Nações além dos mares,
Famílias, tribos mil,
Os povos da Europa,
Da China, do Japão,
A todos proclamemos
De Cristo a salvação!

O mundo vasto, imenso:
Seus lares, corações,
Impérios, tronos, reinos,
As grandes multidões
Ao Salvador bendito
Terão de se entregar,
Pois no universo inteiro
Jesus há de imperar!

Sim, conquistar
O mundo pra Cristo!
O mundo, sim,
Pra Cristo, o Salvador!

            Os povos da Europa, da China, do Japão, da Ásia, da Oceania, das Américas, de todas as partes, compostos de famílias e tribos mil, têm sido alcançados pela mensagem do evangelho de Cristo. No entanto, bem perto de nós, quem sabe tenhamos samaritanos, pessoas que, por circunstâncias existenciais, se tornaram estranhas a nós, tal como os de Samaria eram estranhos aos judeus. Samaria foi alcançada na era apostólica e as Samarias modernas precisam também ser atingidas, pois são formadas por pessoas por quem Cristo também morreu. Que neste final de reflexão histórica, após caminharmos por vinte séculos de Cristianismo, focalizando principalmente quatrocentos anos de vida batista, possamos ser desafiados pelas vidas que foram aqui apresentadas. Todos os nossos herois da fé foram pessoas que investiram suas vidas, alguns até a perderam, por amor à causa do evangelho. Enquanto Cristo não voltar, a mensagem da cruz e da ressurreição do Salvador precisa ser pregada e seus ensinos por nós vivenciados, de tal forma que as pessoas digam sobre nós o que foi dito sobre os apóstolos no passado: “Estes que têm alvoroçado o mundo, chegaram também aqui.”

BIBLIOGRAFIA

  1. O Cristianismo através dos Séculos - Earl E. Cairns
  2. História da Igreja Cristã - W. Walker
  3. História do Cristianismo ao Alcance de Todos - Bruce L. Shelley
  4. Uma história ilustrada do Cristianismo - 10 volumes - Justo L. Gonzalez
  5. Baptist Confessions of Faith - William L. Lumpkin
  6. The Baptist Heritage: Four Centuries of Baptist Witness - H. Leon Mc Beth
  7. História dos Batistas no Brasil - 1882-1982 - José dos Reis Pereira
  8. Livro de Ouro da Convenção Batista Brasileira - Odilon Avila Amaral e Celso Aloísio Santos Barbosa
  9. Centenário da Convenção Batista do Estado de São Paulo - Dami Ferreira
  10. Centelha em Restolho Seco - Betty Antunes de Oliveira
  11. “Uma Epopéia de Fé: A história dos batistas letos no Brasil” - Osvaldo Ronis
  12. Igreja Batista Central de Campinas - Os Primeiros 50 anos - Ricardo Simões Rocha
  13. Diferentes sites e endereços na INTERNET